Hoje, eu estava mais animado para chegar na escola. Me organizei cedo, conferi se o cartão magnético estava comigo para pegar a nave espacial, para que não se repetisse o que aconteceu na semana passada e segui o percurso.
Ao chegar na trilha da sala, encontrei dezesseis guardiões do tesouro perdido. E havia algo diferente no ar. Uma das crianças chegou empolgada, trazendo um misterioso dispositivo musical, uma espécie de talismã sonoro que logo atraiu todos ao redor. Por alguns instantes, sua música uniu olhares e corpos num pequeno ritual de encantamento, até que foi mandado guardar.
Logo depois, fui surpreendido por ela: a Guardiã dos Cachos Escondidos. Tinha sido seu aniversário no dia anterior e ela ainda brilhava com a alegria de quem recém completou mais uma volta ao redor do sol. Ganhou um presente especial: a tal misteriosa Varinha de Picada, aquela já conhecida por seus poderes misteriosos e pela bagunça boa que causa quando aparece (Lapiseira, no formato de injeção). Ela a recebeu com entusiasmo e rapidamente perguntou: "Cadê o Guardião da Luz?". A Guardiã do Compasso, com um sorriso, falou: "Ela tá perguntando porque ele tem medo de agulha". E todos riram juntos, era assim que a brincadeira ganhava vida.
Hoje, o Guardião do Redemoinho estava diferente. Quieto, concentrado, escrevia rápido na agenda. Em certo momento, ele se aproximou, encostou a cabeça no meu braço e ficou em silêncio, por um longo tempo. Até que a professora o orientou a voltar para o lugar. E ele voltou.
Enquanto isso, ajudei outro guardião, um menino observador, que costuma guardar as palavras dentro de si. Mostrou-me seus adesivos com alegria: "Minha irmã me deu!". Perguntei se ela era mais velha, e ele respondeu: "Sim, mas tenho outra irmã… Só falo que tenho duas, porque a terceira tá crescendo e tá ficando chata e já não quer mais brincar comigo. Então, na minha cabeça, ela é só minha amiga." Fiquei com essa frase o resto do dia.
A fala veio leve, do jeito que só as crianças sabem dizer. Mas me fez refletir que às vezes, crescer é mesmo um processo estranho. A gente muda de gosto, muda de jeito, muda de lugar. E na lógica das infâncias, isso pode ser confundido com virar "chato". Foi o que me contou um guardião.
Essa fala tão pequena abriu em mim uma brecha de saudade de um tempo em que brincar era o sinônimo principal e bastava um olhar, um gesto ou um objeto qualquer para começar uma grande aventura. Mas aí a gente cresce. E sem perceber, começa a falar outras línguas: a da pressa, a das tarefas, a das obrigações.
Aos poucos, o brincar vai ficando para trás, como se fosse coisa de antes, de quando o mundo ainda era mais leve. A gente se afasta dos jogos inventados, das risadas sem motivo, dos convites simples que diziam: "quer brincar comigo?". E quando percebe, já não sabe mais responder nessa língua.
Esse mesmo guardião foi minha companhia por quase toda a tarde. Inteligente, atento, mas silencioso. Prefere não responder quando a pergunta é para todos. Disse a ele: "Fala, ela vai te escutar." E ele respondeu: "Não quero gritar. Vou até lá." E foi, do seu jeito, calmo, decidido, e deu sua resposta diretamente.
No segundo momento, após o recreio, foi hora dos ensaios. Os guardiões estavam se preparando para a apresentação do Dia das Mães. Ensaiaram várias vezes, e a cada repetição, a apresentação ficava mais bonita. Era como se o palco imaginário se tornasse real ali mesmo, no chão da sala, entre risos e pequenos tropeços.
Um outro guardião da outra turma chamava atenção: na parte da música que dizia "exagerado", ele realmente se entregava com tudo. Era mesmo exagerado, no melhor sentido da palavra. Seus gestos amplos e sua voz ousada faziam a letra ganhar vida. Eu ria por dentro, admirando sua entrega tão autêntica, tão inteira, tão dele. Havia ali uma alegria que contagiava, uma presença que ocupava o espaço como se dissesse: "estou aqui, e isso é importante para mim".
Enquanto isso, alguns ensaiavam com mais timidez, outros com entusiasmo crescente. Cada um à sua maneira ia compondo esse pequeno espetáculo. Talvez o mais bonito não fosse a perfeição da coreografia, mas o gesto de oferecer algo mesmo pequeno a quem tanto cuida.
Depois, retornamos para a sala, ainda havia tempo para mais uma atividade. Ao final, despedidas e vozes ecoando pelos corredores sinais de que a missão daquele dia estava cumprida. Lá fui eu, então, rumo ao embarque para minha nave espacial. Lotada, como sempre. Um espaço apertado, barulhento, mas também cheio de histórias, cansaços compartilhados e pensamentos vagando.
É curioso como, em meio à rotina e às repetições, sempre há algo novo. Um detalhe, uma fala, um silêncio que carrega o peso da história. E talvez seja esse o segredo não procurar grandes acontecimentos, mas aprender a escutar o sussurro das pequenas coisas.
Hoje, esse sussurro veio em forma de brincadeiras, de passos ensaiados e frases inventadas. No jeito como uma varinha de picada vira riso, como um toque no braço diz tudo, como o "não quero gritar" também é um jeito de dizer "estou aqui". O brincar estava em cada canto não como tarefa, mas como gesto de mundo. E eu, ali no meio, tentando reaprender essa língua que um dia já foi minha.
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