quinta-feira, 3 de julho de 2025

O TEMPO (Kairon)

RELÓGIO NÃO PARA


04:25 — Ainda é bem cedo. Levantei da minha rede com um pulo, o coração batendo rápido, quase como se já soubesse que o dia de hoje ia ser diferente. Finalmente chegou o grande dia. Esperei a semana inteira por este momento — o tipo de espera que parece arrastar o tempo, como se cada minuto tivesse mais de sessenta segundos.


04:30 — A casa ainda está mergulhada no silêncio. Minha mãe não acordou. O quarto dela está escuro, a porta entreaberta. Meu pai… não voltou ontem. De novo. Mas hoje ele vai chegar. Dessa vez, eu sinto. Dessa vez, ele não vai mentir.


04:35 — Me aproximo da janela devagar. As frestas da madeira deixam escapar um filete de luz laranja do poste lá fora. A rua está vazia, quieta. A luz ainda acesa parece sussurrar que ainda é noite. Me deito de novo, tentando enganar a ansiedade. Mas o pensamento não dorme comigo.


06:00 — Agora levantei de verdade. Minha avó me acordou com um pão quentinho, embrulhado num pano de prato florido, e um café com bastante leite, do jeito que eu amo…gosto de casa. Era afeto. Era meu momento preferido da manhã — e talvez o único que me fazia esquecer por alguns instantes o que viria depois.


12:00 — Ainda ansioso. Sinto como se o tempo estivesse me provocando, escorrendo devagar só de teimosia.


13:00 — Quarta-feira. O melhor dia da semana. Os tios estagiários vêm hoje. A sala fica mais animada, mais viva. Queria que eles também viessem na quinta. Quinta é o segundo melhor dia: tem educação física. Eu queria ver se os tios são bons no racha. Queria ver o tio Kairon driblando alguém. Ia ser engraçado.


13:50 — A primeira aula é do tio Levi. Ele chegou com uma caixa enorme — dessas que dá vontade de abrir antes mesmo de saber o que tem dentro. Quando ele tirou as pirâmides lá de dentro, meus olhos brilharam. Pareciam brinquedos de um outro tempo. Ele explicou sobre arestas, vértices e faces. Eu nem piscava. Tudo parecia mais interessante quando ele falava.


14:30 — Tio Kairon se abaixou do meu lado, com aquele jeito de quem presta atenção de verdade, e perguntou por que eu estava tão animado hoje. Contei pra ele. Mas fiz ele prometer que não contaria pra ninguém o que ia acontecer depois da aula. Ele sorriu daquele jeito que deixa a gente mais leve e disse que queria saber tudo… mas só na próxima semana. "Me dá o relatório completo, fechado?", ele brincou. Fechado.


15:30 — Finalmente chegou a aula do tio Kairon. Ele explicou umas questões de matemática que a gente errou na prova da semana passada. Eu nem me importei com os erros. Minha cabeça estava em outro lugar, contando os minutos como quem conta moedas raras.


16:00 — Olhei pro relógio. Quase na hora de ir embora. Meu peito ficou apertado, como se o ar tivesse ficado mais pesado. Depois de tanto tempo, eu ia viver o que sonhei por anos. Fechei os olhos e tentei imaginar como seria.


16:21 — A aula de artes estava especialmente boa hoje. Fizemos um cartaz com recortes de revistas e jornais. Tio Kairon deixou a gente usar a criatividade à vontade. Eu colei um céu azul recortado de um comercial de férias e uma mão segurando um relógio. Achei que combinava com o dia.


17:00 — Me despedi dos meus amigos e da professora. Dei um tchau demorado pro tio Levi e pro tio Kairon. Eles sorriram, mas eu vi nos olhos deles que estavam curiosos. Ninguém perguntou nada. Ainda bem.


17:00 — Hora de ir pra casa. 

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