Neste texto, uso a letra "i" como recurso de linguagem neutra.
Os jogos que quero compartilhar com vocês hoje geralmente exigem poucos recursos e, principalmente, pouco tempo de preparação prévia. Também costumo realizá-los em aproximadamente 90 minutos. Como eu aplico esses jogos sempre com pequenas variações, vou fazer uma descrição mais genérica. Mas tenha em mente, caso queira usar em sua sala de aula, que você precisará fazer algumas modificações.
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APENAS UMA VEZ. Adaptação de “Só uma”, jogo cooperativo de adivinhação de palavras para 3 a 7 jogadoris. Em sala de aula, jogo com a turma inteira de uma vez (umas quarenta pessoas). O jogo tem no máximo sete rodadas, cada uma com uma palavra a ser adivinhada, e a turma precisa adivinhar quatro palavras corretamente para ganhar o jogo. Se errar quatro palavras, a turma perde o jogo.
A cada rodada, uma dupla de estudantes se candidata para tentar adivinhar a palavra da vez. Essa dupla deva sair da sala de aula ou então ficar sem ver e/ou ouvir a escolha da palavra a ser adivinhada. A palavra pode ser escolhida de várias maneiras. Eu gosto de usar o livro "Oculto nas palavras - dicionário etimológico para ensinar e aprender", que traz verbetes relacionados à educação. Mas pode ser usado um livro qualquer de conteúdo da disciplina. Ou posso eu mesmo pensar numa palavra ou pedir que algumi aluni indique uma palavra relacionada à matéria. Essa palavra deve ser comunicada a todas as pessoas menos à dupla.
Cada pessoa então escreverá uma pista, uma dica, para que a dupla adivinhe a palavra. Eu uso folhas A4 de plástico (tipos aquelas capas transparentes para encadernação) e pincéis de quadro branco para escrever nelas. Cada pessoa deve ter um plástico e um pincel. A dica, uma palavra de no máximo nove letras, não pode ter o mesmo radical da palavra a ser adivinhada. Por exemplo, se a palavra for "estudante", não é permitido dar a dica "estudo" ou "estudar", que tem o mesmo radical. Também não é permitido "universidade", que tem mais de nove letras. Só a pessoa que escreveu a dica pode vê-la por enquanto. Após um certo tempo, geralmente um minuto, quem conseguiu escrever alguma coisa revela sua dica, levantando sua folha. Para facilitar a visualização, cada pessoa tem também uma folha A4 normal para cobrir o fundo da folha transparente.
Dicas idênticas ou de mesmo radical são todas eliminadas. Por exemplo, se para a palavra "estudante" uma pessoa escreveu "aluno" e outra pessoa escreveu "aluna", essas duas palavras são apagadas das folhas de plástico. A folha comum de A4 pode ser usada como "borracha" para apagar. Quando só houver dicas únicas, ou seja, apenas as dicas que apareceram uma única vez, então essas dicas são mostradas para a dupla que terá um certo tempo (geralmente três minutos) para conversar a respeito das dicas e dizer qual a palavra. A dupla tem uma única chance de acertar. Enquanto a dupla está conversando, o restante da turma deve permanecer em silêncio e evitar reagir para não dar pistas extras.
Caso a dupla erre, joga-se uma nova rodada da mesma forma que a rodada anterior, escolhendo-se uma nova dupla e uma nova palavra.
Caso a dupla acerte, além de uma nova dupla e de uma nova rodada, as dicas devem ter no máximo duas letras a menos que na rodada anterior. Dessa forma, quando a primeira palavra for acertada, a dica das próximas rodadas deve ter no máximo sete letras. Quando a segunda palavra for acertada, as dicas seguintes devem ter no máximo cinco letras. E, quando a terceira palavra for acertada, para que a turma acerte a quarta palavra e ganhe o jogo, as dicas seguintes devem ter no máximo três letras.
Esse jogo adaptado sempre rende bons momentos em sala de aula. E é de fácil adaptação para qualquer conteúdo, bastando usar palavras relacionadas à matéria estudada pela turma.
Só por curiosidade... dia desses, readaptei esse jogo para uma confraternização de Natal, usando palavras relacionadas à data festiva e escrevendo as pistas em copos de vidro. Apesar dos poucos copos e pinceis, foi bem divertido.
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CASOS DE ESCOLA. Adaptação de “Histórias sinistras”, jogo cooperativo de resolução de mistério para 2 a 15 jogadoris. Em sala de aula, jogo uma primeira partida com a turma inteira de uma vez (umas quarenta pessoas). Leio um texto enigmático para a turma, relacionado a alguma aula ou algo curioso que aconteceu em uma escola. Por exemplo...
Durante a aula de História, os alunos do 9º ano querem chamar um médico para atender o professor, mas o professor proíbe.
E digo:
— Adivinhem por quê.
Is alunis então começam a me fazer perguntas, que eu posso responder apenas com "sim", "não", "irrelevante", "não sei", "talvez". Caso algumi aluni faça alguma pergunta que não pode ser respondida assim, peço que refaça a pergunta. Quando achar que descobriu a resposta, qualquer estudante pode dizê-la, sem penalidade caso erre. O jogo segue assim até que a turma consiga decifrar o mistério ou desista de adivinhar. Eu então leio outro pequeno texto que explica a situação enigmática. Caso a turma esteja com muita dificuldade, posso dar uma dica para colocá-los no rumo.
Após essa partida de exemplo, peço que cada aluni individualmente crie seu próprio caso a partir de algo que vivenciou em alguma escola como estudante, estagiari ou professori. Devem ser criados dois pequenos parágrafos: um que apresente o mistério; outro que explique a solução.
Em seguida, divido a turma em pequenos grupos de quatro a seis pessoas. Cada pessoa lê o seu caso para as demais, que tiram dúvidas e sugerem mudanças na redação, procurando tornar o primeiro parágrafo mais atraente e misterioso, e o segundo parágrafo mais claro e explicativo. Quando a redação de todos os casos foi revisada, peço que cada grupo escolha o caso mais interessante. A pessoa que criou esse caso muda então de grupo e vai realizar o jogo, baseado em seu caso, para outras pessoas.
Esse jogo adaptado revela histórias incríveis e também é garantia de diversão. Pode ser facilmente readaptado, já que em qualquer área de estudo ou trabalho sempre há histórias curiosas para contar.
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INTRUSI. Adaptação de "Spyfall", jogo de dedução cooperativo e competitivo para 3 a 8 jogadores.
Numa folha de papel A4 cortada em 8 partes iguais, cada pessoa desenha em 7 dessas 8 partes o mesmo desenho de um lugar da universidade (sala de aula, laboratório, pátio, restaurante universitário, reitoria etc.). Antes de cada pessoa começar a desenhar, certifique-se de que não há duas pessoas desenhando o mesmo espaço. Na parte restante da folha, a 8ª parte, cada pessoa deve desenhar apenas pontos de interrogação. Pronto, estão feitas as cartas do jogo.
Em seguida, a turma se divide em grupos de 5 a 7 pessoas. As pessoas de cada grupo passam suas cartas para o grupo à esquerda, sem misturar, ou seja, em conjuntos de 8 cartas, com a carta de interrogações no topo.
Cada grupo joga da seguinte forma. Uma das pessoas pega um dos conjuntos sem olhar os desenhos e separa tantas cartas quanto o número de jogadores, incluindo a carta de interrogações (num jogo de 6 participantes, seriam uma carta de interrogações e cinco cartas de desenhos). Essas cartas são embaralhadas e distribuídas secretamente a cada pessoa. Todas as pessoas menos uma (aquela que pegou a carta de interrogações) saberá o espaço em questão. A pessoa com a carta de interrogações será a intrusa. O objetivo desta pessoa no jogo é adivinhar qual o local. O objetivo das demais pessoas é descobrir quem é a pessoa intrusa.
O jogador que distribuiu as cartas faz uma pergunta, relacionada ao local desenhado, para um outro jogador à sua escolha, que a responde. Por exemplo, "Você esteve nesse espaço nos últimos dias?" ou "Você acha que esse espaço estará aberto na hora do intervalo?". Esse jogador faz uma nova pergunta a um outro jogador qualquer, e assim por diante, até que i intrusi se revele e decida adivinhar o espaço desenhado (caso acerte, i intrusi ganha a partida; caso erre, o restante do grupo ganha) ou até que o grupo decida adivinhar, em consenso, quem é i intrusi (caso acerte quem é, o grupo ganha a partida; caso erre, i intrusi ganha a partida). Se em até 8 minutos, ninguém decidir adivinhar , então o grupo precisa acusar alguém de ser i intrusi e definir quem ganhou ou perdeu o jogo.
Da primeira vez que usei esse jogo, eu já trouxe os conjuntos de cartas com os lugares, mas ter esse primeiro momento de desenho se mostrou bastante frutífero. Para a maior parte das pessoas, foi estimulante e relaxante desenhar. Sem contar que tive menos trabalho prévio. Muitas vezes, nós professoris trabalhamos mais do que deveríamos, tirando dis alunis a oportunidade de se envolver mais na realização das aulas.
Como todo lugar (escola, empresa, bairro etc.) é cheio de espaços significativos, esse também é um jogo que pode ser readaptado para os mais variados contextos. A identificação dos espaços, o seu desenho e as perguntas relacionadas a eles são bem reveladores da relação que as pessoas têm com os espaços escolhidos.
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ESCOLHA. Adaptação de "Choose one", jogo competitivo para 3 a 10 jogadores. Ainda não fiz uma adaptação cooperativa para esse jogo, mas mesmo competitivo ele traz algo que para mim é muito importante: o conhecimento mútuo entre as pessoas.
Numa folha de A4 cortada em 8 partes iguais, cada pessoa escreve em cada parte uma pergunta diferente sobre algum tipo de preferência relacionada ao conteúdo da disciplina (Aula expositiva ou debate? Livro didático ou materiais diversos? Aluno questionador ou aluno obediente? Etc.). Pronto, estão feitas as cartas do jogo.
Em seguida, a turma se divide em grupos de 4 a 6 pessoas. Cada grupo junta e embaralha as cartas com as perguntas, formando uma pilha. Uma pessoa fica responsável por anotar a pontuação em uma folha com os nomes de todos os participantes. I primeiri jogadori (escolhidi aleatoriamente) pega uma das cartas da pilha e lê para os demais jogadores. Cada pessoa, em silêncio, escolhe sua preferência baseada no que acha que i jogadori da vez responderá. I jogadori da vez (aquele que leu o papel) conta até três e todas as pessoas (incluindo i jogadori da vez) estendem um dos braços revelando um ou dois dedos (à semelhança do par-ou-ímpar ou do zerinho-ou-um). Um dedo indica preferência pelo primeiro item da pergunta (aula expositiva, por exemplo). Dois dedos indicam preferência pelo segundo item da pergunta (debate, por exemplo). Ganham um ponto i jogadori da vez e cada outra pessoa que escolheu a mesma preferência deli. Caso ninguém acerte a preferência di jogadori da vez, ou caso todos acertem a preferência deli, ninguém marca pontos. O processo se repete com uma nova pergunta, feita pela pessoa à esquerda da pessoa anterior, até que uma das pessoas atinja 10 pontos. Se ela atingir 10 pontos sozinha, vence a partida. Se mais de uma pessoa atingir 10 pontos ao mesmo tempo, vence quem tiver mais pontos sem ser em situação de empate com outra pessoa. Por exemplo, se ao final de uma rodada duas pessoas terminarem empatadas com 10 pontos, outras duas pessoas terminarem empatadas com 8 pontos, e uma quinta pessoa tiver 5 pontos, essa última pessoa será a vencedora.
Esse jogo também é bem animado e permite às pessoas se conhecerem e
se reconhecerem mais em assuntos relacionados ao tema da disciplina.
Curiosidade: depois dessas duas adaptações, quando eu dizia que iríamos jogar algo novo, algumas pessoas brincavam dizendo "lá vamos nós cortar uma folha em 8 pedacinhos". :)
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MÉDIUM. Adaptação de "Medium", jogo competitivo de adivinhação de palavra para 2 a 8 jogadores. Diferente das demais adaptações, essa eu realizo em menos tempo, de 20 a 30 minutos.
Formam-se pares. Em cada par, as pessoas pensam em uma palavra ou pegam num saco um papelzinho que tem uma palavra associada ao conteúdo da disciplina, contam até 3 e dizem simultaneamente a sua palavra. Essas duas palavras servem como base. Cada pessoa pensa então em uma nova palavra que se relaciona com as duas palavras de base, contam até 3 e falam simultaneamente as novas palavras. Se as palavras não coincidirem, essas novas palavras servem como base para que a dupla faça mais uma tentativa de pensar numa palavra que junte as duas palavras anteriores. Não vale repetir palavras que já foram ditas. E assim segue até que as duas pessoas digam simultaneamente a mesma palavra e vençam o jogo. Cada pessoa da dupla procura então uma nova dupla para iniciar uma nova partida.
Por exemplo, duas pessoas escolhem e falam "escola" e "livro", depois adivinham "didático" e "apostila". Como não disseram a mesma palavra, precisam adivinhar de novo com uma palavra que ligue "didático" e "apostila". As duas pessoas falam "manual" e "manual" e vencem a partida.
Essa adaptação é incrivelmente simples e muito, mas muito divertida. Tem duplas que precisam de várias adivinhações até falarem a mesma palavra e, quando conseguem, é uma explosão de alegria.
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AFLUENTES. Esse jogo é uma criação minha, inspirada no Jogo da Forca, que comecei a elaborar junto com algumis estudantes de uma turma presencial de 2019, mas só se tornou realidade nas turmas remotas.
A atividade, realizada via WhatsApp, tem duas fases. Uma de jogo, propriamente dito, e outra de escrita criativa. Os participantes receberão uma primeira palavra (relacionada ao conteúdo da disciplina) com uma letra revelada e várias letras ocultas. Ao lado, em parênteses, a palavra pensada. E, em seguida, o nome de quem pensou na palavra e acrescentou a letra.
_ _ _ O _ _ (E S C O L A) Eduardo
O objetivo do jogo é adivinhar mais e mais palavras, uma por jogada, sempre acrescentando uma letra e uma nova palavra pensada, até que não reste mais nenhuma letra oculta. Todos jogam simultaneamente, não é preciso esperar pela jogada de outra pessoa. A partir da palavra original, várias sequências de palavras vão sendo montadas simultaneamente. A jogada é feita respondendo com citação a uma sequência anterior. Mas você só pode fazer uma jogada por cada sequência de palavras. Se alguém fizer mais de uma jogada na mesma sequência, aquela sequência é desclassificada.
Exemplo de sequência 1
_ _ _ O _ _ (E S C O L A) Eduardo
_ _ _ O V _ (E S C O V A) Fulana
_ _ _ O V A (R E N O V A) Beltrano
Faltam ainda três jogadas para que esta sequência se complete.
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Exemplo de sequência 2
_ _ _ O _ _ (E S C O L A) Eduardo
C _ _ O _ _ (C A R O Ç O) Sicrana
C _ R O _ _ (C O R O A R) Fulana
C _ R O _ A (C A R O N A) Beltrano
Faltam ainda duas jogadas para que esta sequência se complete.
...
Estabelece-se um tempo, por volta de 15 minutos. Se os participantes conseguirem completar uma sequência naquele tempo, ganham o jogo. Caso contrário, perdem.
Na segunda fase da atividade, pegam-se as palavras da sequência completa, ou da que tiver mais palavras, e cada participante precisa escrever um texto, em 5 minutos, com o tema da primeira palavra (relacionada ao conteúdo da disciplina) e que contenha todas as palavras da sequência. Os textos são compartilhados e lidos.
Link para um vídeo explicativo das regras: https://drive.google.com/file/d/13SKHcIpyeuV9o57KiPMwT8VPKvPid-95/view?usp=sharing.
Quando eu for realizar presencialmente este jogo, posso utilizar papel comum ou então as folhas plásticas do APENAS UMA VEZ. E cada pessoa pode iniciar sua própria sequência, ou seja, teríamos várias palavras iniciais potencialmente diferentes. Penso que funciona melhor com palavras de 6 letras, mas pode-se tentar com menos ou mais letras para tornar o jogo, respectivamente, mais fácil ou mais difícil.
Esse é um jogo aparentemente simples, mas bastante desafiador. E muitos textos criados pelis alunis são bem criativos. Vejam esse exemplo de sequência completa e de texto feito por um estudante em 2020:
_ _ _ _ _ O (E N S I N O)
_ A _ _ _ O (C A B E L O)
_ A _ _ D O (S A I N D O)
C A _ _ D O (C A L A D O)
C A _ A D O (C A V A D O)
C A P A D O (C A P A D O)
"A vivência na prática do ENSINO promove a seus participantes inúmeras oportunidades de aprender na prática o que se quer ensinar e como se pode ensinar. Muitas vezes há práticas, como essa, que deixam o participante de CABELO em pé, devido à dificuldade de generalizar para o grupo, SAINDO da sua zona de conforto para um ação mais imediatista. Se o professor não se programa para uma possibilidade não imaginada, o mesmo pode ficar CALADO, dando a seus ouvintes a falsa impressão de que se perdeu na continuidade do seu planejamento. Optar por atividades mais fáceis não significa que o professor está CAPADO de conhecimento e sim que tenha CAVADO mais fundo para dar maior leveza às aulas." (Anderson)
Esse texto demonstra como jogos adaptados, relacionados ao conteúdo da disciplina, podem ser fonte de ludicidade e de profunda reflexão a respeito dos assuntos que is estudantes precisam aprender.
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Todos os jogos que já adaptei e os que ainda quero adaptar estão nesta planilha: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1P9Jbj1lHianGCw0eBb5OwfGF0Ke4AJKobGVGY-AWlH4/edit?usp=sharinghttps://docs.google.com/spreadsheets/d/1P9Jbj1lHianGCw0eBb5OwfGF0Ke4AJKobGVGY-AWlH4/edit?usp=sharing. Fique à vontade para conhecer e readaptar. Tem um jogo de competição entre times que de vez em quando uso e que talvez você tenha interesse em conhecer. Chama-se "Código secreto". Dá uma olhada lá.
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E aí? Se animou para readaptar algum jogo? Você já joga algum jogo diferente desses em sua sala de aula? Qual? Como você aplica?