Em 2020, o ENDIPE (Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino) produziu 15.912 páginas de artigos acadêmicos. Tenho estudado esse documento e, dentro de um mar de tanta informação, sinto necessidade de um farol. No meu caso, por incrível que pareça, são algumas poucas palavras da nossa constituição federal:
"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
Meu farol nem é tudo isso, se resume a:
"[...] educação [...] visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
E, por hoje, vou ficar apenas com o "pleno desenvolvimento da pessoa", o primeiro objetivo da educação nacional.
Como professores, buscamos justificadamente garantir que todos aprendam aquilo que está especificado nos currículos, mas muitas vezes esquecemos desse objetivo básico: pleno desenvolvimento da pessoa. Seres humanos que têm, obviamente, várias características similares, incluindo direitos comuns que devem ser respeitados. Mas o pleno desenvolvimento de uma pessoa é diferente para cada pessoa.
Nossa tendência, ao ensinar, é idealizar essa pessoa, definindo-lhe as características desejáveis: autônoma, crítica, cidadã, etc. Tudo bem, se pensarmos abstratamente. No concreto do dia a dia, entretanto, autonomia, criticidade, cidadania, etceteridade, variam muito, mas muito, no desenvolvimento pleno de cada pessoa.
Gosto de pensar que somos frutos da Terra, frutos de muitas árvores. E que mesmo "cada cajá tem um gosto diferente de cajá", como canta Fabiano dos Santos. Cada um de nós pode ser autônomo, crítico e cidadão de um jeito bem diferente.
Nós deveríamos então planejar o ensino segundo um determinado tipo de autonomia, criticidade e cidadania, e desejar que todas as pessoas se desenvolvam nessa linha? Ou poderíamos planejar segundo esse mesmo tipo e deixar que cada pessoa se desenvolva plenamente à sua maneira? Ou ainda necessitaríamos planejar o ensino considerando não um tipo específico, seja lá qual for o consenso do momento, mas levando em conta um campo de autonomias, criticidades e cidadanias possíveis que, em sua maioria, não podem ser predefinidas ou mesmo previstas?
Pressupomos, com frequência, que tais características são algo que as novas pessoas vão ganhar por intermédio do nosso trabalho na educação. Quando talvez, apenas talvez, tais características já estejam lá, envolvidas, e precisem ser apenas desenvolvidas individual e coletivamente. Talvez nós, pessoas educadoras, precisemos dessas novas crianças, dessas sementes, para nós mesmos desenvolvermos melhor nossa autonomia, criticidade e cidadania.
Aquelas 15.912 páginas podem parecer bastante intimidadoras. Talvez nos sintamos mais seguros com um parágrafo de constituição. Mas aquelas milhares de páginas são uma expressão do desenvolvimento da Didática e de centenas de profissionais da educação.
Então imagine aí quantas milhares de páginas, gestos, desenhos, coreografias, canções, fotografias, filmes, jogos, roupas, etcéteras seríamos capazes de desenvolver junto com as pessoas estudantes se planejássemos para isso.
Gosto de pensar, e sinto que ensino, não um conteúdo específico, mas possibilidades de pleno desenvolvimento.