sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Turmalização do ensino

O computador e outras tecnologias digitais sempre se aproximam da educação com uma promessa, a personalização do ensino: cada estudante terá um feedback individual e aprenderá em seu próprio ritmo. Embora tal intenção tenha seus atrativos também traz o risco de aumentar o individualismo já tão presente em nossa cultura educacional.

Na escola moderna tradicional, desenvolvida nos dois últimos séculos, a junção de várias pessoas de mesmo nível intelectual, a turma, em um mesmo ambiente, a sala de aula, cumpre uma função principalmente econômica: que um único professor consiga dar conta de um tanto de gente. Todo mundo junto, mas separado, cada um olhando para a nuca do outro, com foco no professor que está lá à frente. Tal arranjo só precisaria durar, segundo essa lógica, até surgir uma tecnologia que viabilizasse economicamente cada aluno aprender sozinho.

Nos últimos anos de minha experiência como professor, tenho ido na contramão disso. Meu foco tem se ampliado do estudante individual para a turma. Não por desconsiderar o estudante específico, mas por perceber que quanto mais ele está integrado à turma, melhor ele se sente e aprende. Nas minhas aulas presenciais, quase todas as atividades envolvem uma interação direta entre os estudantes, não olhos na nuca, mas olhos nos olhos: em duplas, em pequenos grupos, num grande círculo.

Sinto a necessidade de trabalhar o sentimento coletivo das pessoas, de fazê-las se conhecer, de perceberem os distanciamentos e aproximações que há entre elas, de trabalharem e se divertirem cooperativamente. Tal necessidade se tornou mais forte desde o ano eleitoral de 2018. Não vamos a lugar nenhum neste país e neste planeta se continuarmos a ver uns aos outros como inimigos a serem excluídos, cancelados, eliminados. 

Ontem escrevi sobre o primeiro objetivo da educação nacional: o pleno desenvolvimento da pessoa. Pois o segundo é "seu preparo para o exercício da cidadania", essa condição de cidadão, de pertencente a uma cidade, de participante de um coletivo, de parceiro em espaços públicos compartilhados.

A lógica do eu e dos meus primeiro precisa abrir espaço para uma vivência comunitária mais empática, afetiva e amorosa. Sem prejuízo dos benefícios da personalização, precisamos preparar também a turmalização do ensino. Dar as mãos, cantar e dançar em aulas-ciranda.

7 comentários:

  1. Os valores fundantes da sociedade brasileira continuam sendo os mesmos trazidos pelos portugueses quando invadiram o Brasil em 1500. Privilégios, patrimonialismo, racismo, patriarcalismo, liberalismo. O processo pedagógico continua a ser um fornecedor de mão-de obra qualificada, sob os mesmos valores.

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  2. Sempre tive muita dificuldade em participar de grupos e formar grupos de alunos. Há, muitas vezes, um desnivelamento de um aluno para o outro e resulta em alguns ficarem sobrecarregados ou até em bullying. Entretanto, concordo que precisamos trabalhar de forma intensa a noção de coletividade.

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    1. A dificuldade vem justamente de não sermos educados para isso, Paulo Roberto. :) Essa dificuldade na idade escolar vai se transformar nas mazelas da vida adulta: sobrecarga vira estresse e depressão, bullying vira violência doméstica e assassinatos... Por isso a importância de trabalharmos isso o mais cedo possível.

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  3. Sempre tive muita dificuldade em participar de grupos e formar grupos de alunos. Há, muitas vezes, um desnivelamento de um aluno para o outro e resulta em alguns ficarem sobrecarregados ou até em bullying. Entretanto, concordo que precisamos trabalhar de forma intensa a noção de coletividade.

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  4. Maria do Socorro Oliveira da Silvasábado, 23 janeiro, 2021

    E como fazer isso? Mudar? Em um meio tão remoto, onde as pessoas já não têm mais um momento para se encontrarem? A coisa é tão séria que nas aulas do meet, só o professor liga a câmera, mas os alunos não. Criou-se no ensino remoto uma muralha protetora da exposição pessoal.É isso aspessoas têm construído muros em torno de si e quando voltarmos a ser presenciais, vai ser uma luta para derrubá-los. Mas isso será preciso para continuarmos a caminhar.

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