sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Perdão e gratidão, professores (CMTP 14)

Peguei pesado com meus professores de Psicologia da Educação. Sinto uma obrigação moral de reequilibrar a balança.

Contrapeso nº 1. Depois de ser aluno da Luiza, ter aulas com qualquer outra pessoa representaria uma decepção. Meus professores eram bem melhores do que o julgamento que se fixou em minha memória emocional.

Contrapeso nº 2. Eu era um aluno que ainda não conhecia a realidade da vida de um professor. Depois que comecei a ensinar, me tornei mais tolerante em relação aos meus colegas. Porque descobri que várias coisas influenciam o trabalho em sala de aula: situações de saúde, problemas pessoais, amorosos ou familiares, dúvidas quanto à escolha da profissão...

Contrapeso nº 3. Por ter tido um pai alcoólatra que fazia mais promessas do que podia cumprir, desenvolvi uma hipersensibilidade a incoerências. Precisei de algumas crises e de muito tempo de terapia para me reconciliar com ele. E faz apenas quatro anos que descobri que minhas críticas à incoerência alheia são uma expressão infantil da minha frustração com meu pai.

Então peço perdão a todos os meus professores, em especial àqueles dois primeiros da licenciatura. E agradeço pelas lições direta ou indiretamente aprendidas. 

Eu sou um tanto de cada um de vocês quando entro em sala de aula.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Psicologia da Pedagogia II (CMTP 13)

Não é que, ao mudar do bacharelado para a licenciatura em História, eu esperasse encontrar professores das disciplinas pedagógicas que fossem tão inspiradores quanto a Luiza, mas na primeira aula de Psicologia da Educação II, o professor apresentou um roteiro detalhado de todas as aulas.

Como assim? O professor já sabe tudo que vai acontecer? 

E o inesperado? A surpresa? A aventura?

Nas aulas, líamos em pequenos grupos um capítulo de livro e respondíamos as perguntas da última página. Voltei aos meus tempos de 2º grau e dos manuais didáticos com exposição seguida de exercícios.

Mesmo se eu tivesse feito Psicologia da Educação III, IV, V, VI, VII... desconfio que jamais veria uma didática que tivesse qualquer coisa a ver com o discurso construtivista predominante.

Como professor, nas minhas aulas presenciais, alguns estudantes manifestam curiosidade a respeito do que acontecerá na próxima aula. Eu também tenho essa curiosidade, mesmo sendo responsável pelo planejamento. Ter alguma ideia do que vai acontecer me dá segurança. Não saber exatamente o que acontecerá me dá ânimo.

É como na escrita: você tem uma ideia, um pretexto, mas as palavras surpreendem e tecem algo inesperado. É como numa viagem: você compra passagens e faz reservas, mas os lugares e as pessoas viajam na maionese do seu roteiro. 

Tenho uma tia-avó freira, a Pepeta, que diz que não foi à toa que Jesus repetiu bem-aventurados... bem-aventurados... A vida é uma aventura. E a educação pode ser uma boa aventura. A gente precisa se aventurar para ser bem-aventurado.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Aula perfeita, dia perfeito?

Quando assisti a O Feitiço do Tempo, fiquei encantado pela história, pela Andie McDowell e pela possibilidade de viver um dia perfeito.

Se o drama do protagonista do filme era um dia que se repetia, o meu sofrimento é não reprisar o que há de maravilhoso nos dias. Quando penso que estou na véspera de um dia perfeito, o dia seguinte vem frustrar meus planos.

Ao fazer minha meditação diária após o didaticário de ontem, me ocorreu que o dia perfeito pode ser como a aula da Rádio Didática: um planejamento que inicialmente não deu certo, mas que acabou dando muito certo.

Uma coisa boa sobre as aulas é que têm uma duração curta e estão sob minha responsabilidade. Já os dias são longos e têm sua composição compartilhada com outras pessoas. 

Será possível fazer com os dias algo parecido com a aula da Rádio Didática: perceber rapidamente a frustração, improvisar uma mudança e esperar que o universo conspire a favor?

Tenho costume de levar para as minhas aulas as coisas da minha vida: livros, filmes, jogos, canções... Será que funciona trazer para a minha vida as lições das minhas aulas?

Como diria minha sobrinha Julia, não vamos desistir sem antes tentar.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Rádio Didática

— Como o professor deve lidar com a frustração de uma aula que não saiu como planejada? 

Essa foi a pergunta do Beto no SOS Didática de ontem. E eu lembrei imediatamente uma aula que não aconteceu como planejei.

Cada estudante indicaria previamente uma canção e, no dia da aula, aconselharia como usá-la didaticamente. Pensei num programa de entrevistas: Rádio Didática. Quando imaginei isso, senti um prazer intenso.

No dia da aula, com os estudantes em semicírculo, chamei a primeira entrevistada. Ouvimos a canção que ela trouxe e sua ideia de como utilizar aquela música em sala de aula. A entrevistada se tornou apresentadora e eu fui sentar com os demais alunos.

Ouvíamos boas canções e ideias interessantes para o uso da música em sala, mas a aula não me animava. Fiquei frustrado.

Pensei então em telefonar para o programa. Quando o entrevistado deu uma pausa, arrisquei:

Trim! Trim!

A apresentadora fez cara de surpresa, mas logo atendeu:

— Rádio Didática. Quem fala?

— Aqui é o Eduardo. Gostaria de fazer uma pergunta ao entrevistado.

— Fique à vontade, Eduardo.

Fiz a pergunta, o entrevistado respondeu.

Outros ouvintes começaram a ligar. Uma apresentadora resolveu incentivá-los:

— Ao final do programa, vamos sortear um gelágua entre aqueles que ligarem. 

O programa ficou animado: música, ideias, brincadeiras.

Outra apresentadora convidou os ouvintes para irem ao estúdio até o final do programa. As caravanas vieram. Dançamos juntos a última canção da noite. 

A aula não saiu como planejada, mas foi exatamente como planejada: um prazer intenso.

Será que o Beto consideraria esta lembrança como uma resposta à sua pergunta?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Psicologia da Pedagogia I (CMTP 12)

Como toda paixão, a relação com a licenciatura foi de amor e decepções.

A primeira disciplina pedagógica que fiz foi Psicologia da Educação I. O professor criticava o estímulo-resposta-reforço do behaviorismo e defendia o construtivismo. Só por curiosidade, falei:

— Professor, e se eu fizer um trabalho excelente defendendo o behaviorismo, o senhor me dá um 10?

— Não!

No dia da prova escrita, para eu não ficar curioso a respeito das respostas de algum colega, ou vice-versa, o professor mandou eu me sentar numa carteira quase encostada no quadro verde. Bem construtivista!

Aprendi rapidinho a primeira lição da Psicologia da Pedagogia: uma coisa é o falatório, outra é a prática. 

Para não jogar fora as belas teorias junto com a água suja do ensino, assumi como missão pedagógica de minha vida como professor transformar o blá-blá-blá em didática.

"No  momento  em  que  descubro  a  incoerência  entre  o  que  digo  e  o  que  faço  –  discurso   progressista,   prática   autoritária   –   [...] apreendo a ambiguidade em que me acho, sinto não poder continuar assim e busco uma saída. Desta forma, uma nova opção se impõe a mim. Ou mudo o discurso progressista por  um  discurso  coerente  com  a  minha  prática  reacionária  ou  mudo  minha  prática  por  uma  democrática,  adequando-a  ao  discurso  progressista."

Assim como Paulo Freire, sigo pelejando por essa trabalhosa coerência.

Num próximo didaticário, contarei como foi a decepção em Psicologia da Educação II.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A aula que mudou tudo (CMTP 11)

Decidi ser professor numa segunda-feira.

Na véspera, vi na TV um pedaço de filme que não entendi. Na aula da Luiza, coincidentemente, ela comentou o filme.

Em plena aula de História Moderna (que vai de 1453 a 1789), Luiza tratou de Jornada nas Estrelas, uma ficção científica que acontecia para além do século 22. Afinal, a expansão marítima do século 15 tem tudo a ver com a conquista espacial que se dará no futuro. 

E eu pensei:

— Quero ser professor e fazer isso com outras pessoas.

Mudei imediatamente do bacharelado para a licenciatura.

Nunca descobri exatamente o que é fazer isso: analisar filmes, explicar coisas, ligar assuntos desconexos, abrir horizontes, misturar tempos?

Mas sempre que um estudante fica com aquela cara de personagem de revista em quadrinhos com uma lâmpada piscando na cabeça, sinto que estou fazendo isso.

Como professor de Didática há seis anos, penso assim:

— Quero fazer isso com outras pessoas para que elas queiram ser professoras e fazer isso com outras pessoas.

Meu objetivo é atingir um único estudante por turma. Como eu não sei qual estudante viu o filme na véspera, faço isso como todos eles. Até poder dizer:

— Consegui de novo, Luiza.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Luiza e Os internos do pátiO (CMTP 10)

Eduardo, Fabiano e Manu no pátio internoFabiano, Manu e eu preferíamos o pátio às salas de aula. Resolvemos chegar atrasados à primeira aula de História Moderna. A professora Luiza de Teodoro estava no meio de uma história sobre cegos sábios que discordavam enquanto apalpavam partes diferentes de um elefante: é macio e comprido, dizia um que tocava a tromba; não, é duro e grosso, dizia outro pegando nas pernas; vocês estão loucos, é fino e termina desfiado, dizia um terceiro segurando o rabo.

Quando terminou a aula, eu estava arrependido por ter perdido os primeiros minutos. Dali em diante, não faltei nem cheguei atrasado nas aulas da Luiza.

Ela era o nosso oh captain, my captain, feito o mestre de Sociedade dos Poetas Mortos. E Fabiano nos batizou de Os internos do pátiO, uma sociedade de poetas vivíssimos. Visitávamos lugares escuros da universidade e líamos poemas passando uma lanterna de mão em mão. Quando nos formamos, começamos a nos reunir em nossas casas, principalmente na casa da Luiza, que virou nosso segundo pátio. A mestra foi se transformando em amiga, como preferia ser considerada.

Gosto de mim, e isso foi uma conquista, pois passei um tempão sem gostar. Louvavam tanto a minha bendita inteligência, e eu sabia que não era só isso. Mas aí eu compreendi que não deixava as pessoas verem meu lado afetivo, era culpa minha. Eu me defendia, porque era uma mulher pobre, preta, feia e só, numa sociedade extremamente exigente, em que você tem que ser mulher de fulano, ou tem que ser jovem, ou tem que ser bonita, ou tem que ser isso, ou tem que ser aquilo. No dia em que vi que podia ser tudo isso, se me deixasse amar, entendi que não me deixava amar porque não me amava.

Nós nos amávamos. E Manu traduziu isso em uma canção.

O nosso amor, Luiza,
Tem de ser vivido de forma musical.
Nosso tesouro é vida,
São nossas amizades, etc. e tal.

Vi o sol nascer,
Parecia com você,
Tinha o seu calor,
Brilhava forte feito amor.

Luiza desencarnou há três anos. E continua nos acompanhando. Antes de cada aula, fecho os olhos e peço a ela: Que essa aula seja tão inspiradora quanto as suas.

De vez em quando, Luiza me atende.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Vestibulares (CMTP 09)

Nem passava pela minha cabeça me tornar professor. Tanto que fiz vestibular, e passei, para Engenharia Elétrica na UFC e Computação na UECE. Mas a troca das aulas da Olimpíada de Matemática pela porrinha no 2º ano, o mundo da música e as paixões adolescentes cobraram seu preço logo depois que saíram os resultados. E antes mesmo da matrícula já me deu vontade de fazer um outro curso, na área de Humanidades.

Pesquisei várias grades curriculares: Filosofia (me pareceu muito ousado para quem vinha da Matemática), Psicologia (fiquei assustado com a disciplina de Anatomia)... Escolhi História pela longa lista de disciplinas optativas interessantíssimas. 

O plano era fazer duas faculdades: Engenharia Elétrica por obrigação na UFC e História por prazer na UECE, mas a intenção não durou nem dois meses da monótona disciplina de Física I. Resolvi fazer vestibular novamente só para História na UFC. E passei.

A mudança não foi fácil. Precisei fingir que continuava assistindo aulas na Engenharia Elétrica para que meus pais não me enchessem o saco dizendo para não abandonar. Quando finalmente contei, já havei perdido o semestre e não tinha mais jeito. 

Depois de alguns meses, meu pai achou interessante ter um filho historiador, alguém com quem ele pudesse compartilhar as leituras mais densas como A Guerra de Canudos ou A História do III Reich. Minha mãe só começou a se acalmar no segundo semestre do curso, quando consegui uma bolsa de pesquisa.

Quando alguém dizia que eu iria ser professor de História, a reação era imediata:

— Não serei professor, serei historiador.

E, mesmo tendo mudado de ideia (vou contar pra vocês num dos próximos didaticários), me sinto um pesquisador de minha prática e um historiador de minha trajetória, como estou fazendo aqui com a série Como Me Tornei Professor.

Mesmo assim, de vez em quando penso em fazer um último vestibular, mas ainda não inventaram o curso que eu gostaria de fazer: uma formação em que eu frequente qualquer disciplina ofertada pela universidade, monte meu próprio currículo e termine com um histórico diferente de qualquer outro diploma.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Maria Bethânia

Se tivesse aula da Luiza hoje, ela perguntaria:

— Viram o show da Bethânia?

E desapontada com um não ou animada com um sim, ela lembraria que Bethânia havia dito:

"Não gosto mais de falar do Brasil. Tenho vontade de chorar."

Mesmo assim subiu no palco para fazer o que sabe melhor: cantar e recitar a alma brasileira.

Entoou cada canção sem solos ou repetições, muitas vezes apenas trechos, com a urgência de cantar tudo a todos. 

Começou com Gonzaguinha:

"Não dá mais pra segurar, explode coração!"

Abriu espaço para as forças da natureza e da espiritualidade:

"Se me der a folha certa
E eu cantar como aprendi
Vou livrar a Terra inteira
De tudo que é ruim."

Denunciou o Brasil que nos faz chorar. Relembrou o Brasil de que temos saudade. E convidou para a luta:

"Reconhece a queda e não desanima.
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima."

E concluiu também com Gonzaguinha, louvando a beleza da vida:

"É bonita, é bonita e é bonita!"

Enquanto esperamos uma agulha que nos fure o braço, Bethânia nos aplicou, pelos ouvidos, a vacina poderosa da resistência e da esperança.

Foi uma aula tão linda quanto as aulas da Luiza.

— Vocês viram o show da Bethânia?

sábado, 13 de fevereiro de 2021

A primeira aula (CMTP 08)

Um colega do irmão da minha namorada precisava de reforço escolar. E como eu era bom em Matemática, fui dar aulas para ele. Foi a primeira vez que ganhei algum dinheiro como professor.

Lembro que estávamos numa mesa redonda da cozinha e eu tentava, sem sucesso, fazer com que o menino entendesse volumes. Olhei ao redor, sem saber mais o que fazer, e vi alguns remédios. Resolvi testar.

Mostrei, na caixa de remédio, aquilo que estava representado no livro didático: vértices, arestas e faces laterais. O menino, imediatamente, entendeu. E eu senti que levava jeito para professor.

Aqueles meus primeiros trocados, ganhos arduamente, me fizeram entender algumas coisas que guardo e procuro praticar ainda hoje: a importância do atendimento individualizado, o uso de materiais acessíveis e o valor da criatividade.

Como professor, procuro chegar mais junto dos alunos, uso livros apenas como recursos secundários, dou exemplos quando preciso explicar alguma coisa e recrio constantemente minhas aulas.

Compreendo, desde o começo e com o passar dos anos, que o aluno aprende melhor o que quer que seja se o professor continua aprendendo a ensinar.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Nova Vida (CMTP 07)

Certos acontecimentos são tão definidores do nosso destino que me pergunto o que seria da vida se não tivessem acontecido. Eu seria uma pessoa completamente diferente? Ou o destino daria um jeito de acontecer de outra forma?

Quando eu tinha 15 anos, minha mãe me convenceu a fazer um encontro de jovens. Eu havia feito a primeira comunhão há alguns anos, e não frequentava a igreja. Era um adolescente estudioso e tímido, cujo contato social se restringia aos meus primos. 

Em um único final de semana, tudo mudou.

Na manhã do dia 24 de agosto de 1986, eu senti o amor de Deus. E em poucos meses, eu estaria conduzindo encontros bíblicos em visitas semanais a uma favela. Eu cantaria num grupo vocal e daria aulas de violão. Eu teria minhas primeiras namoradas. E começaria a dar aulas particulares de Matemática. O encontro que fiz se chamava Nova Vida e, seis meses depois, num encontro chamado Recomeçar, eu já seria um dirigente, responsável por iniciar um pequeno grupo de jovens.

Meu engajamento na igreja católica durou três anos. O gosto por grupos permanece até hoje. Sempre percebo meus alunos como uma comunidade e procuro desenvolver neles o espírito de colaboração e de bem querer. Os momentos que mais me dão alegria como professor são aqueles de interação entre os estudantes. 

Quando um pergunta o nome de outro, sinto um arrepio de felicidade. Porque ali pode começar um novo relacionamento. Quando todos riem durante um jogo cooperativo, fico encantado. Porque ali está uma amostra do que pode ser a paz na Terra. A minha medida de sucesso, ao final de um semestre, é o sentimento de amor que percebo entre as pessoas.

Em sala de aula, são muito concretos os quatro amores de que fala Jesus Cristo: o amor a Deus, o amor a si mesmo, o amor ao próximo desconhecido e o amor ao aparente inimigo. No fundo e no fim, é tudo o mesmo amor. Aquele-este amor de que tenho lampejos desde 1986.

"Eu atinjo Deus naqueles que eu amo, à medida que eles e eu nos espiritualizamos cada vez mais." (Teilhard de Chardin, "O meio divino")

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Tantos bons professores (CMTP 06)

É estranho que, mesmo tendo tido alguns bons professores, eu tenha demorado tanto a escolher a docência. Talvez por não me identificar muito com eles e ter guardado apenas alguns episódios.

O Edson, professor de Português, que certa vez me chamou de irreprochável. E eu fiquei com cara de bobo pois não fazia ideia que ele queria dizer irrepreensível, impecável, perfeito.

A Perpétua, professora de História, que falou para uma aluna confortavelmente deitada com um pé em cada carteira à sua frente: "Minha filha, conheço essa posição. Já tive três filhos."

O Arnoldo, professor de Inglês, que duas vezes por ano nos levava para estudar uma música na sala do audiovisual.

O Teixeira, professor de Português, que me deu um 10 em redação e me devolveu a autoestima perdida desde os ditados da 4ª série.

Hoje, como professor, não falo difícil com meus alunos, evito constrangê-los, não gosto de levá-los a passeios e divido a nota em tantas pequenas tarefas que não me sinto "dando um 10".

Esses e outros professores não me inspiraram didaticamente, mas me fizeram perceber que cada um foi bom professor ao seu jeito. Que atualmente meus colegas professores são bons, mesmo que diferentes de mim. E que eu também posso ser um bom professor à minha maneira.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Ditados (CMTP 05)

É até irônico que eu esteja escrevendo um diário didático. Porque durante toda a minha educação básica, ainda no século passado, minhas duas únicas notas baixas foram justamente em Português. Ou em português, com inicial minúscula? Nunca sei ao certo.

Na 4ª série, meu boletim cheio de dez foi manchado duas vezes por notas vermelhas: dois quatros em provas de ditado. Na verdade, a nota era zero mesmo, mas com alguns pontos extras e reclamações de minha mãe consegui esse bônus.

Nós líamos um paradidático chamado "Cazuza". E eu até gostava do livro, mas não dos ditados que a professora fazia. Uma coisa é ler, outra é copiar de ouvido. A professora leu:

"Nas lições de ciências naturais, de gramática, geografia e história, tirava notas inferiores
às notas de aritmética."

E eu escrevi os nomes das matérias todos com iniciais maiúsculas. Perdi seis pontos na prova, um para cada inicial errada, em vez de perder apenas um ponto por não compreender uma regra ortográfica. Levei anos para melhorar minha autoestima na escrita.

Hoje, como professor, evito pedir aos meus alunos qualquer tipo de cópia ou mesmo uma resposta padrão. E até os erros que eles cometem me fazem pensar se não estão, no fundo, certos. 

Fui agora pesquisar e, segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, desde 2006 tanto faz escrever os nomes de matérias e disciplinas em minúsculas ou maiúsculas.

Assim como eu, os alunos que erram hoje talvez estejam certos no futuro. Afinal, está nos ditados:

— Os últimos serão os primeiros.

— Quem ri por último, ri melhor.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Professor x Mágico (CMTP 04)

Meu pai amava xadrez. E achou que seria bom eu ter aulas com um professor particular. 

Não foi uma boa ideia.

Certo dia, o professor chegou enquanto eu assistia a O mágico de Oz na Sessão da Tarde. Como bom menino, obediente, larguei a TV. Mas aquela foi a última vez. Não me parecia justo ter aulas enquanto Dorothy, Zorro, Aladin e tantos outros enfrentavam incríveis aventuras.

Cresci tão fascinado por filmes que cheguei a fazer um curso de Dramaturgia para entender de que maneira são escritos.

Como professor, nunca esqueço que os estudantes têm coisas muito mais interessantes a fazer do que assistir às minhas aulas. Eu mesmo preferiria estar fazendo outra coisa. Por isso, gosto de dar às minhas disciplinas presenciais um espírito de aventura, com aberturas musicais e muitos desafios. Na Sessão da Noite, faço surgir histórias das quais nossas vidas são abundantes.

Como bem sabia o Mágico de Oz,

"foi fácil fazer o Espantalho, o Leão e o Homem de Lata felizes, porque eles imaginavam que eu poderia fazer qualquer coisa."

Também gosto de imaginar que posso fazer qualquer coisa como professor. E quando meus alunos acreditam, sinto que somos todos felizes.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

O marido da professora (CMTP 03)

Eu me apaixonei pela professora de Inglês da 1ª série. Na minha mente infantil, pensei que a melhor maneira de me casar com ela era ser professor.

Não foi a única vez que me apaixonei por uma professora. E, a cada vez, para chamar sua atenção, eu tinha duas opções: fazer algo mau ou fazer algo bom. Como minha mãe havia me dado um disco do Carequinha, "o bom menino vai sempre à escola, e na escola aprende sempre a lição", tirar boas notas foi minha escolha.

O aluno impecável continua presente no professor de hoje, que nunca falta, sempre começa a aula na hora e planeja detalhadamente as atividades. Um professor muito preocupado com o que os superiores vão pensar, afinal "Papai do céu protege o bom menino, que obedece sempre, sempre a mamãezinha".

No 2º ano do que hoje é o ensino médio, gazeei a aula da olimpíada de Matemática para ficar jogando porrinha no pátio. Foi a primeira de muitas pequenas rebeldias que também me acompanham como professor: jogar em sala de aula, fazer vista grossa para faltas e atrasos dos estudantes, não aplicar provas.

O bom menino e o rebelde fazem parte do professor que sou.

E para quem gosta de um final feliz, sim, eu me casei com a professora.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Meu pai, professor (CMTP 02)

Tenho uma única lembrança de brincar de escola quando criança. Uma recordação imprecisa de minha primeira irmã, eu e uma vizinha fantasiando sermos professores. Como é uma lembrança única, desconfio que foi mais influência da vizinha do que algo meu e de minha irmã.

Fui uma criança independente de professores. Fazia meus deveres sem auxílio de meus pais, que apenas conferiam se tudo estava certo. Mas sei que meu pai tinha facilidade para ensinar, porque o via ensinando minha irmã com muito ânimo e paciência.

Para além das tarefas escolares, meu pai nos estimulava com jogos, mágicas e desafios lógicos:

— O que pesa mais: um quilo de ferro ou um quilo de penas?

Em seu tempo livre, ele estava quase sempre deitado de bruços, lendo.

Só depois que meu pai faleceu, eu soube que ele havia tentado ser professor durante um curto período quando éramos crianças bem pequenas. O alcoolismo talvez tenha dificultado a adaptação à rotina de professor, mas lamento não ter tido a oportunidade de perguntar diretamente a ele como foi essa experiência.

A partir dessas lembranças, é bem visível a influência de meu pai na minha forma de ser professor: tenho disposição para atender individualmente alunos com dificuldades, gosto de instigar a todos com desafios lúdicos e preciso descansar deitado, com um aparelho que é livro, disco, filme, jogo.

Não nasci professor, mas nasci de um verdadeiro professor que amava seus alunos, tinha habilidade para incentivá-los e se divertia estudando.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Como me tornei professor (CMTP 01)

Fico incomodado quando me pego falando generalidades aqui no didaticário. 

Um diário deve ser pessoal, revelador da intimidade de quem escreve. Abstrações parecem elegantes, mas não revelam a profundidade dos conflitos que um professor experimenta.

Um estudante que me lê pode achar que ser professor é algo inato e que sempre foi natural pra mim. Mas não foi e nem é assim.

Resolvi então contar um pouco das idas e vindas até eu me tornar professor, e das muitas reviravoltas depois que eu já havia conquistado um diploma. Talvez meus estudantes de Didática, futuros professores, possam se identificar com algumas situações e isto lhes sirva de material para reflexão.

E para que não seja um diário do passado, procurarei mostrar como cada recordação se relaciona com situações que ainda vivo hoje.

Me sinto um tanto envergonhado só de pensar nas coisas que escreverei nos próximos dias, mas vamos lá...

— Coragem, Eduardo!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Plano A

Ter um Plano B é quase uma obrigação para um professor que entra em sala de aula.

Nessa pandemia, descobrimos que milhões de brasileiros não têm sequer um Plano A, que dirá um Plano B. Pessoas que não podem ficar em casa porque não têm casa e que não fazem isolamento social porque precisam pegar ônibus lotado para trabalhar.

Muito professor, já antes da pandemia, não tinha Plano B. Precisava se submeter a duplas e triplas jornadas para ganhar um pouco mais do que o pequeno salário. Não tinha tempo para se dedicar a atividades que nos fazem humanos: parar, ouvir música, ler, ver um filme, fazer um curso por vontade própria, viajar...

Tempo, espaço e sustento são necessidades básicas de qualquer ser humano. O professor, sujeito da educação, que é um processo humanizador, precisa se sentir humano para ser realmente um professor.

Como essas condições não serão mudadas pelo sistema que as produziu, é preciso que nós, professores, lutemos não apenas pelo nosso sustento, mas também por nosso espaço e nosso tempo. Somos muito preocupados com nossos alunos, sacrificamos muito por eles. Precisamos fazer algo também por nós mesmos, não apenas individualmente, mas como profissão ou, simplesmente, como raça humana.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

SOS

SOS, Save Our Souls, quer dizer Salve Nossas Almas.

SOS também é um palíndromo, uma palavra ou frase que pode ser lida de trás pra frente.

Tenho aprendido isso no SOS Didática. A pessoa que pergunta a respeito de uma situação didática pela qual vem passando teoricamente manda um SOS para os professores do programa, que falam em seu socorro. 

De trás pra frente, o resultado é o mesmo: o desejo dos professores do programa de aprender a respeito de didática é socorrido pelas situações didáticas enviadas por outros professores, estagiários e estudantes de licenciaturas. SOS indo e voltando.

A mesma sequência de três letras também é sós, plural de só.

é sozinho, vai de um jeito e volta de outro. Sós já está acompanhado, um só indo e um só voltando se encontram no meio do caminho.

Como diz o poeta Wilson Pereira,

Outro dia
passando por mim

eu quase me reconheci

mas íamos
ambos apressados

um para o futuro
o outro para o passado.

Perguntar e responder situações didáticas nos faz sair da ilusão de isolamento, pois todos podemos nos encontrar nas situações perguntadas e respondidas, seja pela imaginação do passado, seja pela memória do futuro.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Heroísmos

— O professor é um verdadeiro herói.

De vez em quando ouvimos isso de uma pessoa próxima ou de uma apresentadora de TV. Não cabe a mim dizer se professores são ou não são heróis, mas vou fazer uma listinha de tipos de herói e quem lê o didaticário pode tirar suas próprias conclusões.

Herói supercapaz. Não precisa ser um super-herói, mas tem habilidades acima da média.

Herói que tira leite de pedra. Aquele que começa sem nada a seu favor, mas que consegue um resultado impressionante.

Herói por acaso. Aquela pessoa cômica que parece fazer tudo errado, mas que é abençoada pela sorte.

Herói catártico. Aquele com o qual a gente se identifica profundamente e sente que tudo que ele passou e aprendeu aconteceu com a gente.

Herói viajante. Ele veio de longe e irá para longe. Está apenas de passagem. Mas sofrerá uma grande transformação enquanto estiver ali.

Herói social. Ele não está apenas salvando uma ou outra pessoa em perigo, mas toda uma coletividade.

Herói moral. Aquele que sempre faz a coisa certa, o representante perfeito da justiça. 

Anti-herói. Pra não dizer que não falei dos podres, este nos permite viver, projetivamente, aqueles desejos sombrios que reprimimos.

E, finalmente, o herói sacrificado. Aquele que arrisca tudo, até a própria vida, por outra pessoa ou por uma causa.

Aí está a lista, baseada num top 10 de heróis do cinema. Agora cabe a você decidir, cara leitora, caro leitor: afinal, professoras e professores são ou não são heróis?