Cheguei à Escola Alba Frota naquela manhã de sexta-feira com uma expectativa diferente. Não era um dia comum. O pátio estava sendo preparado desde cedo com esteiras de palha, bancos de madeira e enfeites coloridos. A ideia era simples, mas potente: dar visibilidade à cultura viva da comunidade, abrindo espaço para que as famílias dos nossos próprios alunos compartilhassem seus saberes.
Por volta das 8h, os estudantes começaram a se reunir no pátio. No centro da roda estavam três convidados muito especiais: Seu Benedito, pescador há mais de 40 anos e avô da aluna Juliane, do 3º ano; Dona Raimunda, rendeira conhecida na região e bisavó do pequeno Ítalo, do 1º ano; e Marcelo, capoeirista e pai do aluno Kaio, do 5º ano.
Seu Benedito abriu a roda contando como aprendeu a pescar com o pai e o avô, ainda menino. Mostrou a rede que ele mesmo tece, explicou como lê o céu e o rio, e até ensinou um canto antigo usado para "chamar peixe". As crianças o escutavam encantadas. Ao final, uma menina levantou a mão e disse: "Meu avô também pesca, mas nunca contou essas histórias assim…". Sorri. Era o começo da mágica.
Depois, Dona Raimunda falou com doçura e sabedoria. Mostrou a almofada de bilro e explicou, com dedos ágeis, como os fios se transformam em renda. Falou da paciência, do silêncio e da herança passada de mãe para filha. O mais bonito foi ver Ítalo, seu bisneto, sentado no chão, com os olhos fixos nela como se descobrisse uma super-heroína.
Marcelo, por fim, trouxe o corpo como expressão. Contou como a capoeira o ajudou a se reconhecer enquanto jovem negro, e como decidiu ensinar a arte aos filhos e aos meninos da comunidade. Junto com Kaio, fez uma pequena demonstração, ao som do berimbau e do pandeiro que ele mesmo levou. As crianças, antes tímidas, logo se levantaram para experimentar os movimentos. Era a escola respirando ancestralidade, pertencimento e alegria.
Ao final daquele dia, me recolhi na minha sala para respirar fundo. Sentia o peito cheio, o coração emocionado. Aquilo não foi apenas uma "atividade cultural". Foi um reencontro da escola com o chão onde ela pisa. Um reconhecimento do saber que vive do lado de fora da sala de aula, mas que forma, educa, orienta e transforma.
Ali, diante de três figuras da comunidade : avô, bisavó e pai de alunos ,percebi com mais força o quanto a escola precisa deixar de ser ilha. A cultura local não é um complemento: é base. Ela forma identidade, dá sentido à aprendizagem, resgata autoestima. Saí dali com uma certeza renovada: precisamos cada vez mais abrir espaço para que a comunidade entre, fale, ocupe, ensine. Porque quando a escola valoriza os saberes locais, ela diz às crianças: "O que você vive tem valor, o que sua família sabe importa, e você faz parte desta história".
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