terça-feira, 15 de julho de 2025

CUIDAR DE QUEM CUIDA (Ana Letícya)


Era uma quarta-feira comum, pelo menos parecia ser. Cheguei à Escola Alba Frota antes do primeiro sinal tocar. Dei bom dia ao porteiro, cumprimentei alguns pais que estavam deixando seus filhos e fui direto para minha sala. Antes mesmo de sentar, já havia bilhete sobre atraso de merenda, professora pedindo substituição por motivo de saúde e dois pais aguardando atendimento. Respirei fundo e me organizei. A rotina da gestão escolar exige jogo de cintura e um coração preparado para acolher mesmo quando não sobra tempo nem para o próprio café.

Depois que os atendimentos urgentes foram feitos, comecei a circular pela escola. Gosto de andar pelos corredores e pelas salas. Observo os olhares das crianças, os tons de voz das professoras, o ambiente. E naquele dia algo me chamou mais atenção do que o habitual. Vi professores cansados não fisicamente apenas, mas emocionalmente. O brilho nos olhos estava ofuscado pela exaustão. Tinham acabado de sair de um período intenso de avaliações, relatórios, reuniões, alunos com demandas complexas, famílias exigentes e um calor infernal dentro das salas.

Parei e pensei: estamos todos falando constantemente de qualidade na educação, mas esquecendo de cuidar de quem carrega a escola nas costas todos os dias. Naquele instante, percebi que, como diretora, eu precisava fazer mais do que cobrar planejamento ou enviar cronograma. Eu precisava cuidar de gente.

Na semana seguinte, convoquei uma reunião pedagógica diferente. Nada de pauta pesada. Convidei todos para uma roda de conversa. Levei café, bolo e deixei uma música tocando de leve. Foi estranho no começo, mas depois que começaram a falar, tudo fluiu. Abriram o coração, falaram sobre o cansaço, sobre a solidão na profissão, sobre a sensação de não estarem sendo vistos. Eu ouvi cada palavra. E saí daquela reunião decidida a transformar pequenas coisas.

Na semana seguinte, criamos juntos o projeto "Intervalo acolhedor": um momento por semana com pausa estendida, lanche partilhado e atividades que fizessem bem, rodas de leitura, yoga, cinema ou simplesmente silêncio e sombra. E a cereja do bolo foi abrir espaço para os professores proporem pequenos projetos com autonomia: oficinas de arte, rodas de conversa com a comunidade, experiências e mais apoio da gestão.

O clima na escola começou a mudar. O riso voltou devagar, os bilhetes de bom dia começaram a aparecer nos murais, e até os alunos perceberam. A escola estava mais leve, mesmo com todos os desafios.

Como diretora, entendi que a escola não é feita só de estrutura, calendário e planejamento. É feita de gente. E gente cansada não educa, sobrevive. Meu papel ali é garantir que quem ensina também se sinta visto, acolhido e valorizado. E isso não exige grandes verbas, exige olhar atento.

Hoje, quando caminho pelos corredores da Alba Frota, ainda vejo cansaço, claro. Mas vejo também mais troca, mais cuidado entre os colegas e uma fagulha de esperança reacendendo. E essa chama, por menor que seja, é o que mantém viva a escola que queremos construir.

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