quinta-feira, 10 de julho de 2025

SE ALGO PODE DAR ERRADO, DARÁ (Milena)

Acordei bem cedo, na verdade eu quase não dormi de tanta ansiedade, devo ter dormido no máximo duas horas. Levantei com a ansiedade caminhando do meu lado igual um encosto, eu conseguia sentir ela começando a se materializar na minha frente. Mas, ignorei e segui com a rotina da manhã: tomar banho, escovar os dentes, me arrumar e ir pro trabalho. Aliás, o motivo de tanta ansiedade foi meu novo trabalho. Cheguei na escola fingindo costume, dei bom dia, cumprimentei todas as pessoas que vi e fui tratada com muita gentileza, mas sentia como se a qualquer momento alguma coisa fosse dar errado. 

Ao entrar na sala de aula, coloquei a bolsa na mesa e meu olhar se cruzou com o de algumas crianças que me observavam, também, com gentileza e alguns sorrisos tímidos. Quando olharam para a frente e me viram em pé, os olhares curiosos se voltaram para mim como se eu fosse dar uma grande notícia, detivesse todo o conhecimento do mundo ou algo assim. Eu iniciei sorrindo, tentando passar confiança e, por um breve momento, senti a tensão deixando meu corpo. Eu me preparei para isso, os olhos estavam voltados para mim. Estava silêncio. Era o meu momento. Abri a boca e senti as palavras saindo: "Boa tarde, turma! Meu nome é…" e antes de terminar a frase, alguém bateu na porta.

Era um professor que pediu licença e me apresentou duas alunas que sorriram para mim, ele conversou um pouco comigo, explicou que lecionava uma disciplina de estágio obrigatório e se eu poderia recebê-las. Fiz que sim, mas não sei se tinha muita opção. Por dentro estava entrando em colapso, já sentia a tensão tomando conta do meu corpo novamente. 

Na minha cabeça só conseguia pensar: logo agora? 

As meninas se dirigiram até as cadeiras vazias para observar e tentei retomar a fala, mas a minha voz não estava mais confiante, as crianças já tinham se dispersado, uma berrava, outra contava uma história para mais duas, alguns jogavam aviõezinhos de papel. Estava um caos. Aqueles 5 minutos que o professor me interrompeu parecia ter aberto uma cratera no espaço-tempo e as crianças tinham tomado conta da sala. Era o governo delas!

Tentei pedir silêncio, mas acredito que eles nem me ouviram por causa do barulho simultâneo que todas faziam. Pedi silêncio uma, duas, três, CINCO vezes, mas o barulho e a bagunça não cessavam. Até que me senti gradativamente saindo do controle e gritei com elas. Alto. E briguei por causa da bagunça. Mais alto ainda. A sala ficou muda, era o que eu queria, mas no mesmo momento senti a culpa me consumindo. Fiquei em silêncio junto com eles por alguns segundos, pensando em como recalcular a rota, desejando que aquele grito fosse apagado. 

As crianças me encaravam, agora, meio tímidas e com um pouco de receio de receberem outro grito. As estagiárias pareciam constrangidas também. Eu me sentia sendo julgada até pelas paredes. Tentei seguir com o conteúdo programado para aquele dia, mas tudo parecia forçado, eu só queria sumir dali. Estava tão confusa e desnorteada que esqueci até de falar meu nome para as crianças. Só lembrei mais tarde quando uma delas me perguntou.

O sinal do intervalo ressoou. Estridente. Não tive nem coragem de sair da sala, fiquei ali mesmo sendo consumida pela culpa e tentando me confortar que era só o primeiro dia e que às vezes as coisas dão errado mesmo e que embora eu esteja ali como professora, ensinar é também aprender. Espero encontrar meu ritmo nos próximos dias e que a primeira impressão, pelo menos dessa vez, não seja a que fique; que as estagiárias possam me conhecer e descobrir que assim como elas aquele também era meu primeiro dia e eu estava tão nervosa quanto elas.

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