No terceiro dia, lá estava eu: olhos cheios de expectativa e corpo leve de empolgação. Era dia de seguir a trilha novamente. Antes da partida, precisei fazer um ritual importante: recarregar o talismã magnético, aquele que nos permite atravessar os portais urbanos da cidade e embarcar nas naves que cruzam os caminhos dos tesouros.
Enquanto aguardava, posicionei-me próximo da parada da nave da trilha, junto com um amigo explorador aprendiz de outro reino. E então ela surgiu bem ágil, sem hesitar, ativei meu modo turbo, corri com bravura por entre os viajantes e com um salto certeiro, embarquei. Dentro da nave, mais uma surpresa, encontrei uma outra aprendiz, essa era do mesmo reino. Seguimos juntos, cruzando avenidas e pensamentos, até que finalmente avistamos, ao longe, o destino.
A Nave da Trilha pousou mais uma vez, e o coração seguia inquieto, mas cheio de esperança. Ao adentrar o espaço encantado da Sala dos Tesouros, antes mesmo de chegar ao seu interior, fui surpreendido por uma das guardiãs do tesouro. Seus olhos brilhavam com aquela travessura conhecida, e a voz veio certeira: — Me dá esse cachos pra mim!
Sorri. Era ela, de novo. A mesma Guardadora que já havia pedido isso antes. — De novo? Você quer o meu cabelo pra você? — respondi, em tom de brincadeira.
E como num ritual já ensaiado, o pequeno Guardião do Redemoinho, intenso e imprevisível completou a cena: — Meu presente de novo! — disse ele, se referindo à Aprendiz dos passos sábios. Mas havia algo novo no ar.
Ao adentrar a Sala dos Tesouros, percebi logo, as cadeiras não estavam mais dispostas como antes. Aquela fila rígida, enfileirada uma atrás da outra, havia dado lugar a uma disposição em meia-lua. Meus olhos brilharam. A trilha se abria de outro jeito, e meu coração acolhia aquela mudança como um sinal de esperança.
Mas a atmosfera daquele ambiente estava carregada de uma agitação diferente. Todos os guardiões dos tesouros pareciam orbitar em torno de um único assunto: o aniversário da Guardiã dos doces. Ainda não havíamos nomeado essa pequena, mas ali já se mostrava como alguém especial. Enquanto todas chegavam, algo novamente se repetia, os guardiões do tesouro não escolhiam onde sentar. Era a Guardiã do Compasso quem indicava os lugares. Um a um, os pequenos iam se acomodando sob sua orientação.
Nesse dia estavam presente 15 guardiões do tesouro, uma delas me pediu: — Fecha os olhos, tio.
— Pra quê? — perguntei.
— Fecha! Confia. Fechei.
— Posso abrir?
— Agora vai tomar injeção encantada — anunciou com seriedade e risos.
E lá estava ele, com um objeto misterioso, uma Varinha de Picada (pois chamar de lapiseira seria simples demais). Encostou-a levemente em meu braço, e a brincadeira se espalhou: uma a uma, as crianças recebiam a "injeção encantada".
Até que chegou a vez do pequeno Redemoinho. E então, o inesperado: lágrimas.
— Tá sangrando! Tá sangrando! — gritava ele.
Mas não estava. Foi quando a Guardiã do Compasso falou: — Vamos ali passar um álcool, tudo bem.
Ele aceitou. O choro cessou. A magia voltou a circular. Mas nem tudo era encantamento. Uma das guardiãs mais sensíveis, havia trazido seus próprios materiais: canetinhas novas, um caderno novo, uma vontade genuína de criar. No entanto, algumas pessoas sombrias entraram na Sala dos Tesouros naquele dia. Elas chegaram sem convite, as guardiãs do controle. Sem explicações, arrancaram os materiais das mãos da guardiã sensível e falaram: — Se não fizer a atividade, não devolvemos! — Vamos chamar a sua mãe!
A magia se partiu. A Guardiã sensível, antes mergulhada em suas cores, entrou em crise. Chorava. Desestabilizada. Não havia motivo. Ela apenas criava. Eu e minha amiga exploradora fechamos o semblante. Porque aquilo não fazia parte da trilha. Aquilo não era justo. E enquanto as guardiãs do Controle se divertiam com sua falsa ordem, uma pequena Guardadora perdia, por um momento, a alegria de explorar.
Depois de tudo aquilo, os ânimos se acalmaram. Uma agenda foi passada, uma atividade também. Mas, sinceramente? Vamos pular essa parte. Porque o que realmente importava naquele dia ainda estava por vir.
O grande acontecimento era o aniversário da guardiã dos doces. O nome veio fácil, pois era isso que ela trazia consigo: um mundo colorido, recheado de guloseimas, alegria e afeto. O assunto da tarde inteira girava em torno dela, os guardiões não falavam de outra coisa. Estavam todos ansiosos, aguardando aquele momento em que poderiam entregar os presentes que prepararam com tanto carinho.
Após o intervalo, os preparativos começaram. A família da Guardiã dos Doces havia organizado uma verdadeira celebração: doces, bolo, salgadinhos, balões e lembrancinhas espalhadas como tesouros. Um encanto vivo tomava conta da Sala dos Tesouros. Os olhos das crianças brilhavam diante daquele universo de cores e cheiros. Era festa. Era magia. Era infância. Quando a entrega dos presentes começou, os sorrisos se espalharam por todos os cantos. E então, o momento dos parabéns, um coral improvisado, um pouco fora do ritmo, mas mais bonito que qualquer espetáculo ensaiado.
Mas nem tudo foi só alegria. Durante a entrega dos presentes, um pequeno guardião do tesouro, bem sensível e delicado, havia feito uma cartinha. Um presente simbólico, feito com dedicação. Porém, na correria e na empolgação, a Guardiã dos Doces não percebeu sua entrega. E ele, discretamente, escondeu a carta e começou a chorar. Eu e minha companheira de trilha percebemos. Conversamos com ele, acolhemos sua dor. No começo, ele não quis mais entregar. Estava constrangido. Depois, desabafou.
A Guardiã do Compasso nos contou que ele estava mais sensível nos últimos dias. Mas sabíamos: não era apenas sobre isso. Era sobre ter feito algo com o coração, e se sentir pequeno diante dos presentes materiais que os outros deram. Conversamos com ele, e explicamos que o que vem do coração tem mais valor do que qualquer coisa comprada. E ele entendeu. Entregou a cartinha. Recebeu um abraço. E ali se selou a beleza dos gestos simples.
Enquanto isso, a comemoração continuava. As crianças comiam, riam, corriam. Até que algo como sempre aconteceu. Quem? Ele mesmo. O Guardião do Redemoninho. Com a boca suja de bolo, saboreando cada pedaço, quando a professora perguntou: — De quem são esses bolos que você está comendo?
E ele respondeu, com toda a inocência: — Não sei… Mas estava na minha mesa.
Me segurei. Por dentro, estava rindo. Porque só a infância tem esse tipo de lógica encantadora. E como em todo bom final de festa mágica, veio o presente final: os Balões dos Ventos Livres. Cada criança recebeu o seu. E então, o céu da sala se encheu de balões. Voavam de um lado pro outro, numa dança maluca entre mãos, chão e risadas.
Mas o Explorador da Picada Encantada, aquele mesmo da "injeção", resolveu inovar. Encheu a bexiga com água. Sim. Água. E saiu correndo atrás dos outros. E eles, por sua vez, fugiam e gritavam e riam. Era uma bagunça linda de se ver. Até que… tudo foi silenciado. A Guardiã do Compasso pediu para que todos sentassem. As luzes foram apagadas. E ali ocorreu o fim, as crianças aguardavam seus portais, seus responsáveis, para partirem da Sala dos Tesouros, agora com o coração cheio de memórias doces, simbólicas e, acima de tudo, verdadeiras.
No dia de hoje, aprendi que a trilha é feita de surpresas, algumas doces como o bolo da Guardiã dos Doces, outras amargas como a dureza de palavras que não acolhem. Percebi que, mais do que mapas ou regras, é preciso afinar o compasso do coração para caminhar entre os pequenos mundos das crianças. Aprendi que presentes nem sempre têm laços ou brilhos, às vezes, são cartas dobradas com timidez e emoção. E que, mesmo entre lágrimas ou desentendimentos, é possível costurar delicadezas. Entendi que estar presente não é apenas estar no lugar, mas ser parte viva do que acontece, com os olhos atentos, os ouvidos abertos e o afeto.
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