Hoje o dia começou como tantos outros, com uma rotina intensa que acompanha o cargo de diretor da Escola Alba Frota. Entre resoluções de última hora, atendimentos às famílias, organização de documentos, conversa com alguns professores, dúvidas de matrícula, reuniões, solicitação de manutenção e várias outras demandas, mal percebi o tempo passar, era só mais um dia daqueles em que tudo parece acontecer ao mesmo tempo. Apesar da correria, seguia com a sensação de missão comprida.
Tudo caminhava como de costume. O turno da tarde se encerrava, as crianças começavam a sair em direção aos seus responsáveis, enquanto eu, ficava na sala da direção, realizando os últimos registros de um dia exaustivo. Havia barulhos no corredor, passos apressados e uma grande conversa, até que o som foi cortado por um grito.
Levantei e sai correndo em direção à esse som. Ao chegar no portão, a cena que jamais vou tirar da cabeça: um pai, visivelmente transtornado, havia acabado de agredir uma criança, isso mesmo, uma criança. O colega de turma do seu próprio filho. O tapa havia sido dado diante de outros alunos, famílias, comunidade, diante da escola inteira.
Por alguns segundos, o tempo parou. Tentei correr para intervir, porém a situação se agravou ainda mais quando algumas pessoas da comunidade, revoltadas com a situação, reagiram contra o pai. Gritos, empurrões, ofensas e socos. Tudo aconteceu rápido demais. A escola, que deveria ser um lugar de proteção, afeto, aprendizado, se tornou em um palco de dor.
Mais tarde, quando o tumulto já havia cessado, a criança já estava segura com a equipe pedagógica e os órgãos de proteção já havia sido acionados, eu entrei de novo na minha sala, feche a porta, comecei a chorar e me questionando: – Onde foi que eu errei?
Essa pergunta não sai da minha cabeça, sempre estive aberto ao diálogo, me mostrando disposição para conversar sobre qualquer assunto com as famílias, então, por que esse pai não veio até mim? por que decidiu agir com as próprias mãos?
O pai depois havia relato que o filho vinha sendo excluído, rejeitado, ignorado por alguns colegas, isso me doeu, mas por que ele não falou conosco? Se permitido a ser escutado, poderíamos ter pensado em uma solução. Poderíamos ter protegido o filho dele, sem expor outro menino ao trauma da violência. Por que agora, duas crianças ficaram feridas, duas famílias… uma escola toda.
Nos dias seguintes, recebemos o Conselho Tutelar, conversamos com os familiares envolvidos, cuidamos das crianças com o maior afeto possível. Mas o peso do que aconteceu não saía de mim. Ser diretor é estar pronto para tudo, mas ninguém ensina como se preparar para isso.
Naquela semana ouvi mais do que falei. Ouvi os pais, os professores, ouvi as crianças, ouvi até mesmo o silêncio. Entendi naquela semana que minha função vai além das documentações, horários e as demais demandas burocráticas. Minha função é ouvir o que não me dizem, enxergar o que ainda não me mostram e buscar manter um espaço de diálogo antes que o grito tome o lugar da palavra.
Embora tenha acontecido tudo isso, ainda continuo acreditando na escola como um espaço de paz, afeto e cuidado. Mas sei que para isso, é preciso estar atento aos sinais. Porque às vezes a violência não começa com um tapa, ela começa com uma ausência e termina, às vezes, onde o diálogo deixou de existir.
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