terça-feira, 8 de julho de 2025

UMA AULA DIFERENTE (Sadrak Alves)

Acordei cedo, com o coração dividido. Por um lado, estava feliz, pois ter chegado a tão aguardada culminância do projeto "Mundo encantado dos animais", era o dia de levar a turma do 1° ano para o zoológico. Mas, por outro lado, estava aflito. Havia pedido para que cada criança fosse acompanhada por um responsável para o passeio, pensando no apoio que seria tão importante. No entanto, todos relataram que, infelizmente, não poderiam ir. Cogitei em desmarcar esse passeio, afinal, sair com quinze crianças sem o apoio das famílias me parecia muito arriscado. Entretanto, quando lembrava da empolgação das minhas crianças durante toda semana, fazia com que tentasse procurar uma solução. 

Mas é claro que eu não podia simplesmente seguir com o passeio sem pensar na segurança de todos, seria muita irresponsabilidade sair com uma turma inteira sozinha, por mais bonita que fosse a intenção. Então, antes de tomar qualquer decisão precipitada, enviei uma mensagem no grupo dos professores da escola, explicando a situação e pedindo apoio. Para minha surpresa e alegria alguns colegas que estavam naquele dia em horário de planejamento se sensibilizaram e se disponibilizaram a nos acompanhar. Aquilo me tranquilizou. Agora sim, sentia que estávamos prontos para viver essa experiência com segurança, cuidado e muita alegria.

Chegando na escola, logo fui recebido por uma cena que aqueceu o coração, as crianças estavam todas preparadas, com óculos, chapéus, sapatos e muitos lanches, cada uma mais empolgada que a outra, com sorrisos de orelha a orelha. Conversamos um pouco sobre o passeio, relembramos as regras e ficamos à espera do ônibus. Quando ele chegou, foi uma explosão de alegria. 

O trajeto até o zoológico foi cheio de conversas animadas e olhares curiosos. As crianças não paravam de perguntar: -Vai ter leão? E cobra? Professor a girafa é maior que o ônibus. Ao chegar logo nas primeiras paradas, as crianças puderam observar alguns animais como o macaco-prego, a arara vermelha e o tucano, rapidamente já falavam os nomes dos animais que conheciam, eram uma empolgação contagiante, mas foi ali que reparei algo diferente, Abraão, normalmente é um dos mais falantes, estava quieto demais, enquanto os outros vibravam, ele mantinha os olhos fixos nos animais, quase sem dizer uma palavra. Abraão era daqueles meninos que sempre estavam no centro das rodas e puxando assunto. Mas naquele momento, permanecia um pouco afastado do grupo, com o olhar distante e uma expressão pensativa. Achei que talvez estivesse apenas contemplando, absorvendo cada detalhe ou quem sabe cansado. Continuei atento, mas não disse nada.

Chegamos então na área dos felinos, o local mais aguardado pelas crianças, onde tinha a onça parda, o gato mourisco e a jaguatirica. Todos correram para perto do vidro para observar, enquanto eu aproveitava para tirar algumas fotos e anotar os questionamentos das crianças, percebi que o Abraão não estava mais entre nós. Meu coração acelerou, procurei manter a calma para não assustar as crianças, mas a preocupação crescia por dentro de mim. 

Avisei imediatamente a coordenação do passeio, falei com os monitores do zoológico, e comecei a caminhar pelos arredores chamando seu nome. Cada passo parecia durar uma eternidade. Depois de alguns minutos que pareceram horas, uma funcionária do zoológico se aproximou sorrindo de um jeito meio divertido e disse: — Acho que encontrei seu pequeno explorador.

Lá estava Abraão, sentado tranquilamente em frente à área dos elefantes, os olhos fixos nos animais gigantes, segurando um pacote de biscoitos no colo. Quando me aproximei, ele falou com uma voz mansa: — Eu avisei, tio... eu falei que queria ver o elefante primeiro, mas ninguém me escutava. E se a gente fosse embora sem passar aqui?

Tentei parecer sério, mas a cena era tão inocente que quase sentei ali do lado para compartilhar um biscoito com ele. Expliquei que precisávamos andar juntos, que bastava dizer de novo que eu teria prestado atenção. Ele sorriu e respondeu: — Tá bom... mas agora que eu vi, podemos ir, né?

No caminho de volta para a escola, Abraão virou a sensação do ônibus. Alguns colegas até brincavam dizendo que ele era "o menino do elefante" e outros perguntavam se ele tinha feito amizade com o bicho. Abraão ria, feliz da vida, foi o caminho todo até chegar na escola desenhando cada detalhe daquela visita. Ao chegarmos na escola, os responsáveis já aguardavam as crianças com sorrisos e abraços, era uma falação só, cheia de carinho. 

Na semana seguinte, Abraão trouxe uma história pronta, que tinha como título "A aventura de Abraão no zoológico", no qual ele mesmo era o protagonista. Essa iniciativa de Abraão inspirou seus colegas a também fazerem o mesmo. Em poucos dias, a sala virou uma pequena editora infantil, cheia de histórias repletas de emoções. Organizamos uma linda exposição para compartilhar essas criações com outras turmas e com os pais. Montamos uma mesa com os "autores", que, orgulhosos, fizeram até sessão de autógrafos. 

Essa vivência me ensinou que ser professor vai muito além de garantir a segurança física dos alunos é também estar atento para que ninguém se sinta invisível ou deixado de lado, estar atento aos silêncios, aos olhares, aos gestos quase imperceptíveis que revelam tanto sobre o que uma criança sente. 

Percebi que, às vezes, para acolher verdadeiramente uma criança, é preciso sair do roteiro, e se, para isso, for preciso parar um pouco para olhar o elevante fora da ordem, que assim seja, o que importa é saber escutar de verdade. Senti, também, a ausência da família. Como teria sido ainda mais rico se algum responsável pudesse ter vivido aquele momento ao lado das crianças?. Esse passeio não terminou apenas no zoológico. Ele continua ecoando em mim, nas crianças e também nas lindas ilustrações produzidas pelas crianças.


Nenhum comentário:

Postar um comentário