quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

O velho, o garoto e o burro

Quando eu era criança, gostava de ouvir essa história da Coleção Disquinho.

*

Há muitos e muitos anos, caminhavam lado a lado um velho, um garoto e um burro na direção do mercado.

Puxando o burro a trotar, o velhinho ia na frente e o garoto ia montado a cantar alegremente: "Lá, lá, lá, lá, lá..."

O velho fazia coro, caminhando passo a passo, enquanto o trote do burro ia marcando o compasso.

"Vamos bem contentes ao nosso trabalho pelos verdes campos úmidos de orvalho."

Entretanto, mais adiante, ao sol e ao calor do estio, estava uma lavadeira lavando roupa no rio.

"Lá, lá, lá, lá, lá... Vejam só, mas que beleza, já tenho a roupa lavada. Hoje até que andei ligeiro, porém como estou cansada. Agora é tirá-la da água e torcê-la muito bem. Entretanto me parece que na estrada vem alguém. Olhem só, mas quem diria! Se me contam, nem dou fé. O garoto vem montado e o velhote vem a pé. Desce daí preguiçoso! Não vês que falta respeito deixar um pobre velhinho andando a pé deste jeito. Que monte o velho no burro e tu que és forte e bem novo vais a pé. E desse jeito não dás que falar ao povo."

E o garoto ouvindo aquilo foi descendo devagar, enquanto o velho montava o burrinho em seu lugar.

"Desce que eu monto no burro e tu vais andando a pé, assim ninguém falará de nós outra vez, não é?"

Depois, sem dizer mais nada, os três seguiram caminho lentamente pela estrada. Ao fim de longo percurso, nem sei dizer que tamanho, encontraram um pastor conduzindo seu rebanho.

"Eia, eia, devagar! Vamos, Branquinha! Dengosa... não fujam para a floresta! Ó ceus, mas como é teimosa! Venha cá, ande comigo. Por que ficou assustada? Ah, já sei, vem vindo gente. É um burro aqui pela estrada. Mas vejam que desaforo! Andando pelo caminho lá vem um garoto a pé puxando pelo burrinho. Enquanto o velho marmanjo, calmamente nem se cansa, lá vem no burro montado, puxado pela criança. Ei, velhote! Que vergonha! Isto não lhe fica bem. Se quiser andar no burro, monte o menino também."

E o velhinho ouvindo aquilo falou baixo, num sussurro: "Meu filho, não há remédio, montemos os dois no burro."

E assim, pacientemente, levando carga dobrada, lá se foi o pobre burro num bom trote pela estrada. E andaram por longo tempo. O sol bem alto já se ia quando ouviram, de repente, uma alegre melodia. Vejam só quem encontraram numa grande animação. O velho do realejo e seu macaco Simão. Mas quando se aproximaram, devagarinho a trotar, o povo que ali chegara começou a protestar.

"Coitadinho, que maldade! Vejam que carga pesada. São dois em cima do burro, caminhando pela estrada."

E fizeram tal berreiro que o coitado do burrinho saiu correndo assustado pelas curvas do caminho. O velho quase caiu e o garoto, apavorado, segurou-se no cabresto do burro desembestado. E quando tudo passou, disse o velhinho com fé:

"Menino, não há remédio, andemos os dois a pé."

E assim nesse mesmo instante seguiram pelo caminho o velho e o garoto a pé, puxando pelo burrinho. No entanto, mais adiante, quase ao chegar ao mercado, acharam um sapateiro em seu banquinho sentado. Trabalhava atentamente, alegre e feliz, cantando, enquanto seu martelinho o compasso ia marcando.

"Bate sola, bate sola, eu trabalho o dia inteiro. Pregando e passando cola pra ganhar o meu dinheiro. Este ficou como novo. Melhor ninguém jamais fez. No entanto, alguém vem chegando. Será um novo freguês? Olhem só, mas quem diria. O caso é até engraçado. Um velho e um garoto a pé, e um burro caminha ao lado. Ei, velhote! Que se passa? Por que não montas, amigo? Terás por acaso medo que o burro zangue contigo? Ha, ha, ha..."

E os três passaram depressa, fingindo nem dar ouvido, porém na curva da estrada, disse o velho decidido:

"Rapaz, aguenta daí enquanto daqui eu empurro. Só há um remédio agora, vamos carregar o burro. E por onde eles passavam, via o povo com assombro: o velho mais o garoto carregando o burro ao ombro.

"Vejam só que destemidos! Os dois carregando o burro! Devem ser loucos varridos."

E os dois, sem perda de tempo, puseram no chão o burro que, ao cair, apavorado, soltou um tremendo zurro.  Depois, já fraco e cansado, o velhote, aborrecido, chamou o rapaz de lado e lhe disse decidido:

"Menino, escuta-me cá. Monta no burro de novo. Fizemos mal em ouvir a tudo que diz o povo."

E a caminho do mercado, foram os dois finalmente. O garoto ia montado, a cantar alegremente. E o velho fazia coro, caminhando passo a passo, enquanto o trote do burro ia marcando o compasso.

"Vamos bem contentes ao nosso trabalho pelos verdes campos úmidos de orvalho.
Eu vou caminhando a pé, e tu montado de novo, sem prestar mais atenção a tudo que diz o povo.
Vamos bem contentes ao nosso trabalho pelos verdes campos úmidos de orvalho.
Vamos bem contentes ao nosso trabalho pelos verdes campos úmidos de orvalho..."

*

E ainda hoje, como professor, lembro dessa história com frequência quando levo meu velho, meu garoto e meu burro para as feiras: a segunda-feira, a terça-feira, a quarta-feira...

4 comentários:

  1. Muito linda crônica! De quem é a história?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que é uma fábula de Esopo. As adaptações para a Coleção Disquinho são do Braguinha.

      Excluir
  2. Essa história está no livro de Ruth Rocha.

    É impossível agradar os outros a toda hora. O que é possível é agradar a si mesmo, nem que seja pelo menos uma vez por dia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ainda não tinha pensado nessa segunda parte da moral da história. :) Grato, Sol.

      Excluir