domingo, 31 de março de 2024

ESSA CORRIDA CONTRA O TEMPO (Emanuely Gomes Lima)

Em mais um dia de disputa entre chuva e calor, o clima friozinho prevalecia e com ele uma atmosfera mais calma se fazia presente em nossa turma do 4° ano, foi uma tarde desafiadora entre lutar contra a garganta inflamada que batia às portas de meu organismo e o manter-me atenta as crianças à minha volta mas confesso que os chamados de "tias" seguidos de perguntas curiosas sobre mim a piadas sobre seus colegas ou até mesmo um menino me oferecendo o chocolate que ele havia ganho me deram forças.
Nos primeiros instantes daquele dia podia ver os olhinhos atentos dançando entre as idas e vindas de seus cadernos à lousa, onde a professora escrevia uma revisão para a esperada prova bimestral e, não nego que viajei momentaneamente aos meus tempos de fundamental e aquela ansiedade pré-prova que me fazia ficar um pouco nervosa me fez olhar para as crianças de agora com um olhar mais empático. 
Talvez eu tenha sido tomada pela empatia, mas os insistentes chamados da professora em busca de apressá-los me incomodou, pois, ao meu ver as crianças em sua grande maioria estavam fazendo a atividade de maneira concentrada, obviamente, acontecia pequenas conversas, mas são crianças, e adivinhe só: elas falam. Em determinado momento o P, que após ouvir diversas vezes para turma se apressar na resolução da atividade solta um "calma tia, ninguém tem motor na mão não tia" e volta a escrever... Esse recorte me refletir e pensar no "e se fosse eu no lugar da professora, como eu agiria?" como eu disse anteriormente, em meu julgamento a turma estava concentrada na atividade... Nesse momento de reflexão retornei as discussões na FACED acerca da constante corrida contra o tempo que desde a educação infantil já podemos presenciar, a pressão em comer até tal horário, a pressão em fazer x páginas por dia para chegar logo no capítulo x, enfim; sei que as demandas oficiais muitas vezes nos pedem/pedirão isso, mas acredito que devemos ter cuidado em nossas práticas pedagógicas para nessa suposta corrida contra o tempo, não esquecermos de enxergar as nossas crianças e, por fim, deixá-las para trás. Assim, como eu naquela tarde lutava internamente contra o mal estar e não estava em meus melhores dias, as crianças também nem sempre estarão bem e, para isso, recordo Loris Malaguzzi quando diz que a criança possui 100 linguagens, cem modos de pensar, de falar, de agir... Ela é diversa e, portanto, não devemos esperar que todos os dias do ano letivo ela siga a risca aquilo que a corrida contra o tempo irá demandar.

ENTRE REVISÕES E REFLEXÕES (Victoria Rodrigues Franco)

Mais um dia de estágio e mais um relato, nesta semana as crianças estão fazendo revisão para as provas, a professora Lilica estava doente, por isso a professora Aurora assumiu os 4 tempos do dia. Nos dois primeiros tempos, eles tiveram revisão de geografia, as questões estavam na lousa, e a professora pediu que todos escrevessem no caderno e tentassem responder sozinhos, quem terminava, apresentava o caderno para a professora para correção, poucos alunos responderam, e alguns que ela pediu que corrigissem as respostas, não o fizeram. Algumas crianças não escreveram as questões no caderno, alguns por dificuldade na leitura e na escrita, outros por preferirem desenhar e "enfeitar" a folha do caderno com suas canetinhas novas, outros saiam das suas cadeiras e iam brincar com os colegas, e ouvi o seguinte pedido: "tia, escreve pra mim, é muita coisa.", a autora do pedido tinha escrito 2 das 5 questões. Próximo ao horário do lanche das crianças, a professora fez a correção com todos e escreveu as respostas na lousa para que, quem respondeu pudesse corrigir, e quem não respondeu tivesse material para estudar em casa.

No intervalo tentaram me separar da minha duplinha dinâmica (segue o relato do afronte kkkk), estava com a Karol no pátio, no nosso lugar de toda semana, estávamos conversando e de repente a Miss Simpatia aparece, coloca seu lanche entre nós, se senta entre nós e começa a conversar com a Karol (#excluída) "Você tem o cabelo do Tio Pedro", disse a Miss assim que chegou e assim seguiu entre nós, começou a lanchar com a gente, e depois me incluiu na conversa (depois de me usar como apoio para se escorar), conversamos um pouco e depois ela decidiu ir para o refeitório, ajudamos a colocar o que ainda tinha do lanche na lancheira dela e voltamos a ser só nós duas (por pouco tempo). Depois o Marcos (outro colega do estágio) apareceu, e magicamente a Miss Simpatia surgiu perguntando: "Quem é aquele homem?"  e a Karol disse: "Vai lá perguntar e conhecer ele" e ela foi, depois das apresentações feitas, ela se sentou e ficou conosco até o momento de as turmas retornarem para as salas, em suma, a dupla dinâmica se tornou um trio e depois um quarteto (é cada coisa que a gente vive né!?)

Voltamos para as duas últimas aulas do dia, as crianças teriam revisão de ciências, e foi feito o mesmo esquema das aulas anteriores, as questões foram escritas na lousa e os alunos deveriam copiar no caderno e tentar responder, porém, as crianças estavam agitadas após o intervalo (energia de uma sexta-feira) e além disso, estávamos acompanhadas da Poliana, residente do CAPES que faz estágio na escola, e ela precisava fazer um teste com algumas crianças, ou seja, além das dificuldades da própria sala, nesse dia contavam com mais uma distração. Assim como nas duas primeiras aulas, alguns não copiaram as questões, alguns copiaram, mas não responderam, alguns responderam certo e alguns nem tanto, àquela altura, a maioria (assim como nós e a professora) só estavam querendo ir para a casa.

A Flor (vocês devem se lembrar dela, do relato anterior), além da dificuldade para ler e escrever, ao que parece (peguei algumas coisas "no ar"), possui problemas de visão, o que impossibilita que escreva o que está na lousa e durante o dia, fui ditando o que estava escrito para que ela pudesse estudar em casa, quando tinha que auxiliar outros alunos ou me ausentar da sala, ela ficava em pé bem próxima da lousa, para conseguir enxergar o que estava escrito, a partir daquela cena, perguntei à professora Aurora se a escola faz alguma coisa para auxiliar os alunos que estavam "atrasados", ela me informou que os alunos possuem reforço escolar no contraturno das aulas, porém, esse ano o reforço ainda não tinha iniciado e que geralmente, as crianças que mais precisavam de ajuda, não participavam do reforço. Assim que as crianças foram liberadas para saírem de sala, eu e a Karol nos despedimos e nos encontramos com outro colega de estágio para irmos embora, e naquele momento começamos a conversar um pouco sobre os nossos dias e ali o peso do dia ficou um pouco mais leve.

Nesse dia, tive certeza absoluta que não me encontro no ensino fundamental, quando entrei na graduação, minhas experiências de trabalho eram voltadas para administração, por isso, o meu objetivo inicial era atuar com gestão escolar e afins, mas no decorrer da graduação fui me redescobrindo enquanto profissional, prova disso, é que me apaixonei pela educação infantil, o estágio foi marcante e muito especial (prova disso, é que atualmente sou monitora do estágio em educação infantil e sempre que vou acompanhar os estagiários no CEI, tenho vontade de ficar nas salas, ignorando os estagiários e minhas funções e só brincando com aqueles pimpolhos Aff <3), vim para o estágio sem ressalvas, de coração e mente abertos, mas ao acompanhar um dia normal, percebi que não me vejo atuando nesse nível de ensino, o que não significa que não irei me dedicar para concluir o estágio e me esforçar para as regências, mas reconheço que não desejo atuar nesse nível futuramente e sou muito grata ao professor Eduardo, à minha dupla Karol e aos demais colegas de estágio que compartilham seus receios, dúvidas, experiências, aprendizados e conquistas nessa jornada, vocês fazem muita diferença nesse desafio que é o estágio. 

sábado, 30 de março de 2024

PÉS DESCALÇOS, NARRATIVAS INFANTIS, NÚMEROS EM TODA PARTE E FLORES DE ESPERANÇA, OU "A MAGIA DE ESPERANÇAR" (Rian Rodrigues)

Algo que eu tenho percebido é que, pelo menos para mim, o tempo destinado à escrita desses relatos e o espaço coletivo de compartilhamento e reflexão têm representado ferramentas muito úteis para me ajudar a parar e a processar várias dessas coisas que tenho vivenciado semanalmente, e não simplesmente deixar que elas passem por mim sem me atravessarem. 


Nesse movimento constante que tenho feito de pensar sobre meu lugar enquanto professor e enquanto estudante, eu tenho tentado olhar simultaneamente para a professora Regina, para as crianças dessa turma de 1º ano e para mim, tentando perceber algumas complexidades que se ocultam diante de um primeiro olhar desinteressado e pensando no "E agora? O que fazer com tudo isso?". 


Nesse terceiro dia na escola, eu senti que novos horizontes começaram a se abrir, tanto em relação à professora Regina quanto a mim. Eu pude experimentar o deleite de ouvir as diversas narrativas de várias crianças animadas em expressar seu afeto e me contar sobre suas vidas, seus interesses e seus planos para o feriado. Eu também pude me alegrar por ver novas práticas pedagógicas da professora Regina, para além do que eu havia relatado no último escrito sobre a predominância do livro didático. Além disso, eu pude ter um vislumbre de que o Ensino Fundamental pode ser diferente do que o que eu tenho visto nos estágios até aqui e de que a aprendizagem pode ser encantadora, divertida e significativa (ao contrário de todas as expectativas dos nossos sistemas de ensino). E, por fim, eu pude ter um certo ânimo de que eu posso ser um professor diferente e promover uma educação diferente – mesmo com as diversas dificuldades e limitações impostas pela realidade concreta.


O meu dia começou com muitas emoções. Logo ao sair de casa de manhã, para o meu primeiro estágio, uma chuva me pegou de jeito e afogou meus tênis. Cada vez que eu andava, eu sentia uma piscina nos meus pés e ouvia o "clec" da água em contato com minhas meias. Assim, o medo da frieira e da leptospirose me fez ficar descalço no estágio durante boa parte da manhã. Mas ainda teria a tarde toda pela frente!


À tarde, fui para a escola e cheguei com 30 minutos de antecedência. Fiquei parado (meio deslocado) por um tempo em frente ao portão, esperando o horário de abertura. Enquanto isso, pude ver algumas crianças que iam chegando com suas famílias e ouvir alguns de seus diálogos. 


Quando finalmente entrei na escola, fui questionado por algumas pessoas sobre quem eu era, já que elas não conheciam aquele estranho entrando na escola. Eu sentei em uma cadeira na entrada e fiquei esperando o horário de início das aulas. Enquanto isso, pude observar as crianças entrando, alguns diálogos entre as crianças e suas famílias, bem como o diálogo de alguns funcionários da escola com algumas famílias. 


Alguns colegas da turma de estágio começaram a chegar e nós conversamos um pouco sobre a vida, o estágio, a greve, os tênis molhados e as angústias. Depois, fomos para o pátio, enquanto as crianças se organizavam para orar o Pai Nosso e entrar nas salas.


Assim que eu fui para o pátio, Rosa, uma das crianças da turma que estou acompanhando, me viu, veio até mim e me abraçou. Depois eu fui acompanhando as crianças até a sala, com uma funcionária da escola, porque a professora Regina ainda não havia chegado. 


Quando Regina chegou, as crianças cumprimentaram-na com alegria, e algumas correram para abraçá-la (inclusive uma das meninas que a professora costuma pegar no pé). Isso me fez refletir um pouco sobre essa certa ambiguidade e complexidade no relacionamento entre a professora e os alunos (entre afetividade e rigidez), embora eu ainda não saiba muito bem o que pensar sobre isso.


Nesse momento em que a professora entrou na sala, eu estava tentando formular em minha mente como eu ia pedir-lhe para eu ficar descalço durante a tarde, e, quando eu estava finalmente criando coragem e tomando fôlego para falar, ela disse para uma criança: "Ei, pegue sua chinela. Você anda assim em casa?". Minha coragem murchou um pouco, mas, entre a vergonha e a umidade quente nos meus pés, com o risco de frieira e leptospirose, eu venci o receio e decidi perguntar. Ela se mostrou bastante compreensiva e eu pude sentir novamente o alívio nos meus pés. 


Assim que tirei os tênis, porém, Gustavo (a criança que havia sido repreendida por estar descalça) me perguntou por que eu estava descalço. Eu expliquei para ele sobre a minha desventura com a chuva e o sapato molhado, mas ele não pareceu muito convencido do meu privilégio de ficar descalço, enquanto ele não podia. 


Nesses momentos iniciais da aula, assim como em outros momentos livres, uma série de crianças saiu do seu lugar e veio até onde eu estava sentado para me contar alguma coisa ou só para interagir de alguma forma, como, por exemplo, através de um abraço. Comecemos por essas narrativas infantis!


No início da aula, eu ganhei outro desenho de Rosa, uma árvore com vários corações ao redor. Na semana passada, ela havia me dado um desenho e eu pedi para ela colocar o seu nome, para que eu lembrasse que era dela. Dessa vez, quando ela percebeu que não tinha colocado o nome, ela retornou para a sua cadeira, escreveu seu nome no desenho e depois voltou para me entregar. Várias vezes ao longo da tarde, ela se levantou da cadeira e veio até o meu lugar, para interagir de alguma forma, tocando no meu nariz, fazendo cócegas e rindo. A professora Regina, ao ver isso, falou que considerava um grande avanço, porque Rosa entrou esse ano na escola, transferida de um colégio particular, e, no início do ano, estava com dificuldades de adaptação. 


Gustavo me falou dos carros e motos que ele possui e do seu prédio com três garagens. Depois, ele me contou que estava com dor de ouvido porque acelerou demais na Ferrari dele. "E você sabe que a Ferrari faz muito barulho, né?". Óbvio, claro que eu sei! Vejo uma todo dia. Então, eu perguntei se ele já dirigia e ele respondeu: "Eu dirijo. Carro. Moto. Tudo. Até bicicleta." Até bicicleta! Quem diria? "Tenho 50 carros, 50 motos e 50 bicicletas", continuou. 


Iris me contou que ela vai viajar com o pai para a Paraíba e que ela gosta muito de lá porque tem um lugar com piscina. Murilo me disse que ia para a praia no feriado. Victor conversou comigo e queria que eu sentasse perto dele. Kaio pegou umas flores no pátio e eu tentei interagir com ele, perguntando sobre a flor, se tinha cheiro, onde ele havia encontrado etc. (Esqueci de perguntar a ele se aquelas seriam as flores de esperança que eu encontrei naquele dia).


Eu também pude perceber que Marcelo, apesar de ser considerado um dos "piores" pela professora, tem se mostrado uma criança muito solícita, que deseja prestar ajuda. Na aula passada, ele pediu para apagar a lousa. Nessa última aula, ele me ajudou a guardar as fichas do nome das crianças no armário da professora. A professora também foi bastante acolhedora e afetiva com ele nesse dia, porque ele estava doente, sentindo frio e dor de ouvido.


Mas, nessas interações e observações, eu também percebi algumas coisas não tão legais, como Thalita, que estava conversando com outra menina coisas relacionadas a "ficar" e "beijar na boca" e fazendo umas danças (provavelmente do Tik Tok) meio estranhas para uma criança, com alguns movimentos um tanto quanto sexualizados. Acredito que isso evidencia, pelo menos em parte, o alcance e impacto que a mídia e as tecnologias têm tido sobre as crianças cada vez mais cedo, bem como o papel da família e a influência social nesse processo de formação dos indivíduos. 


Quando estava próximo do recreio, Gustavo me perguntou se eu iria brincar de pega-pega com eles novamente. Eu respondi que naquele dia eu ia ficar um pouco com meu professor e minhas colegas de turma. "Aaaa", respondeu ele, chateado. "Não gosto disso. Então eu vou ficar sem recreio". (Spoiler: eu não brinquei de pega-pega e ele também não ficou sem recreio. Era só um drama básico.) Rosa também me chamou para passear no pátio, mas eu respondi que ia ficar um pouco com as pessoas da minha turma, conversando e lanchando. (A pobrezinha ficou acampando por um tempo, lá no banco, me esperando).


Sobre a aula em si, embora o horário esteja sofrendo um processo de alteração, a professora decidiu ministrar matemática novamente nessa quarta-feira, porque a mudança ainda vai precisar de uma organização e adaptação. 


Nesse dia, a aula foi sobre a presença dos números em toda parte, no cotidiano. "Por onde a gente anda, a gente encontra números", introduziu a professora e começou a mostrar exemplos de números encontrados no dia a dia: na identificação da porta da sala, no calendário, no relógio, na lousa… As crianças começaram a participar, mostrando também onde elas viam os números. Regina continuou explicando sobre a utilidade dos números. Para que servem? Para registrar a quantidade de alunos que vieram e que faltaram, para identificar o dia, o mês e o ano em que estamos, para indicar as horas, para ordenar um conjunto de elementos… Enfim, que camaradas, esses números! 


Na explicação, Regina procurou formas interativas de engajar as crianças e tornar aquela aprendizagem mais divertida. Ela chamou três meninas para a frente da sala e comparou-as segundo a altura e explicou como seria ordená-las da menor para a maior, assim como da maior para a menor, sendo que haveria uma 1ª, uma 2ª e uma 3ª nessa ordem de altura. A partir disso, ela chegou à ideia de que os números também servem para designar a ordem das coisas, sendo esses os chamados números ordinais.


Agora não pense que eu fiquei de fora, só na tal da "observação". A professora me chamou para uma participação especial ("Vem o tio Rian, de pés descalços mesmo"). Ela me chamou para a frente da sala e explicou que eu estava descalço porque meus tênis molharam e que, se eu ficasse usando-os, poderia dar frieira no meu pé. (Essa tal de frieira virou uma breve atração entre as crianças: "Tia, o que é frieira?" "Tia, sabia que a minha mãe já teve frieira?"). 


Então ela explicou que eu e ela faríamos entre nós uma competição de morto-vivo, a fim de ilustrar a ideia de ordem, de quem fica em 1º e 2º lugar. "Quem ganhar vai para o pódio", disse ela. (Spoiler: eu fui para o pódio 😛🎉). 


As crianças riram e se divertiram bastante com a nossa humilhação. "Tia, você é engraçadada", disse uma das crianças. "Eu sou engraçada? Eu sou demais, eu sou estrela, presta atenção na sua vida", respondeu a professora, com seu jeito de sempre e um tom bem-humorado.


Depois do momento de explicações, a professora conduziu a leitura e a resolução de atividades no livro didático sobre aquele conteúdo. Eu a ajudei a verificar se as crianças estavam conseguindo fazer a resolução. 


Nesse dia, eu fiquei muito feliz com essa abordagem da professora. Tentando "ler" os seus sentimentos, nesse dia ela parecia bem mais leve e descontraída do que nos outros dias, além de mais acolhedora com alguns estudantes (apesar de algumas falas). E, pela primeira vez nesta sala, desde que entrei, eu consegui ver uma perspectiva um pouco mais contextualizada dos números, de que não são simples símbolos abstratos para serem copiados em um livro didático, mas elementos que nos cercam no cotidiano e que exercem funções sociais importantes. Além disso, a viagem para além do livro didático, para mim, representou um alto voo, que engajou as crianças a participar e aprender de uma forma divertida para elas. Isso me deu uma pontada de esperança e um vislumbre mais concreto de que mesmo estratégias simples podem tornar a aprendizagem uma atividade mais lúdica para as crianças.  


Antes de ir para o intervalo, a professora levou as crianças para fora da sala e fez a leitura de uma história, dentro do estudo sobre Formação Humana, com a temática "Justiça". Não era exatamente uma história com uma narrativa literária, mas o relato de algumas situações que poderiam acontecer no cotidiano das crianças (como divisão de brinquedos, pegar uma fila etc.), com o objetivo de ensinar o que seria agir de forma justa nesses contextos. 


Como não deu tempo de concluir a leitura, ela continuou depois do intervalo. Nessa segunda parte, ela chamou determinadas crianças (e eu) para fazer algumas interpretações de situações do texto que ela estava lendo, como, por exemplo, uma fila de sorvete. (A professora furou a fila e passou na minha frente 😡). Antes de dar início à leitura, porém, ela esperou até que o intervalo das outras turmas terminasse, porque o barulho no pátio estava muito intenso. 


Após a leitura do material de Formação Humana, a professora prosseguiu para a aula de Arte e disse para as crianças abrirem o livro didático e que seria "só desenho". No livro, havia um poema que ela leu para as crianças, algumas perguntas sobre o texto e um espaço em branco para as crianças desenharem. 


Essa foi a terceira semana de aula de Arte, mas eu ainda não vi um trabalho mais substancial com a arte em si, apenas uma resolução de tarefas do livro didático. Depois do nosso último encontro na faculdade, eu me dei conta de que a negligência da arte, que Karol destacou no seu último relato, era algo que também estava acontecendo na nossa turma, mas que, apesar de eu ter percebido, eu ainda não havia refletido mais profundamente sobre essa problemática, porque outras coisas estavam me atravessando de forma mais vívida naquele momento. 


Porém, nos nossos dois primeiros dias de observação, por exemplo, em que a disciplina de Arte estava prevista no cronograma, não houve um foco nesse trabalho como foi dado à disciplina de Matemática. No primeiro dia, "não deu tempo". No segundo, eu só vi as crianças abrindo o livro didático para resolver alguma atividade, mas todo mundo já estava na expectativa do aniversário, então foi algo bem rápido. Eu acho que Karol já teceu importantes reflexões sobre "como fica a arte?" nesse nosso contexto educacional atual, em que há um foco demasiado nas disciplinas curriculares consideradas "úteis" e "essenciais", como Língua Portuguesa e Matemática, em detrimento de outros conteúdos, como a Arte, que, na verdade, são igualmente importantes para o desenvolvimento integral das crianças. Então, se quiser pensar mais sobre isso, vai lá ler de novo o relato dela. 😀


Mas vamos um passo de cada vez. É assim que a gente anda.


No final da aula, a professora distribuiu chocolates para as crianças, como uma lembrancinha de Páscoa. As crianças ganharam três, enquanto eu ganhei um. (Não achei que a divisão foi feita com justiça 😣).


Na saída, quando eu já estava fora da escola conversando com Karol e Victoria, uma criança da minha turma me abordou, toda "espilicute": "Nem fala, né? Nem fala, né?". Eu dei um tchau para ela e eu e as meninas começamos a rir com o jeito da pequena.


Chegando ao fim desse relato (e eu já parei de pedir desculpa por ele ser longo, porque vocês já não aguentam meu falso arrependimento, já que eu sempre volto a escrever outro longo relato em seguida), eu tenho pensado sobre o fato de que às vezes é preciso ter os "pés descalços" para pisar e sentir a realidade concreta da sala de aula, com todas as suas dificuldades e limitações, como temos feito aqui no estágio, para nos protegermos do perigo de ficar só nas idealizações abstratas e teóricas, sem ver e ouvir as dificuldades impostas pelo cotidiano escolar. É preciso parar, prestar atenção e ouvir as narrativas infantis e também as narrativas docentes (tanto as dos professores que estamos acompanhando, como as nossas, enquanto professores em formação). 


Como destaca Ilma Veiga (2008, p. 16), na nossa formação docente, não podemos cair na dicotomia entre teoria e prática, visto que, por um lado, toda prática profissional exige "fundamentação teórica explícita" (uma vez que toda prática pedagógica parte de um conjunto de pressupostos teóricos e concepções, ainda que implícitos, sobre quem é o aluno, o que é a educação, como se dá a aprendizagem etc.), e, por outro, a teoria "é formulada e trabalhada com base no conhecimento da realidade concreta".


Porém, o olhar para essas realidades concretas não deve nos paralisar diante das dificuldades. Apesar de todas angústias e temores que tenho apresentado nos meus últimos escritos, eu tenho começado gradativamente a enxergar janelinhas de esperança de que, mesmo com as dificuldades, é possível fazer algo diferente, como eu vi no exemplo da professora Regina. 


Eu participo de um grupo de estudos na faculdade com professoras alfabetizadoras da rede municipal de Fortaleza e vejo que elas colocam em prática as concepções teóricas que elas sustentam, promovendo muitas situações lúdicas e significativas de aprendizagem para as crianças. E ver esses exemplos vivos e materializados me faz ter essa pontada de ânimo de que, mesmo diante das limitações impostas pela realidade concreta, que nos fazem "engolir" alguns sapos, também é possível "cuspir" de volta algumas coisas e, para lembrar da ilustração do professor Eduardo, fazer brotar flores de esperança em meio às rachaduras do concreto rígido e inflexível do nosso sistema educacional.


Atualmente, também estou fazendo uma outra disciplina, voltada à Docência no Ensino Fundamental, e eu tenho refletido muito nesses últimos dias sobre a minha própria experiência do Fundamental, até como uma maneira de pensar na minha formação enquanto profissional. E algumas coisas que tenho lembrado, apesar de simples, para mim são bem marcantes. 


Lembro de momentos de leitura literária por deleite que uma professora promovia e, a cada dia da aula dela, ela ia lendo um pouco da história, gerando a expectativa e a curiosidade do que viria a seguir, nas próximas aulas. Lembro de ir para a biblioteca e levar para casa uma série de livros sobre dinossauros, os quais eu copiava e fazia meus próprios livros, porque eu achava muito interessante estudar sobre eles. Lembro de um trabalho que fizemos sobre o continente africano, em que tivemos que abordar alguns aspectos da cultura, como culinária e vestimentas (lembro de estar sem camisa, só com uma calça branca, em frente à escola toda). Lembro do dia em que a professora de Matemática comprou pizza para estudarmos sobre frações. Lembro que, em uma disciplina de Língua Portuguesa, fazíamos paródias em cima de livros que lemos, apresentando formas criativas de sistematizar nossa compreensão de leitura. Lembro de uma festa junina em que, ao invés de dançar quadrilha, cada turma ficou responsável por alguma dança regional, e nossa turma ficou com a dança do côco. Lembro que a escola nos chamou para participar de um movimento de defesa de um riacho local, e nós fizemos trabalhos sobre o meio ambiente, especificamente sobre esse rio. Lembro das músicas que tocavam quando o intervalo acabava e da fila que fazíamos para retornar às salas. Lembro que tivemos discussões relacionadas à inclusão e ao respeito. Lembro de workshops que a escola organizava, com várias salas temáticas em que podíamos ter uma imersão em diferentes assuntos, como música, comida, literatura etc. 


Eu lembro de achar chatos alguns conteúdos, na época principalmente História e Geografia. Mas eu também lembro de me encantar com o conhecimento e com a aprendizagem de diversos outros conteúdos escolares, pela forma como eles chegaram a mim, embalados de maneiras significativas, lúdicas e criativas. 


E, até hoje, embora muitas coisas tenham se perdido na minha memória, eu ainda lembro do meu Ensino Fundamental e daquela escola como uma experiência mágica. É isso o que eu quero para os meus alunos: o maravilhamento, o desejo e a necessidade de aprender. Eu quero que eles enxerguem os "números em toda parte", não como códigos abstratos e descontextualizados, mas como instrumentos vivos que as auxiliam nas práticas sociais. Eu quero a "magia de esperançar".  


Como eu também não quero perder a postura de curiosidade e o hábito de fazer perguntas, eu deixo alguns questionamentos para mim e para vocês: como podemos ver e ouvir melhor as narrativas infantis e as narrativas docentes? Como podemos tornar a aprendizagem encantadora e divertida para as crianças, um exercício de maravilhamento que as desperte para a necessidade e o desejo de aprender? Como encontrar as "brechas" no concreto e fazer flores de esperança surgir? Como cultivar a "magia de esperançar" quando tantas coisas tentam roubar essa esperança?



VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Docência como atividade profissional. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro; D'ÁVILA, Cristina (Orgs.). Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campinas, SP: Papirus, 2008. 


domingo, 24 de março de 2024

O MEDO DE GENTE E A MINHA SALVAÇÃO (Eduardo)

Bom, agora que vocês já sabem que tenho medo de gente (não espalhem essa confissão por aí), talvez seja bom saberem também como lido com esse sentimento...

De maneira meio intuitiva, fui desenvolvendo uma estratégia para me sentir mais à vontade com as pessoas. Olhando retrospectivamente, percebo que a estratégia envolve três coisas: jogo, arte e trabalho. Mas não é qualquer jogo, arte ou trabalho. Precisa envolver algum tipo de cooperação e criatividade. Jogar War não é uma boa forma de eu me sentir à vontade com pessoas, nem concursos de arte, nem afazeres burocráticos.

Isso explica por que tenho me sentido à vontade com vocês, e por que a aula de sexta tem sido melhor que a aula de quarta. Embora na escola eu de vez em quando consiga "jogar", é no sentido mais leve de me envolver em pequenas brincadeiras de conversas com algumas pessoas da escola. Assim como de vez em quando faço alguma arte, como cantar para as crianças. Ou ainda quando auxilio uma ou outra professora em seus afazeres (por exemplo, cortando material que será usado na aula. Mas tudo isso não tem regularidade, é meio ao acaso.

Já na sexta-feira, temos dois momentos que são uma boa combinação de jogo-arte-trabalho. Quando cantamos juntos, estamos obviamente fazendo arte, mas também estamos jogando, ao fazer pequenas brincadeiras com o canto (como cantar alternadamente ontem). E o canto é também um trabalho cooperativo, que organiza as emoções negativas que levamos para a sala de aula. Então ali, cantando, não sinto medo de gente, sinto amor por vocês.

O segundo momento, de leitura e conversa sobre os relatos, é mais obviamente de trabalho, pois estamos refletindo sobre a prática pedagógica na escola. Mas é também momento de arte, porque vocês escrevem bem e, em alguns momentos, conseguem manifestar uma qualidade literária, metafórica, poética em seus textos. E é ainda jogo porque pegamos certos trechos de relatos e usamos como uma espécie de brinquedo: a Karol ser a "casca da bala" da Victoria ou eu ser o "pai" do Rian.

Então a escola funciona também como um campo de estágio pra mim. Lugar em que aprendo a ficar mais à vontade com as pessoas, tentando aplicar a estratégia que já funciona, mas pesquisando também outras ações que podem complementar essa estratégia. Uma coisa que experimentei essa semana foi ficar  mais tempo na sala dos professores e me abrir um pouco mais com as pessoas que estão lá. Elas ainda não sabem que tenho medo de gente, mas já puderam conhecer um pouco mais de mim.

Quando será que poderei dizer que não apenas vocês e nossas sextas-feiras, mas também as quartas-feiras na escola, são "minha salvação"?

sexta-feira, 22 de março de 2024

O QUE SE TEM A DIZER (Isys Saron Mello Rodrigues)

Nosso segundo dia de estágio aconteceu no dia 20 de março de 2024, uma quarta-feira ensolarada e quente. Cheguei na escola um pouco atrasada, me sentindo cansada e frustrada por tentar chegar a tempo, mas sem sucesso. Respirei 10 segundos e entrei na sala do segundo ano, onde as crianças estavam aparentemente atentas à explicação da professora M. Cumprimentei-a de longe e me sentei próximo ao aluno Nico que, de acordo com a professora, gosta muito de conversar e, por isso, seria ideal que eu ficasse ao seu lado naquela tarde. Novamente, não me senti confortável com a tarefa de ter que intervir caso o aluno conversasse, até porque era literalmente a segunda vez que as crianças me viam. Enfim, sentei e parei para observar o que eles estavam fazendo. Eram duas questões do livro que pedia para que as crianças tirassem uma letra de uma palavra para formar outra. Nico, que estava do meu lado, resolveu as questões rapidamente. Ele escreve e lê muito bem. Em alguns momentos, a professora faz perguntas sobre as questões para que as crianças respondam e Nico sempre sabe a resposta, mas não é ouvido. "Não perguntei para você, perguntei pro Dan". E, assim, ele se cala, olha pro livro, tira uma folha de caderno em branco e começa a desenhar. Quando cansa, olha pro amigo do lado e decide jogar conversa fora.
Mais tarde, depois do intervalo, a professora propôs uma brincadeira de pega-pega diferente para trabalhar as sílabas com ch, lh e nh. Pediu para que as crianças sentassem no chão, em formato de círculo enquanto ela explicava a brincadeira. Enquanto isso, eu e Helena ficamos sentadas colocando fitas nos papéis que seriam usados na brincadeira. Sol levantou do círculo e sentou ao nosso lado com uma expressão que escancarava que estava chateada. Perguntei o porquê. "Eu não gosto de brincadeiras com letra, eu não sei ler! Eu achava que era com bola, brincar de futebol!" Tentamos convencê-la a participar, mas sem sucesso. Ela entrou na sala, pegou uma folha e começou a desenhar, ao invés lado de Nico, que ficou fora da brincadeira por não se comportar em sala. 
Em determinado momento, a professora pediu que as três crianças que não estavam na brincadeira (Nico, Estefany e Tina) ficassem dentro da sala de aula comigo, enquanto os outros participavam do pega-pega no pátio. Tina, sentada na sua cadeira segurando um livro de histórias, começou a chorar. Estava chateada porque queria ficar lá fora. Tentei acalma-lá e começamos a conversar, eu, Nico e Tina. Eles gostam muito de conversar e eu gostei de ouvir. 

Enquanto eu estava ali, junto com as crianças, meus pensamentos voavam. Eu me imaginava no lugar delas, o que eu faria, como eu me sentiria, o que eu gostaria que acontecesse se fosse eu ali, com 7/8 anos de idade dentro da escola. É incrível essa sensação que o estágio permite de você se colocar no lugar do outro, repensar o que está acontecendo. Tanto no lugar das crianças quanto da professora. Foi uma tarde de muita reflexão para mim e sinto que nossa escuta (minha e da Helena) está sendo importante para as crianças. 

"Tia você volta amanhã?" (Sarah Queiroz Bezerra)

"Tia você volta amanhã?"


No dia 20 de março, retornamos a escola para o segundo dia com as crianças. Eu confesso que estava bem aflita, por conta do último dia nao ter sido tão "calmo" assim. Porém, entrei de coração aberto e realmente fiz bem.


Consegui acompanhar um pouco do momento inicial com as crianças ali no pátio da escola e cheguei bem na hora que a "oração" estava em curso e logo me veio alguns questionamentos, principalmente sobre o porque daquilo acontecer e como a escola abordava as questões de outras religiões, senão a crista, ou se as crianças eram obrigadas a fazer parte daquele momento. Em seguida, fomos, eu e José, para a sala com a professora Nidoran, que sempre se nos acolhe muito bem quando nos vê. 


A professora, estava continuando o que não deu pra terminar na semana passada, que era o salto em distância e o salto em altura. É muito interessante acompanhar a prática da professora e o quanto as crianças conseguem participar do momento de explicação, com seus conhecimentos prévios sobre o assunto, e que a professora, junto com os alunos, constroem uma rede de conhecimentos sólida e que todos contribuem.


Logo depois, ela levou os alunos para realizar a sua prática no pátio, onde, de uma forma bem divertida e descontraída, as crianças puderem realizar os saltos que haviam comentando em sala de aula. Me senti muito feliz naquele momento, pois pude ver o quanto as crianças estavam aproveitando e gostando daquele momento, além de me sentir um pouco mais próxima e íntima das crianças.



Após o momento de saltos, a professora deixou, durante 10 minutos, que as crianças pudessem brincar livremente do que quisessem, nesse momento sempre acontece uma divisão de grupos, dentro da normalidade de uma vivência coletiva, porém durante esse momento, uma menina que vou chamar de Ponyta, veio me relatar que duas meninas que ela gostava muito não queriam ser amigas dela, logo, tentei procurar uma forma de resolver aquela situação. Chamei ela e as duas outras meninas, e fui procurar escutar o que todas elas tinham a dizer; uma pena a rotina escolar não permitir que os professores possam ter esses momentos tão a fundo com os alunos, durante a resoluçao de conflitos, por conta das exigencias conteudistas do sistema escolar. Logo após, elas foram brincar juntas e me senti bem realizada de ter participado daquele momento com elas.


Depois, foi o horário do intervalo e estavamos ansiosos para saber se dessa vez teria a professora de matemática e se não ficariamos sozinhos com elas de novo, mas logo apareceu uma professora, que irei chamar de Natu; nao foi possivel conhecer ela muito bem, mas fomos bem recebidos e espero que tenhamos uma boa relação durante o momento de estágio. No fim da aula, a Ponyta olhou para mim e perguntou "tia você vem amanhã?" e eu realmente queria voltar, pois tinha sido um dia bem legal.


COMO FICA A ARTE? (Karollayne do Carmo)

Vamos começar outro pequeno relatório novamente reintegro que nada que aqui escrevo é com função ofensiva, porém, hoje eu quero colocar em palavras algo que me deixa desesperançosa. Meu receio recai em mais um futuro com jovens adultos apáticos.

Na segunda aula, a aula de artes, mais uma vez não foi possível os alunos terem as vivências propostas no livro didático.

É extremamente lamentável quando vemos oportunidades educacionais cruciais sendo negadas devido à falta de apoio do governo. Infelizmente, em um cenário, onde uma aula de artes não pode acontecer devido à falta de verba e material necessário, reflete a realidade de separação em que vivemos e é prejudicial para o desenvolvimento dos estudantes.

O ensino de artes é fundamental para o crescimento criativo, cognitivo e emocional dos alunos. Através dessa disciplina, os estudantes têm a oportunidade de expressar-se, explorar sua criatividade e desenvolver habilidades valiosas. No entanto, quando o governo não fornece os recursos adequados, como materiais artísticos e financeiros para atividades práticas, os alunos são privados dessas experiências enriquecedoras.

Em situações como essa muitos poderiam dizer "é importante procurar alternativas criativas para ministrar aula de artes e garantir que as crianças possam vivenciar experiências artísticas, mesmo com os recursos limitados" mas poderíamos, nós como sociedade, pedir para um professor(a) deixar de viver suas poucas horas de lazer para assumir o papel do estado? Não, não deveria ser assim, esquecemos que a pessoa na sala explicando um conteúdo também é um humano.

É essencial que as autoridades reconheçam a importância da educação artística e garantam os recursos necessários para que as aulas possam ser realizadas de forma eficaz, recusos esses qua vão além do livro didático. Investir na formação artística dos alunos não é apenas investir no presente, mas também no futuro, uma vez que a criatividade e a capacidade artística são habilidades essenciais para a sociedade como um todo.

O ensino de artes é importante pois contribui para o desenvolvimento integral dos indivíduos, estimulando-os, além disso, promove a apreciação estética, a cultura e a diversidade, ajudando a formar cidadãos mais críticos e reflexivos.

Através das artes, os alunos podem explorar diferentes linguagens e formas de expressão, desenvolvendo habilidades cognitivas, sociais e emocionais. O contato com as artes também pode promover o engajamento dos estudantes, tornando o aprendizado mais significativo e prazeroso.

Por isso, é importante que o ensino de artes seja respeitado dentro e fora do ambiente escolar, deveríamos nós importar em proporcionar oportunidades para os alunos se expressarem, experimentarem, criarem e se envolverem com o mundo de forma mais ampla e enriquecedora. 

Espero, mas no fundo duvido, que no futuro medidas sejam tomadas para assegurar que as escolas e estudantes tenham acesso aos recursos necessários para uma educação completa e enriquecedora, incluindo as aulas de artes tão importantes para o desenvolvimento integral dos indivíduos e das diferentes culturas dentro do Brasil.

UM DIA COMUM OU NÃO (Eduarda Lacerda)

Me esforço para ter um olhar mais critico, me esforço pra ser mais sensível aos detalhes. 
Passar tardes com essa turma de 5º ano tem sido uma aprendizagem de relacionamento entre o professor e o aluno, bem como relacionada aos conteúdos abordados. Incialmente a professora começou com Língua Portuguesa. Como o assunto era Adjetivo e Locução Adjetiva, ela precisou sair dos métodos tradicionais e de forma rápida e lúdica, umas fichas e quem sabia responder, ia respondendo. Penso que se ela tivesse separado as crianças em grupos e cada grupo apresentasse sua ficha, teria sido para além do conteúdo. Apesar da sala ser pequena, eu consegui enxergar uma maneira boa de separá-los, pelo menos em trio. 
Apesar também de ter sido mais engessado a forma de apresentar e relembrar o conteúdo, a turma respondeu bem a essa metodologia. 
Logo depois tivemos aula de geografia, não sei se é o fato de eu sentir dificuldade com essa matéria, mas achei que o livro poderia ser mais explicativo, mais detalhado, pois eu mesma senti dificuldade de entender algumas perguntas e de localizar a resposta de outras. Como era uma aula mais corrida e tinham algumas paginas, eles mal conseguiram tentar sozinhos e já tiveram as respostas prontas no quadro. Que é algo que também me incomoda, porque aprender sobre Crescimento Populacional, onde a criança precisa ter noção de quantidade, achei muito subjetivo para se apropriar do conteúdo. 
Ao final, eles cumpriram o planejamento, porém temo que a falta de experiência com outros métodos façam desse conteúdo, apenas algo para "decorar". Acabando o conteúdo foi feito uma nova votação do líder. O mais votado ficou como Líder e os dois menos votados ficaram: um em vice-líder e outro em líder ambiental. Até ai tava tudo bem, até que eu questionei uma criança, que eu via potencial para ser líder, dessa maneira:
 "Ana porque você não votou pelo menos em você mesma?"
Ana respondeu: "Porque a Direto mandou votar no João."
Maria complementa: Tia, a diretora disse: "Gente vocês tem que votar em crianças que são exemplos, olha o João", aí né tia, se a diretora disse, quem sou eu pra fazer o contrário? 

E de fato, João se tornou líder

Acredito que dentro do espaço escolar, desde o Porteiro até o Professor, todos somos educadores, portanto, concordo com Paulo Freire quando aborda que "Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção". 

"O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS" (Rian Rodrigues)

Para vocês que terminaram o meu último relato com depressão e crise existencial, eu venho dizer que elas não acabaram... Mas, calma. Nem tudo é má notícia. Existem pequenos detalhes que trazem novas perspectivas de que é possível vislumbrar outros caminhos.


Apesar de alguns aspectos da semana passada que se repetiram (e que continuam me gerando tristeza em relação à educação que estamos construindo), nesse segundo dia, coisas diferentes me marcaram e, ainda no lugar de docente, eu pude refletir e experimentar um pouco mais não simplesmente da realidade do desânimo e do cansaço, mas do renovo e da alegria que também são possíveis de obter ao estar com as crianças e vivenciar a afetividade e os vínculos que elas constroem conosco. Por isso, nesse segundo dia, o que mais me marcou foram elas. 


Nesse dia, o estágio já começou um pouco antes das 13h. Por coincidência (?), eu e a professora Regina pegamos o mesmo ônibus para chegar à escola. Logo ao me ver, ela exclamou: "Minha salvação!". E nós começamos a conversar sobre algumas coisas, principalmente suas dificuldades no trabalho docente em relação à realidade atual em que ela se encontra, por conta da necessidade de substituir a outra professora. 


Assim como na semana passada, ela demonstrou bastante insatisfação diante do fato de precisar preencher essa lacuna (mesmo que isso lhe desse créditos de hora), porque ela não estava conseguindo ter disponibilidade para preencher os diários da turma. Ela também disse que só não jogava para nós, estagiários, essa responsabilidade de preencher tal lacuna e dar aula nesse horário, porque ela sabia como era ser estagiária e se sentir jogada em uma sala de aula.


Porém, ela informou que a nova professora chegou e irá assumir a disciplina de Matemática na turma, só que em dias diferentes (terça e sexta), enquanto ela vai permanecer na quarta-feira, o que vai provocar uma mudança no cronograma semanal das disciplinas. Isso representou um certo desafio para nós, porque ainda estamos incertos a respeito do que iremos trabalhar de fato com as crianças no momento das nossas regências, já que não sabemos sequer a disciplina daquele dia. Contudo, também vai ser interessante poder ver como outras disciplinas são abordadas pela professora Regina, a fim de entender um pouco mais do seu trabalho docente.

 

Após esses desabafos da professora, enfim nós chegamos à escola e as crianças foram conduzidas à sala. Logo quando me aproximei delas, algumas me bombardearam de perguntas. "Onde está a outra tia?", referindo-se a Liara, minha dupla, e foi muito legal perceber como, mesmo depois de apenas um dia, elas já sentiam falta e lembravam de nós.

 

Com relação à rotina do dia, o desenvolvimento das atividades seguiu basicamente da mesma forma como na semana passada, com exceção de um momento (tão aguardado por todos) de aniversário na turma. A professora realizou uma breve acolhida da turma, com um exercício de respiração, contagem de quantas crianças estavam presentes e registro na lousa dessa quantidade e do nome das que faltaram.


Em seguida, houve um trabalho com o livro didático de Matemática, com um momento interdisciplinar com Língua Portuguesa, exercitando as habilidades de leitura de palavras. A professora fez uma leitura das questões do livro, que seguiam o mesmo padrão das anteriores: o trabalho com algarismos, com imagens representando aquele número e uma parte para as crianças copiarem e repetirem a escrita do algarismo. 


Mais uma vez, nós percebemos que o livro didático parecia muito limitante, com atividades pouco contextualizadas e estimulantes, que apenas reproduziam o mesmo padrão em todos os capítulos. Se, como destacou Rubem Alves (2012, p. 51), "O conhecimento é uma árvore que cresce da vida", por que tantas vezes ele parece tão distante, abstrato e desconectado dela? 


Como eu destaquei no primeiro relato, muitas reflexões vieram à minha mente no lugar de docente. "E agora? E quando eu for professor? Será que vou conseguir fazer diferente?" Porém, depois das nossas reflexões coletivas no encontro passado e de outros momentos individuais de parar e pensar melhor sobre essas questões, eu tentei abordar algumas perguntas sob uma nova formulação. Assim como Helena destacou em seu primeiro relato, eu também comecei a me perguntar não só "Será que eu farei diferente no futuro?", mas a fazer mais concretamente a pergunta: "O que eu faria diferente aqui, hoje?". O que eu faria diferente para tornar a Matemática mais contextualizada e significativa? Como aprender Matemática poderia ser um exercício de ter curiosidade e perceber a realidade dos números no cotidiano, por toda a parte? Pensar sobre isso me ajudou a enxergar algumas possibilidades e caminhos de outras escolhas que eu poderia fazer.


Isso também produziu em mim algumas reflexões sobre o lugar que o livro didático tem ocupado nas práticas pedagógicas, no sentido de ditar a atividade do professor, às vezes como o único recurso de planejamento. E eu vejo que essa é uma questão muito complexa, porque suscita vários questionamentos acerca da autonomia docente em refletir sobre e planejar sua própria prática, bem como a importância da diversificação metodológica no processo de ensino-aprendizagem. Porém, ao mesmo tempo, ela esbarra diante de problemáticas burocráticas dos sistemas de ensino e das gestões escolares (sobretudo em instituições privadas, onde o livro didático é adquirido através de um escambo com os rins e fígado dos pais). Ademais, pensando no contexto da professora Regina, sem o tempo necessário para planejamento, já que ela está preenchendo uma lacuna, o livro acaba se tornando o recurso mais fácil e acessível para auxiliá-la a propor alguma atividade para as crianças, mesmo que seja algo que não desperte nelas a necessidade e o interesse pela Matemática. 


Só que essas condições concretas e difíceis não podem deixar nos fazer questionar esse tipo de educação e de trabalhar por algo diferente, porque não podemos nos contentar com uma educação de "tapa buracos" e de substituições rápidas, principalmente para as crianças da escola pública, sendo que muitas delas só têm acesso a esses conhecimentos historicamente elaborados e acumulados pela humanidade no ambiente escolar. 


Como também destacou Rubem Alves (2012, p. 51), "Programas são entidades abstratas, prontas, fixas, com uma ordem certa. Ignoram a experiência que a criança está vivendo. Aí tenta-se, inutilmente, produzir vida a partir dos programas. Mas não é possível, a partir da mesa de anatomia, fazer viver o cadáver."  Portanto, não podemos nos resignar em simplesmente "seguir o programa, porque o livro precisa ser finalizado", às custas do próprio objetivo do processo educacional, que é a aprendizagem das crianças. Não podemos silenciar as perguntas e os interesses das crianças pelo fato de que a unidade 2 precisa ser concluída para podermos iniciar a unidade 3. "Aceitemos um fato simples: um programa cumprido, dado pelo professor do princípio ao fim, é só cumprido formalmente. Programa cumprido não é programa aprendido – mesmo que os alunos tenham passado nos exames." (Alves, 2012, p. 63).


Prosseguindo com o seu trabalho pedagógico, após a leitura, a professora escreveu algumas dessas palavras na lousa e pediu para cada criança ler as palavras que estavam registradas. Essa atividade evidenciou diferentes níveis de leitura na turma. Algumas crianças, como Ramon e Victor, demonstram bastante fluência na leitura, o que a professora fez questão de destacar diante dos outros. "Aqui é outro naipe", explicou ela. Algumas outras, porém, apenas olhavam para a lousa por um tempo, sem saber o que responder. Regina dava um tempo para as crianças pensarem e, em certos momentos, tentava tranquilizá-las, dizendo: "Se não souber, é só dizer 'tia, não sei'." Ainda assim, as crianças pareciam um pouco intimidadas diante do fato de não saberem ler aquelas palavras, talvez por um medo de errar diante da professora ou diante da turma e ser ridicularizado por não conseguir aquilo que outras crianças conseguiam.


Isso me fez lembrar de algo que uma professora costumava nos dizer em uma disciplina sobre Letramento e Alfabetização: nessas turmas de alfabetização, saber ler é poder, é ter algo que os outros não têm, e isso às vezes gera certas configurações de hierarquia e senso de superioridade sobre os outros, sendo algo que necessita da atenção do professor, para que esses comportamentos não se propaguem. Além disso, o fato de essa sala específica, como destacado no relato passado, ser marcada por um clima de comparação e rotulação entre os "melhores" e os "piores" me faz refletir em que medida as crianças estão internalizando essa compreensão e carregando-a para o processo de ensino-aprendizagem e para a autoimagem que elas têm a respeito das suas próprias capacidades. Afinal, se eu sou o "pior", como eu vou conseguir fazer aquilo que só os "melhores" fazem? 


Para além desses fatos negativos, uma coisa muito bela de se observar sobre o encanto da alfabetização é o processo de algumas crianças dando indícios de que estão começando a desvendar o "segredo da esfinge" em relação à língua escrita e à sua relação com a dimensão fonética. "Tia, às vezes o 'E' tem som som de 'I', né?". "Tia, 'nove' é quase 'novela', mas sem o 'la'." Já já, elas estarão escrevendo textos tão poéticos quanto os de Rubem Alves! (Ou até mais!)   


Nesse dia, a professora Regina repetiu algumas falas da semana passada, em relação aos "piores", e destacou que existe uma fila específica na qual ela coloca esses estudantes. Em sua fala, ela nos informou, mais uma vez, de forma bem enfática, que "Marcelo e Henrique são os piores dos piores dos piores". E, quando Vicente, em um momento, virou-se na sua cadeira para conversar com Heitor, ela disse-lhe: "Victor, não quero você conversando com Henrique, ele é um dos piores. Você quer ser um dos piores?"


Então, eu decidi assumir esse "risco" de ser um dos "piores". Eu decidi conversar com eles. 


Eu acho que meio que entrei em uma jornada de "CSI: investigação criminal", porque, quando a professora relata a ficha criminal dos "piores" e destaca quem são os "pimentinhas", isso me gera o impulso de ir até essas crianças e investigar o que se esconde por trás daquela descrição. Que rosto esse rótulo oculta?


Eu sentei do outro lado da sala, perto da cadeira de Henrique, porque eu ainda não o conhecia, já que ele havia faltado na semana passada. E eu comecei a perguntar sobre o que ele gostava de fazer para brincar e se divertir. Futebol, foi a sua resposta. Mas parece que, por trás de uma pergunta tão simples, se abriu uma porta para um novo mundo. Parece que Henrique percebeu que eu ousei demonstrar interesse genuíno por ele, por quem ele era, por aquilo que ele gostava. E, então, ele também ousou se interessar por mim.


Durante o recreio, Henrique me carregou pela mão durante todo o intervalo para fazer um tour pelo pátio da escola, me mostrando as plantas e os espaços (e fez isso me levando para os mesmos lugares várias vezes). Quando eu pedi licença por um momento para conversar com o meu professor e fazer uma pausa para o lanche, ele não quis soltar minha mão nem me deixar ir, então ele me seguiu durante todo o percurso. E teve a oportunidade de conhecer o professor Eduardo (ou o meu pai, segundo Henrique).


Em um determinado momento, nós começamos a brincar de pega-pega no pátio, e outras crianças da turma gradativamente se juntaram a nós, na correria e na diversão. Eu poderia ter me arrependido de ter corrido e suado tanto, principalmente depois que eu tive que entrar na sala quente após o intervalo. Mas eu não me arrependi. Eu queria que as crianças soubessem que eu as vejo. E que eu quero continuar vendo o rosto delas e o brilho no olhar diante dos seus interesses e potencialidades, e não simplesmente um rótulo sobre quem elas são.


Mas o dia não acabou por aí. Ainda foi uma tarde muito badalada, porque tivemos um aniversariante na turma, Jorge, e uma (tão esperada) festa organizada pelos familiares. Ao retornarmos do intervalo, ajudamos na organização do espaço, na disposição dos doces, na montagem das lancheiras e na distribuição da comida para as crianças. 


Estar presente nesse momento, para mim, foi algo muito especial, porque Jorge é uma das crianças da turma que possui Transtorno do Espectro Autista e passa a maior parte do tempo das tardes fora de sala, com uma acompanhante. Ele quase não se comunica verbalmente, com exceção de algumas poucas palavras, e não tem muitas interações com seus colegas de sala, assim como não participa das atividades. E tudo isso suscita muitas questões a respeito da inclusão e de várias condições de como a escola, de maneira geral, precisa avançar nesse processo. 


Porém, vivenciar aquela tarde com a turma, apesar de ser um momento excepcional, foi muito belo, para comunicarmos a Jorge, de alguma forma, que nós também o vemos. Que ele é importante ali. E, devido à sua sensibilidade auditiva, nós cantamos parabéns para ele e batemos palmas em Libras, e foi absolutamente encantador ver o sorriso de Jorge se abrindo diante de todas aquelas mãozinhas se levantando agitadas no ar, em celebração à sua vida.


Concluindo esse meu (longo) relato (peço perdão novamente pela empolgação), nesse dia, eu saí muito presenteado: ganhei um desenho, duas flores, vários abraços, bolo, salgadinho e docinho. Mas eu acho que, de longe, o maior presente foi poder ter um vislumbre de algumas dessas coisas essenciais que às vezes passam despercebidas aos olhos. Por isso, queria deixar para vocês essa pergunta, em forma de reflexão: Quantas coisas nós não deixamos de enxergar nas crianças? Que rosto os rótulos ocultam? Quantas coisas achamos que vemos, quando, na verdade, perdemos a capacidade de enxergar o essencial?


1 - 1 = 2 (Victoria Rodrigues Franco)

Hoje, 20/03/2024, fomos para mais um dia de estágio, além de mim, da professora Aurora e da minha parceira casca de bala, Karol, contamos com a presença da estagiária Sandrinha, estudante de pedagogia de outra instituição e que atua na escola há mais de 1 ano. Hoje vou falar especificamente da Flor, uma menina da turma que me chamou bastante atenção durante o dia. Ao chegar na escola, as crianças já haviam sido encaminhadas para a sala, então fui direto para lá, me dirigi ao lugar próximo da mesa da professora, o mesmo lugar em que fiquei na semana passada, e a Flor, que estava sentada ao perto de algumas colegas, mais próxima da porta, veio se sentar ao meu lado e trouxe consigo todos os seus materiais, ali eu percebi que ela não queria só conversar comigo, mas ficar ali durante toda a tarde.

Conforme apresentei no relato anterior, às quartas-feiras as crianças têm uma aula de matemática, com a professora Lilica, ela fez uma revisão de conteúdo com as crianças, atualmente eles estão estudando sobre adição e subtração e a professora utiliza principalmente o QVL (Quadro de valor de lugar) e o material dourado como instrumentos pedagógicos. Ela apresentou questões do livro e criou algumas contas na hora e corrigiu na lousa com eles, como uma forma de revisão (já que as provas estão se aproximando, mas vamos ver mais sobre isso nos próximos relatos).

 

  

Durante a resolução das contas, as crianças respondiam e tentavam acertar os resultados, e alguns (os mais animados em sala, vamos colocar assim) eram escolhidos para representar o resultado com o material dourado e apresentar para o restante da turma. Em dado momento, a Flor que parecia acanhada inicialmente, começou a tentar responder junto com os demais colegas, mas apresentou muita dificuldade com as somas de números grandes, mas ainda assim se empenhou para acompanhar, e quando as somas se tornaram subtrações, ela ainda estava focada nas somas, e teve um momento em que a Lilica perguntou quanto é 1-1 e a Flor, querendo muito acertar, disse que era 2, no mesmo instante alguns colegas começaram a rir, a professora a tranquilizou falando que ela só estava confusa e retomou a explicação e a Flor começou a me olhar e me questionou porque estava errado, então expliquei que se tratava de outra operação matemática, e fui dando exemplos, aí ela entendeu e seguiu tentando acompanhar o ritmo da turma.

Na aula seguinte, Artes, a professora Aurora fez algumas questões com eles, e a Flor seguia ao meu lado, pedindo auxílio para acompanhar a leitura da professora e a responder as questões do livro, desde o primeiro dia de estágio observei que ela não lê, ela conhece as letras e sabe identificar a maioria, compreende algumas sílabas, mas não entende as palavras completas, o que justifica a dificuldade em acompanhar a correção das atividades. Tive que ler as questões só para ela e explicar o que estava sendo pedido, pois somente com a leitura da professora, ela não entendia o que estava sendo pedido, fui explicando com calma cada questão, incentivando-a a pensar nas respostas e mostrando como escrever. No momento do intervalo, eu e a casca de bala estávamos sentadas e lanchando perto do parquinho que há no pátio, ela se aproximou e só ficou ao nosso lado, ofereci um lanche e perguntei se ela queria sentar conosco e ela não quis, só queria ficar perto. Quando o intervalo acabou e as crianças começaram a se encaminhar para a sala de aula acompanhando a professora, ela chegou perto e disse que tinha ido me buscar, então fomos juntas para a sala.

Já na aula de ciências, a professora Aurora, perguntou se uma de nós queria ajudar na correção das atividades e escrever as respostas na lousa, me voluntariei já fui para a frente da sala, durante a correção, além de escrever na lousa, fui acompanhando quem estava acompanhando ou não, perguntando, tirando dúvidas, parabenizando também (a casca de bala e a Sandrinha também). No meio da correção, a Flor me chamou, fui até a sua carteira e ela me perguntou o que deveria escrever, expliquei cada resposta, à quais perguntas eram correspondentes, propus que escrevesse no caderno pois o espaço do livro era pequeno, mas ela não quis e começou a escrever no livro mesmo, e quando terminou veio me mostrar que tinha finalizado e a parabenizei por isso.

Percebo que a Flor faz parte de um grupo de crianças que precisam de maior atenção, muitas vezes a professora se vê  correndo contra o tempo para concluir os conteúdos e não tem condições de olhar cada criança individualmente com tanta calma, até porque, como apresentei anteriormente, a turma possui 33 crianças, então a Flor notou que eu e a casca de bala poderíamos acompanhar ela, sem deixar de prestar apoio à professora e aos demais alunos, mas focando em ajudá-la, incentivando-a a pensar, questionar, participar e não somente cobrando que ela tenha o mesmo ritmo das outras crianças. É reconfortante perceber que a minha prática docente não se distancia do que defendo teoricamente, pois infelizmente, é comum que tenhamos idealizações enquanto estudantes, mas ao enfrentarmos a realidade escolar, nos tornamos mais uma ferramenta nessa linha de produção que têm se tornado a educação. O/A professor(a), não deve ser apenas um transmissor de conteúdos, que estabelece uma relação unidirecional e se põe no papel de detentor de conhecimentos, é preciso superarmos a máxima de que o educador só educa e o educando só aprende, já dizia Paulo Freire que através do diálogo surge o educador-educando com educando-educador, assim, ambos se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos.

É o início de uma jornada desafiadora, mas que já me trouxe tantos sentimentos, memórias e reflexões, que não consigo expressar todos em um relato. A cada dia de estágio me descubro, redescubro, invento e reinvento enquanto educadora, vamos ver quantas versões podem surgir daqui em diante.


FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.