quarta-feira, 24 de março de 2021

Professor, interrompido (CMTP 26)

Ao final do meu segundo ano como professor, decidi pedir demissão do colégio.

A principal justificativa que dei para tal decisão for me dedicar só ao mestrado. Não lembro ao certo o real motivo, mas talvez tivesse a ver com meu cansaço e com um sonho que crescia cada vez mais em mim: me tornar um escritor.

O ano seguinte foi quase perfeito. Recém-casado, com as disciplinas do mestrado quase todas concluídas, passei a maior parte de 1995 num despreocupado ócio criativo. Foi o tempo dos prontuários d'Os internos do pátiO, um fanzine de poesia e prosa poética, e de uma troca diária de cartas com meu caro amigo Fabiano, que fazia mestrado em São Paulo, e outros amigos antigos e novos que estavam em Tocantins, no Pará e no Ceará mesmo. Essa correspondência se tornaria um livro materialmente feinho, mas literariamente muito lindo, chamado Cartas do Pátio.

Naquela época, eu achava que não voltaria a ser professor. Abriríamos um espaço cultural, O Pátio, num galpão da Praia de Iracema e viveríamos de arte.

As coisas não aconteceram conforme nossa linda imaginação e, um tanto depois, eu retomaria minhas atividades como professor, primeiro como formador de instrutores do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura, depois como professor substituto de História na UFC.

Mas essas histórias ficarão para depois numa possível, mas não certa, continuidade do Didaticário e da série Como Me Tornei Professor.

Gratidão a vocês que me acompanharam nesses 3 meses e 77 postagens. Como canta Luiz Ayrão, qualquer dia, qualquer hora, a gente se encontra, seja como for, pra falar de amor, porque como diz Paulo Freire, a educação — e por extensão a Didática — é um ato de amor.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Com o coração pleno de Luiza

Se Luiza ainda estivesse encarnada, estaríamos em sua casa comendo bolo e comemorando seu aniversário de 90 anos neste 22 de março de 2021.

Na minha saudosa imaginação, ela cantaria mais uma vez uma de suas músicas favoritas, Genipapo Absoluto, do Caetano Veloso.

Cantar é mais do que lembrar
É mais do que ter tido aquilo então
Mais do que viver do que sonhar
É ter o coração daquilo
...
Aquele que considera
A saudade uma mera contraluz que vem
Do que deixou pra trás
Não, esse só desfaz o signo
E a rosa também
 
A saudade de Luiza não é algo que ficou pra trás. É presença constante em minhas aulas, no SOS Didática de hoje, quando escrevo o Didaticário, quando canto as canções que fiz e as músicas que cantamos juntos.

É como canto em minha música para a Luiza:

Voa no meu céu
Pousa em minha árvore
...
Pássaro de luz,
Passarim Luiza
 
Mais do que cantar, mais do que tê-la tido como mestra e amiga, tenho o coração cheio, repleto, pleno de Luiza. 
 
Ela dizia que, numa próxima encarnação, gostaria de vir como cantora. Por isso que, nas minhas horas vagas, estudo música. Depois de desviver e desmorrer, quero ser do bando e da banda da Luiza.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Pesquisando minha própria prática (CMTP 25)

Minha formatura foi no meio de 1993. Passei o restante do ano estudando para a seleção do Mestrado em Educação. Foi a época em que mais estudei na minha vida. Li duas vezes toda a bibliografia, fazendo fichamento. Consegui passar.

Meu projeto de pesquisa era sobre a minha própria prática como professor de História. Então registrei muito detalhadamente todo o meu ano de 1994.

O ano de 1993 ficou guardado só na memória, mas o segundo ano como professor está quase todo escrito na minha dissertação de mestrado, que concluí em 1996.

Como nossa memória retém muito pouco do nosso passado, para mim é sempre surpreendente reler minha dissertação de mestrado de vez em quando. Nela está o professor que eu era, e que de certa maneira ainda sou. Mas estão principalmente meus alunos, a Luiza e meus amigos Fabiano e Paulo.

Meus alunos estão presentes desde a ilustração da capa, a Terra como a pupila de um olho, e em muitas falas. Luiza, Fabiano e Paulo estão em entrevistas gravadas e transcritas sobre as minhas aulas e a relação com meus alunos.

Quem quiser conhecer o professor que eu era em 1994, é só ler Uma coisa leva a outra.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Se o próximo semestre fosse hoje (2)

Ontem tratei dos três momentos da aula, mas existem também os três momentos do semestre.

Cada momento dura 4 ou 5 aulas.

No primeiro momento, eu começo a mostrar meu repertório didático. Muitos estudantes, futuros professores, educados com altas doses de aulas tradicionais, não têm imaginação didática. Não pensam que é possível ter aulas diferentes da exposição oral ou da discussão de textos. Então gosto de usar as primeiras aulas da disciplina para mostrar que existem muitas possibilidades de se dar aula.

No segundo momento, os estudantes já compraram a ideia. Está na hora deles colocarem a mão na massa e me ajudarem a realizar a disciplina. Até os estudantes que gostaram do primeiro momento expressam alguma resistência aqui: eles acham bom receberem aulas diferentes, mas muitas vezes não estão dispostos a participar do planejamento e da realização de aulas diferentes. Não tenho muitas expectativas nesse segundo momento. Se os estudantes perceberem a própria resistência a serem professores, e professores criativos, sinto que um passo importante já foi dado.

No terceiro momento, com a proximidade do final do semestre, retomo mais a condução das atividades. Até para os estudantes terem um alívio diante da sobrecarga de atividades das outras disciplinas. Aproveito esse último momento para experimentar atividades que poderei aproveitar num próximo semestre. É o momento em que me sinto mais livre.

Então são esses dois eixos triplos que uso para planejar meus semestres. É como um papel quadriculado sobre o qual desenho as experiências que quero viver com os estudantes.

quarta-feira, 17 de março de 2021

Se o próximo semestre fosse hoje (1)

Se eu tivesse que definir hoje o planejamento das turmas de Didática do próximo semestre, seria assim...

Não teríamos Didaticário nem Laboratório de Adaptação de Jogos para a Educação (LAJE). Também não teríamos grupo de WhatsApp nem Relatório Semanal. Talvez tivéssemos SOS Didática, desde que num dos dias de aula da turma de Pedagogia. As aulas seriam pelo Meet, não porque seja minha ferramenta favorita de videoconferência, mas porque é a que quase todo mundo usa e está acostumado.

Conseguem perceber um padrão?

Isso mesmo. Concentrar o planejamento em atividades síncronas para me dar um descanso da rotina constantemente conectada deste semestre.

Cada aula seria dividida em três partes. (Três é um número mágico para a Didática. Quem tiver curiosidade a respeito disso, leia a partir da página 49 deste pdf.)

Primeira parte: sentimentos e conhecimento mútuo. Atividades de expressão de sentimento e respostas a perguntas que revelam nossa personalidade, ideais, traumas, sonhos... De 20 a 30 minutos.

Segunda parte: construção de conhecimento relacionado ao conteúdo. Atividades interativas lúdicas relacionadas ao conteúdo mais específico da disciplina: História da Didática, Dimensões da Didática, Tendências pedagógicas e Elementos do planejamento. De 30 a 40 minutos.

Terceira parte: reflexão sobre a prática pedagógica. Diálogo sobre as duas primeiras partes da aula, refletindo sobre escolhas e possibilidades didáticas. 30 minutos.

A aula seria basicamente a mesma para as três turmas.

A turma de Pedagogia tem duas aulas por semana. Essa segunda aula poderia ser o SOS Didática ou então uma formação cultural associada direta ou indiretamente ao conteúdo: ver trechos de filme em que um personagem ensina algo a outro (cenas didáticas), ouvir músicas e indicar como usá-las em sala de aula (rádio didática), ler poemas que tratam de aprendizado e conhecimento...

A nota ainda viria de uma autoavaliação final. A presença seria registrada a partir da interação no bate-papo do Meet. Eu e os estudantes teríamos contato apenas no horário da aula. Durante a semana, eu dedicaria meu tempo a planejar cada aula.

Até parece um bom plano. Mas um surto criativo ou uma súbita inspiração pode mudar tudo.

terça-feira, 16 de março de 2021

Da sala dos professores ao recreio dos alunos (CMTP 24)

Uma vez por semana, eu tinha o recreio entre uma aula e outra. Tentei ficar na sala dos professores, mas não consegui.

Talvez por ser muito barulhento. Talvez por eu não ter aguentado o seguinte comentário depreciativo de uma professora de redação:

— O menino escreveu que o sertanejo levava uma vida sertaneja.

Todos riram do pleonasmo. Menos eu. Fiquei pensando que se Ary Barroso tivesse sido aluno dessa professora, não haveria ah, esse coqueiro que dá coco. Talvez nem houvesse Aquarela do Brasil.

Eu preferia ficar no recreio dos alunos, num pátio meio escondido que ficava por trás da sala dos professores. No início, eu ficava sozinho, em silêncio. Com o tempo, alguns alunos começaram a se aproximar.

Foi ali que tive minhas primeiras conversas com Ilitch e Lidiane, estudantes que se tornaram queridos amigos.

Hoje é mais tranquila a convivência com professores. Para mim não faz diferença se passo o tempo entre uma aula e outra com colegas ou com estudantes. Embora muitas vezes eu ainda prefira ficar sozinho, juntando energias para a próxima interação em massa com a turma.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A febre pós-aulas (CMTP 23)

Após duas aulas com 60 adolescentes em cada sala, eu chegava em casa com febre. Precisava tomar um banho e deitar na rede para me recuperar.

Não era nervosismo de principiante. A febre me acompanhou durante os dois anos que passei no colégio. E o impacto das aulas na minha saúde física foi um dos motivos que me levou a pedir demissão após o final do segundo ano de trabalho.

Ainda hoje, após as aulas, mesmo as remotas, sinto essa urgência de silêncio e sossego.

Há alguns anos, descobri que isso se devia ao meu caráter introvertido. Extrovertidos ganham energia durante o convívio social. Introvertidos perdem energia e precisam repô-la sozinhos.

Das vezes em que tentei me forçar a mudar, trabalhando mais horas em contato direto com outras pessoas, acabei desenvolvendo depressão. Hoje em dia, procuro respeitar essa minha condição física, mental e emocional, buscando o ponto de equilíbrio entre a interação e o isolamento.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Meus primeiros SOS Didática (CMTP 22)

De vez em quando, todo mundo precisa de um SOS Didática: o pronto-socorro do professor, como diz meu amigo Fábio Barros.

Meus primeiros SOS Didática foram com meu amigo-irmão Paulo Barguil, que eu havia conhecido no Grupo de Jovens do São Vicente. Ele fazia uma segunda graduação em Pedagogia enquanto eu dava minhas primeiras aulas como professor profissional.

Tínhamos longas conversas ao telefone. Eu contava como foram as aulas e a gente pensava o que poderia melhorar. Depois eu dizia o que estava pensando para a próxima aula e o Paulinho sugeria mudanças. Essa colaboração foi fundamental não apenas para o efetivo planejamento das aulas mas para eu me manter razoavelmente tranquilo.

Neste semestre, tenho feito o SOS Didática com o Valdinar, professor e primo querido e admirado. É uma forma de passar adiante aquilo que recebi do Paulinho. No dia 25 de janeiro, ele se juntou a nós para refletir a respeito de algumas situações recebidas de estudantes, estagiários e professores. A gravação da conversa está neste link.

Que pena que aquelas conversas de 1993 e 1994 não foram gravadas. Elas revelariam muito de como me tornei professor.

quinta-feira, 11 de março de 2021

As primeiras aulas de inferno e céu (CMTP 21)

Minha primeira aula como professor de História com carteira assinada foi na 6ª turma da 8ª série. Uma experiência de céu! Ou era sorte de principiante ou eu levava mesmo jeito para o ensino.

Quando tocou a sineta, encerrei a aula, caminhei até a sala vizinha e entrei na 8ª 7ª. Foi um inferno! O mesmo planejamento, o mesmo professor, aulas completamente diferentes.

Dois dias depois, volto para a segunda aula da semana na 8ª 6ª, esperando um pouco de céu antes de enfrentar a 8ª 7ª. Mas foi um inferno!

Se até a 8ª 6ª foi ruim, o que esperar da 8ª 7ª?

Bem... um céu! O mesmo planejamento, o mesmo professor, aulas completamente diferentes. E não havia como culpar esta ou aquela turma.

Aquelas primeiras lições de inferno e céu em sala de aula me acompanham ainda hoje. Eu planejo as aulas, me preparo para as aulas, mas sei que as aulas têm vida própria: um somatório interativo de muitas pessoas e fatores.

Com o tempo, fui aprendendo o jeitinho do céu. Mas de vez em quando o fogo do inferno vem queimar minhas ilusões de onipotência didática.

quarta-feira, 10 de março de 2021

De volta como professor ao colégio em que estudei (CMTP 20)

Último semestre da faculdade, bolsa de pesquisa se encerrando, hora de procurar emprego. Bati na porta do colégio em que estudei por 10 anos.

Ainda inseguro com a História, ofereci minha Matemática. Após uma miniaula, o coordenador me contratou como professor de História mesmo. Entretanto, não posso atribuir todo o mérito à minha didática e ao meu excelente histórico como aluno do colégio. O coordenador tinha alguma amizade com meu pai, que me queria engenheiro, mas agora facilitava meu início de carreira como professor.

E lá estava eu, na sala dos mestres, conversando com meu ex-professor de Matemática:

— Só os bons alunos voltam como professor. Seja bem-vindo!

Eu ficaria encarregado de duas turmas de 8ª série, 60 alunos cada, adolescentes de 14 anos. As aulas eram no início da tarde, duas vezes por semana.

Estão curiosos sobre o salário? No rodapé do meu primeiro contracheque tinha a abertura do Salmo 23:

O senhor é meu pastor, nada me faltará.

Nas minhas primeiras aulas, fui do céu ao inferno. E vice-versa. Conto no próximo didaticário da série Como Me Tornei Professor...

terça-feira, 9 de março de 2021

Como você prepara suas aulas? (CMTP 19)

 — Luiza, como você prepara suas aulas?

Em 1993, eu esperava uma resposta técnica para as minhas dúvidas de estagiário.

— Eu ME preparo para as aulas — disse Luiza.

Tome!

Várias vezes, durante o tempo em que sou professor, redescobri a verdade dessa preparação de si mesmo.

Este semestre, ao planejar a metodologia do LAJE (Laboratório de Adaptação de Jogos para a Educação), me senti muito ansioso ao detalhar o plano. E ouvi aquela voz amiga:

— Não precisa esmiuçar tanto. Organize minimamente e divirta-se com os alunos.

Respirei fundo. E escutei Jorge Drexler cantando Cuando de pronto oí unas alas batir / Como si un peso comenzara a ceder / Se va / Se va / Se fue.

E me senti preparado.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Eu, estagiário intolerante (CMTP 18)

Meu histórico escolar informa que fiz estágios em 1992 e 1993, mas a única coisa que lembro foi um carão que dei num colega de turma que era funcionário público e que, no meu severo julgamento, queria o diploma apenas para aumentar o salário. Como eu era intolerante! 

Desde 2014, quando comecei a dar aulas no turno da noite para uma maioria de estudantes trabalhadores, me lembro desse colega. É como se ele tivesse se tornado meu aluno.

E é até curioso como hoje não apenas tenho tolerância, mas sou até simpático a estudantes que fazem cursos de licenciatura mas não querem ser professores. A vida é tão mais complexa do que eu pensava quando tinha vinte e poucos anos!

Ser professor de Didática me ajudou nisso. Porque a Didática é um conhecimento útil para qualquer pessoa. Não importa o que você vai fazer na vida, em algum momento você precisará ensinar algo a alguém. E, seja funcionário público, artista, historiador, biólogo ou professor, você fará melhor o seu trabalho se souber que o ensino não é apenas técnico, mas também tem dimensão humana e político-social. E você será um profissional melhor se souber que as suas escolhas a respeito do que, para que e como ensinar se baseiam em um conjunto de valores que orienta sua prática profissional.

Comenius, o Pai da Didática, escreveu que ela era a "arte de ensinar tudo a todos". Eu descobri que Didática é o artifício de qualquer um ensinar qualquer coisa a qualquer pessoa.

sexta-feira, 5 de março de 2021

De 2020.2 para 2021.1

Exagerei no cardápio para 2020.2: SOS Didática, Laboratório de Adaptação de Jogos para a Educação (LAJE), Didaticário e Relatório Individual Semanal.

Tenho trabalhado tanto e tem sido um exercício tão satisfatório que preciso usar uma expressão de que não gosto: está valendo a pena, o estresse, as noites mal dormidas, as costas doloridas, a mente esgotada.

Mas não tenho como manter este ritmo. Depois desse rodízio de pizzas e massas didáticas, estou precisando de uma saladinha bem básica.

Nos primeiros exercícios de imaginação para 2021.1, visualizo apenas aulas síncronas pelo Meet. Nada de ambientes de videoconferência cheios de recursos. Nada de lives gravadas no Youtube. Nada de interações durante a semana. Não imagino nem grupo de WhatsApp.

Apenas 90 minutos semanais de aula. Com sentimentos, canções, interações, diálogos e jogos. Não é porque é salada que precisa ser insossa. Podemos caprichar nos molhos.

Vamos ver como essa imaginação se desenvolve. Ou se transforma...

quinta-feira, 4 de março de 2021

Depois de depois de depois... vem o antes

Nas últimas semanas de aula, estudantes se preocupam com trabalhos e provas finais. E eu me ocupo do planejamento do semestre seguinte.

Geralmente, é um período prazeroso em que colho os frutos do planejamento passado e me delicio com a imaginação do que poderá vir em seguida. Mas este final de semestre não tem sido assim.

Meu contrato de professor substituto termina em abril e a renovação não é certa. Talvez nem haja um 2021.1 para mim.

Também preciso dedicar um tanto de tempo a um concurso pra professor efetivo. O estudo para as provas e sua realização não me permitirá ter um descanso mental antes do próximo semestre.

E, pra completar, não sabemos que tipo de semestre será 2021.1. Começará à distância mas, se professores conseguirem se vacinar nos próximos meses, pode ser que o semestre seja concluído com aulas presenciais.

Tantas indefinições abalam a tranquilidade da imaginação e do planejamento. 

De todo modo, nos próximos dias, paralelamente à série Como Me Tornei Professor (CMTP), compartilharei aqui no Didaticário algumas ideias para 2021.1.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Lições de Luiza sobre avaliar (CMTP 17)

Dize-me como avalias e eu te direi que tipo de professori és.

Quando se fala em avaliação educacional, estudantes logo pensam em provas e notas. Não é culpa deles. Como pensariam de outra forma se é a isso que nós, professoris, geralmente reduzimos a avaliação?

Volto a lembrar da Luiza de Teodoro, que sempre foi uma inspiração pra mim também nesse aspecto.

Nas minhas aulas, no 1º grau e também na universidade, as avaliações sempre foram muito mais pausas para pensar sobre cada um, do que essa coisa simplesmente de dar nota. Por exemplo, no 1° grau, dava nota a tudo, já que tinha que dar a nota. Era uma maneira de desmoralizar e ao mesmo tempo moralizar a nota.

Desmoralizar e moralizar a nota. Lindeza típica da Luiza: pela ideia, pela formulação e, principalmente, pela prática efetiva.

Na universidade, Luiza pedia um único trabalho ao final do semestre. Não lembro dela fazer exigência: escreva o que quiser relacionado ao assunto. Na disciplina de História Moderna, escrevi um texto fictício sobre a morte do enciclopedista Diderot. Foi um dos poucos 10,0 do meu histórico. Is professoris dos semestres seguintes receberiam textos igualmente criativos, mas nem todos foram tão bem acolhidos.

Luiza dava valor ao que estudantes faziam. O que fazíamos valia. Bem que poderíamos pensar mais nisso quando falamos em avaliação.

*

Em minhas aulas presenciais, minha maneira de dar nota a tudo, era pedir tarefas para a aula seguinte, cada uma valendo de meio ponto a três pontos. Algumas tarefas tão simples quanto trazer impressa uma ficha de observação que usaríamos ao final da aula. E algumas tão complexas quanto escrever um memorial de suas experiências de aprendizagem.

Nas aulas remotas, minha maneira de escreva o que quiser relacionado ao assunto é solicitar uma autoavaliação ao final do semestre, em que os estudantes refletem a respeito dos aprendizados dos últimos meses.

Como será quando voltarmos às aulas presenciais ou híbridas?

terça-feira, 2 de março de 2021

Meu professor de Didática (CMTP 16)

Meu professor de Didática, o Loiola, teve o mérito de não nos atrapalhar.

Não lembro de quase nada daquela disciplina, mas o pouco que lembro é mais que suficiente.

Meu caro amigo Fabiano deu sua miniaula usando como recurso didático As doze cores do vermelho, de Helena Parente Cunha. Um lindo livro em que passado, presente e futuro correm paralelamente e se encontram no infinito de cada página. Não guardei na memória a sequência didática, nem lembro se auxiliei o Fabiano a planejar e realizar a atividade. Recordo-me apenas de uma linda colega de turma, do curso de Psicologia, lendo um trecho do livro.

Uma linda mulher lendo um lindo trecho de um lindo livro. 

Que lembrança melhor eu poderia ter da disciplina de Didática? 

*

No meu histórico, consta um 9,0 em Didática no semestre 1992.1. Não me perguntem como. Não lembro do conteúdo.

Isso me alivia quando penso nos meus estudantes de hoje. Eles não vão lembrar de nada ou quase nada do que estudamos. História da Didática? Não. Dimensões da Didática? Talvez. Tendências pedagógicas, quem sabe? Os elementos do planejamento, quiçá. 

Haverá alguma coisa linda, linda, linda que se agarrará na memória de meus estudantes?

Preciso incluir uma pergunta na autoavaliação final do semestre:

— Daqui a 19 anos, qual a imagem que você lembrará desta disciplina de Didática?

segunda-feira, 1 de março de 2021

O único mérito de uma professora (CMTP 15)

 — Professora, estou encantado! O que foi que a senhora fez pra conseguir que seus alunos realizassem isso?

A pergunta era de um estudante de Ciências Sociais, na apresentação de um trabalho ao final da disciplina A Arte na História. A aula acontecia a céu aberto, no pátio interno, e o trabalho apresentado era uma exposição de poemas e desenhos dOs internos do pátiO. Em uma parede de dois andares, o desenho de uma grande tenda. No topo, o nome da exposição: Circus.

Luiza respondeu rapidamente, mas aqueles dois segundos duraram bem mais em minha imaginação porque me enchi de expectativa diante da possível resposta. Luiza revelaria algum método infalível para dar boas aulas e encantar is alunis? Eu era todo atenção.

Ela, uma grande oradora, capaz de falar por horas com desenvoltura, respondeu com seis palavras simples:

— Meu único mérito foi não atrapalhar.

E ainda hoje, vinte e oito anos depois, preciso me controlar para não atrapalhar mis alunis.