quarta-feira, 2 de julho de 2025

BRINCANDO COM O MEDO, DESCOBRI A CORAGEM (Ana Beatriz)

Na última quarta-feira, fui chamada pela escola Alba Frota para comparecer a uma reunião emergencial com a professora do 1º ano, turma da minha sobrinha Maria Clara, de seis anos, que está passando por um processo de adaptação na nova escola. A diretora havia solicitado a presença das famílias de algumas crianças que estavam apresentando dificuldades na socialização e no processo de alfabetização. Como a mãe da Clarinha, minha irmã, trabalha o dia inteiro, fui eu, tia e responsável afetiva, quem a levou e permaneceu na escola durante o turno da tarde.

Ao chegar, fui muito bem recepcionada pela coordenação e encaminhada à sala onde aconteceria a reunião. Estavam presentes outras famílias, a professora, a coordenadora pedagógica e uma psicóloga da rede. A professora iniciou falando de forma bastante sensível sobre como cada criança vinha se desenvolvendo e logo mencionou Maria Clara, explicando que ela tem se mostrado tímida, evita interações com colegas e professores, se comunicando muito pouco e também demonstra insegurança ao tentar ler ou escrever.

Fiquei surpresa, porque em casa a Clarinha é uma menina muito comunicativa, inventa histórias, canta, dança e tem uma curiosidade imensa sobre o mundo ao seu redor. Fiquei me perguntando o que acontece quando ela cruza os portões da escola. 

"Será que ela tem medo? Será que alguém está a machucando? Será que nós como família estamos ignorando alguns sinais disso todo esse tempo?" 

Contudo, durante a reunião, percebi que outras famílias compartilhavam preocupações parecidas: crianças que mudam de comportamento ao entrar na sala de aula, que se fecham ou expressam agitação.

Após esse momento coletivo, fomos convidadas a visitar a sala das crianças durante uma atividade pedagógica proposta pela psicóloga da rede municipal. Sentei no fundo da sala e vi a Clarinha com os olhos baixos, olhando para o caderno em sua mesa e mordendo o lápis. Quando a professora chamou os alunos para escrever uma cartinha para alguém da família que estava ali presente, notei que ela hesitou, olhou ao redor, e depois de alguns minutos veio até mim e perguntou se podia escrever pra mim. Eu disse que sim, e ela sorriu, um sorriso que me desarmou.

No papel, ela escreveu: "Tia eu te amo. Gosto quando a gente lê junto." Com algumas letras trocadas, mas com tanto sentimento que precisei disfarçar as lágrimas. Ao irmos para casa juntas paramos para tomar um sorvete e puxei uma conversa sobre o assunto, perguntei o motivo de ela estar se comunicando tão pouco com os coleguinhas e os professores, e o receio em escrever e ler. E ela respondeu: 

"Tia, eu tenho medo porque eu não conheço eles, quando a gente lê junto e eu erro alguma coisa, você não briga comigo, só me diz o que está errado, mas e se com eles não for assim? E se eles rirem de mim?"

Na hora, meu coração apertou. A Clarinha, tão pequena, já carregava um medo tão grande de errar. Medo de ser julgada, de não ser acolhida. Aquele momento me fez perceber o quanto a escola pode parecer um lugar inseguro quando os vínculos ainda não foram construídos. Segurei sua mão, olhei bem nos seus olhos e disse: 

"Todo mundo erra, Clarinha. A gente vai aprendendo junto. E a professora está lá pra te ajudar, assim como eu."

Durante a noite, resolvi ler com ela um livro que abordasse justamente o que ela estava sentindo no momento, o livro "E foi assim que eu e a Escuridão ficamos amigas" do Emicida, que aborda justamente essa questão do medo na infância. E uma frase do livro me chamou atenção: 

"O senhor medo vai embora contente, quando vê a coragem triunfar lindamente"

Expliquei pra ela que coragem é justamente isso, ir com medo mesmo. Não existe uma pessoa corajosa nessa vida que não tenha sentido medo antes de fazer algo. O medo faz parte do processo e da vida o tempo todo, mas o que não podemos deixar é ele nos paralisar.

Mas ainda assim, nos dias seguintes, não parei de pensar nisso. Quantas crianças vivem esse mesmo medo em silêncio? Quantas, como a minha sobrinha, escondem sua potência por trás da timidez, do receio de não serem compreendidas?

Como alguém da comunidade, percebi o quanto a presença da família dentro da escola é essencial. Não apenas para acompanhar o desempenho escolar, mas para estreitar laços, construir confiança e mostrar às crianças que a escola é um espaço de segurança e afeto.

Como futura pedagoga, compreendi ainda mais a importância de práticas pedagógicas que considerem o emocional da criança como parte do processo de aprendizagem. Não basta ensinar letras e números — é preciso ensinar coragem, escuta e empatia. E isso só é possível quando a escola se abre para o afeto, para o diálogo com as famílias, e para a escuta verdadeira das crianças.


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