Neste texto, uso a letra "i" como recurso de linguagem neutra.
O Didaticx está chegando na reta final. Este é o antepenúltimo episódio. Daqui a duas semanas, contarei para vocês duas atividades emocionantes que faço no último dia de aula. E semana que vem, compartilharei minha visão sobre a organização dos espaços e dos tempos, meio que uma síntese da lógica por trás de todas as atividades que tenho relatado.
Hoje quero compartilhar as maneiras que tenho encontrado de estabelecer as notas que is alunis receberão durante a disciplina. São basicamente duas maneiras: uma que vinha usando no ensino presencial e outra que passei a usar no ensino remoto. Mas antes precisamos voltar um pouquinho no tempo...
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Quando comecei a dar aulas, eu tinha duas turmas de História de 8ª série (hoje 9º ano). O colégio particular tinha sete turmas de 8ª série no total, com mais três professoris de História. O que acontecia? A cada um dos quatro bimestres, umi de nós professoris elaborava a prova para TODAS as turmas. Das quatro provas que mis alunis faziam durante o ano, três eram elaboradas por outris professoris. Talvez você já saiba as implicações disso, mas vou arriscar ser repetitivo...
Podemos compreender a avaliação como uma forma de valorar processos qualitativamente e quantitativamente. Quando o resultado de tal avaliação tem o poder de definir a aprovação ou a reprovação de estudantes, ela tende a se tornar definidora das atividades que são propostas. Corre-se o risco de só se realizar ou enfatizar atividades que serão avaliadas. Lembre do que acontecia com os vestibulares e do que acontece com o ENEM: praticamente todas as atividades didáticas dos três anos do ensino médio são feitas com o propósito de aprovação no exame seletivo.
Isso também acontece com as avaliações internas da escola. Is alunis mesmo perguntam:
— Professor, isso aí vai cair na prova?
Porque se for cair na prova, merece atenção. Se não for cair na prova, deixa pra lá.
Como mis alunis de 8ª série seriam avaliados com provas feitas por outris professoris, minha autonomia sobre o que ensinar estava reduzida. Todis is professoris eram incentivadis a ensinar a mesma coisa, seguindo o livro didático.
A gente viveu tantos anos assim como aluni que pode até achar que não há nenhum mal nisso, que deve ser assim mesmo. Mas basta você dar aulas em outros ambientes mais informais ou então em universidades públicas para perceber que pode ser diferente. Na universidade, ainda temos que registrar a frequência dis alunis (precisam de pelo menos 75% para passar) e precisamos dar de uma a três notas por semestre, mas temos bem mais liberdade para definir a maneira de fazer isso.
Então como faço?
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A primeira maneira, que eu fazia presencialmente até o início da pandemia, tem alguma inspiração na minha querida mestra e amiga Luiza de Teodoro. Certa vez, numa entrevista, ela disse:
"(...) no 1° grau, [eu] dava nota a tudo, já que tinha que dar a nota. Era uma maneira de desmoralizar e ao mesmo tempo moralizar a nota. Assim: se o menino fazia o dever de casa, pelo fato de ter feito, ele se atribuía uma nota, e pelo fato de não ter feito, injustificadamente, ele próprio sabia que era uma outra nota, menor, ou pelo menos não tinha aquela".
Geralmente atribuo duas notas por semestre. E cada nota é a soma da realização de pequenas tarefas. Por exemplo, a partir das atividades que já contei para vocês aqui no Didaticx... Trazer e preencher a ficha de observação pode valer 0,5 ponto ou 1 ponto. Escrever o memorial e me enviar por e-mail pode valer 2 pontos. Trazer o memorial impresso pode valer 1 ponto. Trazer 3 cartazes A4, cada um indicando o que a pessoa gostaria de aprender na disciplina, pode valer 1 ponto. Realizar, gravar e transcrever uma pequena entrevista com umi professori pode valer 2 pontos. E assim por diante.
Em todos os casos, não faço distinção entre uma tarefa mais bem feita ou menos bem feita. A pontuação é ganha por ter tentado e conseguido fazer a tarefa da maneira que foi possível.
As tarefas também não têm a intenção de verificar o aprendizado dis alunis. Geralmente as tarefas são trazer ou produzir algum recurso que será utilizado em sala de aula. As tarefas não são para mostrar que se fez mas para serem úteis às atividades que acontecem em sala de aula. Muitos dos materiais que utilizamos na aula são produzidos e trazidos pelis alunis por meio dessas tarefas.
Todas as tarefas solicitadas, bem como todas as atividades realizadas, estão registradas numa planilha específica para cada turma. Dessa forma, is alunis podem acompanhar suas notas na medida em que vão sendo somados os pontos das tarefas. Se você quiser dar uma olhada numa dessas planilhas, é só acessar este link: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1MaTY_rbPNX42mLaJRzhDk2O_RNt73Mk9auRXdNI9Y40/edit?usp=sharing. Apenas ocultei as colunas em que aparecem os nomes dis alunis para preservar a privacidade delis.
Na universidade, e em algumas escolas, existe uma espécie de prova final para quem não passou por média. Assim diz o Guia do Estudante da UFC: "No sistema semestral, a aprovação por média ocorre quando o aluno obtém nota igual ou superior a 7,0. Caso tenha conseguido mais que 4,0 e menos que 7,0, tem o direito de submeter-se à Avaliação Final (AF), cuja nota somada à média das APs deve resultar numa média igual ou superior a 5,0 para aprovação." Imagine o seguinte caso: a pessoa tem média 6,0 e vai para AF. Ela tira 4 na AF. 4 + 6 = 10. 10 ÷ 2 = 5. A pessoa tinha média 6,0 e não passou. Agora tem média 5,0 e passou. É possível levar isso a sério?
Então, se uma pessoa de uma das minhas turmas tirou entre 5,0 e 6,9, ofereço a ela duas possibilidades: 1) repetir automaticamente essa nota no AF para que ela seja aprovada com essa nota; 2) fazer uma AF.
A pessoa que teve média entre 4,0 e 4,9 precisará fazer AF.
Geralmente, tenho de 1 a 3 pessoas por turma que fazem AF.
E como é minha AF? Uma adaptação da ficha de observação. Só que, em vez de refletir sobre a aula que acabamos de ter, a pessoa deve refletir sobre uma aula ficcional. Geralmente pego um livro do Harry Potter (já que é uma leitura do agrado dis alunis) e escolho um trecho em que é narrada uma aula na escola de magia de Hogwarts. Um exemplo das questões após a leitura do trecho escolhido...
1. Quais as definições original e contemporânea de Didática? (1,0 ponto)
2. Quais as dimensões da Didática, como se caracterizam e como se manifestaram na aula do Prof. Hagrid? (3,0 pontos)
3. Escreva o possível plano da aula do Prof. Hagrid, incluindo objetivos, conteúdo, metodologia e avaliações. (4,0 pontos)
4. A prática pedagógica do Prof. Hagrid, revelada na aula, se aproxima mais de qual tendência pedagógica? Justifique sua resposta. (2,0 pontos)
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Agora a segunda maneira de dar notas. Quando estávamos fazendo a transição para o ensino remoto em 2020, eu não quis manter o sistema de tarefas. A situação de muitis alunis e suas famílias era crítica: doenças físicas e mentais (ansiedade, depressão), desemprego, internet lenta, aparelhos eletrônicos defasados... E eu não queria colocar mais nenhum peso nessa situação.
Optei então por um formulário de autoavaliação a ser preenchido no final do semestre. Segue o texto de abertura do formulário que tenho usado durante o ensino remoto.
Se você está acessando este formulário, considere-se um(a) vencedor(a). :)
Temos tido muitas perdas nos últimos meses: de pessoas queridas, de emprego, de renda, de saúde física, mental e emocional, muitas vezes até de esperança. Então, se você chegou até aqui, está de parabéns por estar superando todos esses desafios. Claro que não estamos conseguindo isso facilmente, nem de maneira perfeita, nem da maneira que gostaríamos. Mas não sejamos muito duros com nós mesmos. Reconheçamos que estamos fazendo o melhor que podemos, mesmo que esse melhor pareça pouco se comparado ao que poderíamos fazer em tempos pré-pandemia.
Com esse espírito, procure fazer a autoavaliação que se segue, que é qualitativa e também quantitativa, que servirá para você refletir sobre seus aprendizados e também para atender à obrigatoriedade de uma nota para o seu histórico.
O último formulário que apliquei, antes do encerramento de meu contrato como professor substituto da UFC, tinha as seguintes perguntas:
O que você aprendeu na sua vida como um todo desde maio de 2021?
Desde maio de 2021, o que você aprendeu na UFC, incluindo o que aprendeu nas outras disciplinas que está fazendo neste semestre?
O que você tem aprendido especificamente na disciplina de Didática, incluindo os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?
Baseada(o) nas suas três respostas acima, escolha uma das três opções abaixo...
1) Meu desempenho na disciplina de Didática foi satisfatório e penso que devo ser aprovada(o) por média. (Se escolher esta opção, você atribuirá uma nota de 7 a 10 para si mesma(o) na sequência deste formulário.)
2) Tenho dúvidas se aprendi o que deveria aprender na disciplina de Didática e gostaria de fazer uma prova para que o professor avalie meu aprendizado. (Se você escolher esta opção, terá que responder a algumas questões a respeito do conteúdo conceitual da disciplina. Baseado em suas respostas, o professor atribuirá uma nota para você, entre 0 e 10.)
3) Meu desempenho na disciplina de Didática foi insatisfatório e penso que devo ser reprovada(o). (Se você escolher esta opção, terá que definir, na página seguinte, se prefere ser reprovada(o) por nota ou por falta.)
Caso a pessoa tenha escolhido a opção 1, ela escolherá uma nota de 7,0 a 10,0 com variações de 0,5 em 0,5 ponto.
Caso a pessoa tenha escolhido a opção 2, ela responderá perguntas de uma AF como descrevi acima.
Caso a pessoa tenha escolhido a opção 3, ela indicará se prefere ser reprovada por falta ou por nota. Isso faz diferença para algumas pessoas devido a recebimento de bolsas ou outras questões acadêmicas.
Para concluir, uma pergunta opcional:
Se quiser, faça algum comentário final a respeito da disciplina, do professor ou deste formulário.
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É assim que venho avaliando, esperançando na direção de que as avaliações em nossas instituições possam cumprir realmente seu papel de valorar os processos de ensino e de aprendizagem e não simplesmente de classificar, aprovar e reprovar estudantes.
E você? Como sente, pensa e faz avaliações?
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