quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

ONDE VOCÊ QUER TRABALHAR E ESPERANÇAR? (Didaticx 12)

Neste texto, uso a letra "i" como recurso de linguagem neutra.

Sonhar é também um ato de resistência às difíceis condições de trabalho que futuris professoris encontrarão tanto em escolas públicas quanto privadas. Em 2017, durante um dos estágios que fiz em minha segunda licenciatura em Pedagogia, cheguei a ouvir de uma professora a seguinte pérola:

— Vem fazer estágio na minha sala que você vai desistir da Pedagogia.

É difícil para a grande maioria dis professores manter vivos os ideias elevados que nos levaram a escolher essa profissão. Por isso gosto de realizar uma atividade em que is alunis de licenciatura procuram escolas em que gostariam de trabalhar, escolas que estejam à altura de seus sonhos.

A orientação para esta atividade é a seguinte.

Pesquisar espaços de educação alternativa em todo o mundo. (Se quiser, pode usar o mapa interativo de formas dissidentes de aprendizagem, pedagogias críticas e práticas educativas alternativas da REEVO por meio deste link: https://reevo.wiki/Experiencia?l=pt_PT). Escolher um espaço em que gostaria de trabalhar como professor e apresentar esse espaço e a atuação de seus professores em 5 minutos (oralmente e com suporte de fotografias) para a turma na próxima aula.

Na aula seguinte, divido a turma em pequenos grupos de quatro a seis pessoas. Como essa atividade já acontece depois do meio do semestre, geralmente não preciso mais misturar panelinhas: is alunis já formam grupos mais naturalmente com pessoas com quem não tinham amizade no início do semestre.

Nos grupos, as pessoas compartilham as escolas pesquisadas, indicando por que gostariam de trabalhar nelas. É um momento muito rico em que is alunis partilham sonhos que podem ser possíveis em alguns lugares do planeta. Algumas pessoas são mais práticas e escolhem escolas próximas. Tem gente até que diz que vai agendar uma visita e preparar o currículo para se oferecer para trabalhar lá. Outras pessoas sonham viajar e escolhem escolas em outros países, algumas bem distantes, do outro lado do mundo.

Depois desse momento de partilha, apresento ais alunis, ainda nos mesmos grupos, um desafio: propor a criação de uma nova escola com base nas características das escolas apresentadas em seu grupo. Ou seja, uma escola em que todas as pessoas do grupo gostariam de trabalhar, combinando características das escolas que cada pessoa escolheu. Cada grupo deve imaginar uma escola com nome, local, estrutura física, público atendido, cotidiano didático e mecanismos de avaliação. É uma forma de começarmos a vivenciar a linda fala de Paulo Freire:

"É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo."

Em seguida, cada grupo apresenta sua proposta de escola para toda a turma.

Com essa atividade, percebemos pela pesquisa que existem muitas pessoas tentando colocar seus sonhos educacionais em prática pelo mundo e exercitamos imaginar o projeto de nossos próprios sonhos educacionais.

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E você? Como trabalha os sonhos de trabalho de sis alunis? 

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Semana que vem, darei uma pequena parada para o descanso de final de ano. No início de janeiro, retorno para os episódios finais do Didaticx com:
- Mais jogos cooperativos adaptados para a sala de aula.
- As duas últimas atividades que faço em cada semestre, incluindo o emocionante Prêmio dis Melhores do Semestre.
- Um apanhado das variações de organização espaço-temporal que uso nas aulas.
- Duas formas de atribuir notas aos estudantes que venho usando nos últimos semestres.

Feliz e harmonioso Natal e uma passagem de ano que anuncie tempos melhores para todis nós.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

TRAGA SEU PRÓPRIO LIVRO (Didaticx 11)

Neste texto, uso a letra "i" como recurso de linguagem neutra.

Hoje vou compartilhar com vocês uma estratégia-coringa que pode ser usada para os mais variados tipos de conteúdo.

Essa atividade é baseada no jogo "Bring your own book" ("Traga seu próprio livro"), um jogo competitivo para 3 a 7 jogadores. O jogo tem apenas três componentes: um conjunto de cartas, cada uma com uma pergunta; uma ampulheta de 1 minuto; e livros que cada pessoa mesmo traz. O jogo competitivo original funciona assim...

Na sua vez de jogar, uma pessoa pega uma carta do topo do baralho de perguntas e lê para as demais pessoas. Exemplos de algumas perguntas do jogo original: algo falado por um animal em um conto de fadas; o título de um romance de mistério; a frase em um biscoito da sorte japonês; letra de uma canção sertaneja; a senha secreta para uma caverna mágica...

Em seguida, cada uma das outras pessoas precisa procurar em seu próprio livro, abrindo-o ao acaso, um trecho sequencial de qualquer tamanho que responda aquela pergunta. Obviamente, já que o livro pode não ter nada a ver com a pergunta, muitas vezes só se pode encontrar uma resposta inusitada, incomum, estranha, poética, e nisso está a graça do jogo. Por exemplo, vou achar no livro que estou lendo no momento uma resposta para "algo falado por um animal em um conto de fadas". Só um momento...

Pronto. Na página em que abri o livro, encontrei duas frases que podem servir: "vale a pena repetir a conclusão" e "observe o mundo, se quiser". Escolho a segunda.

Assim que a primeira pessoa encontra uma resposta, ela aciona a ampulheta e as demais pessoas têm mais um minuto para encontrar suas próprias respostas. Você quer experimentar? Então pegue aí um livro que esteja próximo e encontre uma resposta para "algo falado por um animal em um conto de fadas"...

Achou?! Então responda essa mensagem escrevendo o que encontrou. Estou curioso.

Passado um minuto, cada pessoa lê o que encontrou. Se alguém não encontrou nada, abre novamente seu livro ao acaso e lê a primeira coisa em que colocar os olhos. A pessoa que leu a carta-pergunta funciona como um juiz, escolhendo a melhor resposta e entregando para a pessoa que a encontrou a carta-pergunta. 

Em seguida, inicia-se uma nova rodada com a pessoa à esquerda de quem fez a pergunta na rodada anterior. O jogo segue assim até que uma pessoa ganhe 4 cartas (numa partida de 5 a 7 pessoas) ou 5 cartas (numa partida de 3 ou 4 pessoas). Essa pessoa é a vencedora do jogo. Durante o jogo, sempre que alguém ganha 3 cartas, cada pessoa passa seu livro para a pessoa à esquerda.

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Ao adaptar o jogo como uma atividade para a sala de aula, fiz algumas mudanças.

Primeiro, na aula anterior, peço que cada estudante traga não um, mas dois livros (para o caso de outra pessoa não trazer e poder pegar emprestado). Os livros devem ter a seguinte especificação: qualquer tipo de livro em português, de que você goste muito, que tenha texto em todas ou quase todas as páginas e que possa ser manuseado pelos colegas de turma.

Divido a turma em grupos de cinco ou seis pessoas. Sempre misturando as panelinhas.

Antes da atividade propriamente dita, cada pessoa do grupo apresenta em até um minuto o livro para as demais pessoas: título, autor, por que gosta daquele livro. Esse momento é importante por dois motivos. Primeiro, cada pessoa se sente bem ao compartilhar seu gosto de leitura com is colegas. É uma ótima chance de revelar sua própria personalidade por meio daquilo que gosta de ler. Geralmente, temos um conjunto variado de livros e de gêneros literários: da Bíblia (quase sempre presente) até ficção científica, passando por livros científicos, fantasia, distopia e poemas. Segundo motivo, é uma forma das pessoas descobrirem novos livros de que elas talvez possam gostar. Quando falamos apaixonadamente de um livro ou autor, isso costuma despertar o interesse de outras pessoas.

Além dos livros, os componentes agora são: em vez da ampulheta, o aplicativo de cronômetro do celular de uma das pessoas do grupo; e, em vez das cartas-pergunta do jogo original, papeizinhos (uma folha A4 rende  4 ou 8 papeizinhos) com perguntas relacionadas ao conteúdo que está sendo trabalhado na aula.

Na adaptação, removi o caráter competitivo do jogo. Quando todas as pessoas encontraram algo, elas conversam para decidir, se possível por meio de um consenso, qual a melhor resposta. A pessoa que encontrou essa resposta lê a próxima pergunta e, enquanto as demais pessoas procuram uma nova resposta, essa pessoa escreve a resposta anterior que encontrou no verso do papelzinho que tinha a pergunta. Dessa forma, fica um registro da melhor resposta para cada pergunta.

Uma coisa importante: as respostas precisam ter até 10 palavras. Nas primeiras vezes em que usei essa atividade, não estabeleci nenhum limite e algumas pessoas liam parágrafos inteiros, o que tomava mais tempo e era mais monótono. Além disso, respostas curtas tendem a ser mais interessantes, mais sujeitas a várias interpretações.

A atividade segue assim até que se esgote o tempo reservado para ela: geralmente, uns 90 minutos. Não há um vencedor, mas as pessoas geralmente se sentem vencedoras e animadas durante toda a atividade. Frequentemente pedem para continuar jogando.

Vou falar agora de mais algumas adaptações que fiz no jogo ao trabalhar vários conteúdos diferentes...

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ENTREVISTA COM PROFESSORES. Como escrevi no Didaticx anterior, às vezes uso essa atividade na sequência da entrevista com professoris. Então solicito, junto com os dois livros, que cada pessoa transforme as perguntas originais da entrevista em quatro perguntas curtas, que não possam ser respondidas com um mero "sim" ou "não" e que não tenham uma única resposta certa, ou seja, uma pergunta de resposta subjetiva. Cada pergunta deve ter mais três cópias legíveis, cada cópia num papelzinho do tamanho de um quarto de uma folha de A4, com a indicação do nome di aluni. Peço mais de uma cópia para que aquela pergunta possa ser respondida em vários grupos. Com a indicação do nome di aluni no papelzinho, é possível, ao final da aula, retornar para eli todas as respostas para as perguntas que eli trouxe.

ESCRITA CRIATIVA. Certa vez, numa turma da disciplina "Espaços-Tempos e composição humana", o querer de aprendizagem de algumas pessoas era "escrever crônicas", então fiz a seguinte adaptação. Cada pergunta estava relacionada a elementos característicos do gênero literário crônica: 1) tema da vida cotidiana; 2) acontecimento curioso; 3) estado de espírito do cronista; 4) personagem interessante; 5) frase inspiradora; e 6) trecho em que o cronista fala com o leitor.

1. Cada pessoa recebe um livro de crônicas para usar durante o jogo. Pode trazer um de casa, se quiser.

2. Cada pessoa tem 2 (dois) minutos para procurar no livro uma frase de 1 a 6 palavras que atenda ao elemento número 1 de uma crônica.

3. Ao terminar o tempo, cada pessoa lê a frase que escolheu e a escreve num papel que também deve conter a expressão “Elemento 1”.

4. Os papéis “Elemento 1” de todas as pessoas são agrupados formando um pequeno monte.

Repetem-se os passos 2 a 4 até que tenham sido formados seis montes contendo frases para os elementos de 1 a 6. A cada repetição, as pessoas passam o livro que têm em mãos para a pessoa à sua esquerda.

5. Os papéis de todos os montes são revelados, de modo que fiquem visíveis para todas as pessoas.

6. Cada pessoa escolhe seis papeis, sendo um de cada elemento. Várias pessoas podem escolher um mesmo papel de um dado elemento.

7. Cada pessoa terá 20 (vinte) minutos para escrever uma pequena crônica (de quinze a vinte e cinco linhas) contendo cada um dos seis elementos que escolheu.

8. Terminado o tempo, cada pessoa lê o seu texto para as demais, que apreciam como a pessoa conseguiu combinar em seu texto os seis elementos de uma crônica. 

RODA DE SENTIMENTOS. Também já usei essa atividade para o primeiro momento da aula, com todas as pessoas de pé, em círculo. Em vez de simplesmente identificar e dizer o próprio sentimento, cada pessoa procura um trecho que expresse o que está sentindo no momento.

FICHA DE OBSERVAÇÃO. Já usei até para a reflexão a partir da ficha de observação no final da aula. Sentadas, num grande círculo, cada pessoa preenche cada item da ficha com algum trecho que encontra no livro que trouxe. Eu dou um minuto para achar cada item. Terminado o tempo, as pessoas que conseguiram encontrar algo para aquele item leem para toda a turma. Se o tempo estiver curto, apenas três ou quatro pessoas leem.

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E aí? Se inspirou para adaptar o jogo para algum conteúdo de suas matérias ou disciplinas?

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Você faz alguma atividade em que is alunis trazem para a sala seus gostos culturais: livros, filmes, músicas, jogos? Como você faz isso?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

ENTREVISTANDO PROFISSIONAIS (Didaticx 10)

Neste texto, uso a letra "i" como recurso de linguagem neutra.

Entrevistar professoris é uma atividade de que is alunis de licenciatura costumam gostar. Pelo menos aquelis que desejam ser professoris. Quando estamos aprendendo algo (científico, artístico, religioso ou filosófico), é natural termos curiosidade sobre profissionais que trabalham nessa área e sua rotina de trabalho.

Para vocês terem uma ideia das variações possíveis, vou contar duas versões dessa atividade de entrevista. A primeira de 2017.2, na UECE, e a última de 2019.2 na UFC, um semestre antes da pandemia.

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Em 2017, antes das entrevistas, fizemos um planejamento coletivo das perguntas. Numa grade desenhada na lousa, cada aluni escreveu em uma célula uma pergunta que achava que deveria ser feita. Completada a grade, cada aluno votou em três perguntas de seus colegas, acrescentando um traço abaixo da pergunta. As perguntas com mais traços, as mais votadas, foram as perguntas básicas de um questionário de entrevista que foi utilizado na tarefa pedida...

Realizar, gravar e transcrever, individualmente, em duplas ou trios, uma entrevista com um(a) professor(a), usando o questionário indicado neste link (valendo 1,0 ponto para a gravação em áudio ou vídeo e 1,0 ponto para a transcrição das respostas inseridas no formulário do mesmo link). Entrega em até 15 dias.

As perguntas mais votadas naquele semestre foram as seguintes:

3. Vale a pena ser professor(a)?  Por quê?

4. Você se sente realizado(a) como professor(a)?  Por quê?

5. O que te motiva como professor(a)?

6. O que você acha que poderia melhorar na profissão com urgência?

7. Como você lida(ria) com o seguinte problema: [problemas trabalhados pelos entrevistadores]?

8. Se pudesse, você mudaria de profissão?  Por quê?

As perguntas iniciais eram apenas de identificação do nome e do tempo de ensino:

1. Professor(a), qual o seu nome?

2. Há quanto tempo você ensina?

Duas aulas depois, uma pessoa de cada grupo ia até a frente da sala e dizia, em até dois minutos, o que foi mais significativo na entrevista com o professor ou professora escolhido. Havia um pequeno tempo reservado para perguntas e comentários.

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Em 2019, usei como base para o roteiro de entrevista os três quereres de aprendizagem dis alunis a respeito da disciplina, que vimos no episódio anterior do Didaticx. A tarefa era a seguinte...

Realizar, gravar e transcrever, individualmente, uma entrevista com um(a) professor(a), enviando pelo questionário indicado neste link até a véspera da próxima aula, e trazer impressa para a próxima aula a cópia das respostas que você receberá por e-mail após enviar o formulário (valendo 1,0 ponto).

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:
1) Idealmente, a entrevista deve ser feita com um professor ou professora de um nível de ensino (fundamental, médio, superior) em que você gostaria de ensinar e na própria escola em que o professor ou professora trabalha, mas fiquem livres para realizar a tarefa entrevistando quem vocês quiserem e no local em que puderem (mesmo a distância).
2) A entrevista deve ser gravada em áudio. Caso você precise gravar vários áudios para fazer a entrevista, deve juntá-los em um só arquivo para enviar este arquivo pelo formulário.

As perguntas iniciais do formulário se referiam ao nome di professori, tempo de ensino, níveis de ensino em que atuava à época e instituição em que trabalhava. As demais perguntas eram as seguintes: 

Pergunta 1 relacionada ao que você quer aprender na disciplina de Didática (escreva a primeira pergunta que você fez ao professor ou professora).

Pergunta 2 relacionada ao que você quer aprender na disciplina de Didática (escreva a segunda pergunta que você fez ao professor ou professora).

Pergunta 3 relacionada ao que você quer aprender na disciplina de Didática (escreva a terceira pergunta que você fez ao professor ou professora).

Problema enfrentado pelo professor no dia a dia para o qual ele gostaria de uma solução (pergunte ao professor um problema didático que ele gostaria de resolver e transcreva a resposta dele abaixo).

Na aula seguinte, em grupos, is estudantis compartilhavam as respostas dos professores para as três primeiras perguntas do formulário. Depois, cada grupo se juntava com outro grupo e faziam sugestões para resolver a dificuldade indicada pelos professores na quarta pergunta do formulário. Ao final, cada grupo escolhia a dificuldade de um professor para apresentar para a turma, oferecendo também sugestões de como resolvê-la.

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E você? Pede ais alunis para entrevistar profissionais da sua área de ensino? Como?

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No próximo episódio, falarei de uma estratégia (adaptada de um jogo) que já usei para is alunis compartilharem o resultado de suas entrevistas com professoris. Mas como utilizo essa estratégia em muitas outras situações, ela merece um episódio à parte. Garanto que você vai adorar e vai querer usar imediatamente em uma de suas próximas aulas.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

QUANDO IS ALUNIS TOMAM CONTA DAS AULAS (Didaticx 09)

Neste texto, uso a letra "i" como recurso de linguagem neutra.

Procuro tanto adaptar minhas aulas à situação concreta dis alunis que às vezes esqueço de como seriam as aulas se eu tivesse condições ideais. Uma vez por semestre, tento me lembrar disso.

Nas primeiras aulas, quando is alunis tentam identificar a possível tendência pedagógica manifestada nas aulas, vários dizem "progressista libertária". E eu costumo responder que, embora haja muita participação, is alunis não estão se auto-organizando, o que é uma característica fundamental dessa tendência, mas apenas participam naquilo que eu, como professor, organizei em detalhes. Então faço uma aula para mostrar como seria essa tendência pedagógica na prática. 

Para compreender o que acontece nessa aula, quero contar a respeito de uma estratégia que eu usava bem antes e que foi se transformando até chegar nessa aula mais libertária.

Na mesma aula, ou na aula seguinte em que eu perguntava o que is alunis gostariam de aprender sem vinculação com a matéria, eu também perguntava o que eles queriam aprender em relação à disciplina. Da mesma forma que eu reservava algumas aulas para que is alunis compartilhassem o que iam aprendendo dos seus quereres gerais, também tínhamos aulas para compartilhar os aprendizados mais específicos relacionados à disciplina.

Com o passar dos semestres, comecei a me perguntar quão próximo ou distante estava aquilo que is alunis gostariam de aprender daquilo que eu precisava ensinar, do conteúdo obrigatório representado pelos itens da ementa do plano de ensino da disciplina. Então resolvi fazer uma atividade de teste: o mapa dos quereres.

Peço que cada estudante escreva com letras grandes e legíveis, numa folha de A4, três coisas que eles gostariam de aprender relacionadas à matéria. Cada coisa em uma folha. Eu também escrevo cada item da ementa em uma folha. Em seguida, crio dentro da sala ou arranjo próximo à sala, um espaço em que aquelas folhas possam ser colocadas, todas visíveis. Inicialmente, eu fazia no chão, mas também já fiz nas paredes. Dou ais alunis a seguinte missão: organizar todas as folhas por proximidade de assunto. Geralmente, deixo eles fazerem esse trabalho sem intervenções da minha parte. Caso tenham alguma dificuldade, ou quando dão o trabalho por concluído, eu sugiro ou comento alguma coisa. Quase sempre, elis fazem um trabalho muito bom sem a minha ajuda montando esse mapa dos quereres.

O que observei após realizar essa atividade algumas vezes é que não há muita distância entre o que is alunis querem aprender e os conteúdos obrigatórios da disciplina de Didática. Existe, algumas vezes, uma mudança de ênfase, com is alunis desejando aprender mais coisas práticas e menos coisas teóricas. Essa proximidade entre o que tenho a responsabilidade de ensinar e o que is alunis gostariam de aprender me fez confiar ainda mais nos desejos dis alunis e na adequação da ementa do plano de ensino.

Nessa época, 2014-2015, minhas aulas eram baseadas nesses aprendizados individuais compartilhados coletivamente ao longo do semestre. Talvez um dia eu faça uma segunda temporada do Didaticx contando como era nessa época. 

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Voltemos a como as aulas são atualmente e como o mapa dos quereres entra nessa aula seguindo a tendência pedagógica progressista libertária.

Cada aluni já traz de casa, como uma tarefa, as três folhas A4, cada uma com uma coisa que gostaria de aprender relacionada à disciplina. Dou então ais alunis a seguinte missão:

A partir dos quereres de aprendizagem expressos nessas folhas, planejem as nossas próximas quatro ou cinco aulas. Até 40 minutos antes do final da aula de hoje [esse tempo pode variar dependendo da quantidade de alunis da turma], vocês precisam apresentar um plano (objetivo, conteúdo, metodologia e avaliação) que a gente deve realizar nas próximas aulas. Eu ficarei apenas observando, mas vocês terão direito a três SOS Didática, momentos em que vocês podem me fazer uma pergunta ou pedir uma orientação, sugestão ou conselho didático. As aulas planejadas devem manter o espírito libertário, ou seja, vocês NÃO PODEM planejar aulas expositivas ou seminários a serem dadas por mim ou por vocês mesmis.

E então o caos começa em sala de aula. E eu sofro calado em meu canto, mas também vibro com as soluções que is alunis pensam. Aos poucos, com maior ou menor sofrimento, is alunis vão pegando o jeito da coisa e conseguem concluir ou se aproximar bastante de um plano exequível.

Algumis alunis se empolgam e participam animadamente, outris não dão conta do caos e, em algum momento, se sentam exaustos. Quem se animou, depois se desespera. Quem cansou, depois volta à ativa. Às vezes, elis fazem algo similar ao mapa de quereres. Outras vezes, vão direto anotando na lousa. É uma dinâmica imprevisível porque depende da personalidade de cada aluni e das habilidades de cooperação e negociação que elis apresentam coletivamente.

Quando o tempo se encerra, sentamos em um grande círculo e eu faço uma rodada dupla de perguntas que cada pessoa deve responder brevemente (em até 30 segundos).

Primeira pergunta: — Como você se sentiu durante o planejamento?

Segunda pergunta: — Você está disposti a levar esse planejamento adiante e realizar essas aulas junto com a turma e comigo ou você prefere que eu, como professor, assuma novamente o planejamento sozinho? Por quê?

Cada resposta não serve como um voto, mas eu avalio se há ou não disposição suficiente para continuarmos sendo libertários por mais algumas aulas. As respostas são bem variadas, mas, nesses vários semestre, uma fala razoavelmente comum é:

— Professor, eu me senti perdida no início, mas depois gostei da experiência. Mesmo assim, eu prefiro que você assuma novamente as aulas porque é muito estressante.

Nos vários semestres em que fiz essa atividade, em várias turmas, uma única vez levamos adiante o planejamento coletivo. Foi numa turma de Pedagogia. A partir do planejamento geral desse primeiro dia, fazíamos planejamentos mais específicos ao final de cada aula para a aula seguinte. Foi um grande desafio porque is alunis, facilmente, queriam ceder ao hábito expositivo, concentrando a execução do planejado em poucas pessoas. Principalmente no início, eu precisava lembrar constantemente o caráter coletivo e libertário da experiência. Com o tempo, elis mesmis começaram a perceber e alertar quando estavam abrindo mão do coletivo. Essa tensão nos levou a criar algumas soluções interessantes. Vou contar uma para que vocês tenham uma ideia.

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Para a 4ª aula, foi definido o tema "Relações de ensino e aprendizagem". Eis as imagens da lousa para o planejamento...




Para essa aula, quem podia levou pinceis extras e distribuímos um para cada pessoa. Na sua própria carteira, cada pessoa colocou uma situação-problema relacionada ao tema: "Relações de ensino e aprendizagem". Algo vivenciado pela própria pessoa ou algo que emergiu das leituras preparatórias que ela fez. Essa situação foi colocada na carteira principalmente por escrito, mas houve quem deixou o celular na carteira com um fone de ouvido para que víssemos um vídeo.

Preparadas as carteiras, as pessoas se levantavam, procuravam uma carteira vaga, sentavam, conheciam a situação-problema e escreviam algo a respeito com o pincel na própria carteira. E assim a gente foi levantando e sentando, repetidas vezes, até dar o tempo de 40  minutos.

Seguem algumas fotos das carteiras ao final desse tempo...



 

Depois conversamos livremente a respeito do assunto da aula a partir das situações-problema trazidas e das intervenções feitas nas carteiras. 

Em atividades como essa, todis somos professoris (planejando, levando material e executando) e todis somos alunis (participando e aprendendo umis com is outris). Eu gostaria que minhas aulas fossem mais assim.

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Para quem quiser conhecer uma abordagem didática que consegue realizar isso com mais frequência, recomendo pesquisar a respeito da Metadisciplina, criada genialmente pela professora Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva (Lilu) e sis estudantes: https://scholar.google.com/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&q=metadisciplina+silva&btnG=

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E você? Costuma incentivar o poder coletivo em sua sala de aula? Como?

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Nos próximos episódios, vou contar o que costumo fazer quando is alunis, ao final dessa aula libertária, decidem que eu devo retomar o planejamento da disciplina.