Acordei com o coração apertado. Era dia de reunião de pais na Escola. E eu sabia — mais do que qualquer outra vez — que precisava estar lá. Havia uma conversa pendente, e ela tinha nome: Dona Lúcia, mãe do Marcos.
O céu já ameaçava um temporal. A cidade parecia em estado de espera. Peguei o ônibus às 5:50, acreditando que teria tempo de sobra para chegar antes das 7:30. Ingenuidade. No segundo ponto, o trânsito parou. Uma batida mais à frente, disseram. A chuva, que até então era promessa, começou a cair com força, escorrendo pelas janelas como lágrimas de um dia que não queria acontecer.
A cada minuto perdido, minha ansiedade aumentava. O rosto do Marcos não saía da minha mente: olhar sempre baixo, cadernos esquecidos, silêncios profundos demais para um garoto de 11 anos. Eu sabia que algo estava errado, mas nunca tinha conseguido conversar direito com Dona Lúcia. E hoje era a chance — talvez a única.
Depois de quase uma hora parado, desci do ônibus no meio da chuva e segui a pé. O guarda-chuva virou do avesso com o vento. Eu ria de nervoso, correndo pelas calçadas alagadas, enquanto sentia o frio da água nas costas e o calor do meu medo no peito. "Por favor, que ela ainda esteja lá", eu repetia.
Cheguei à escola ensopado, ofegante, com os sapatos fazendo aquele barulho incômodo de que está molhado. A coordenadora me olhou com espanto. — os pais já estavam indo embora. Faltavam apenas dois: um senhor idoso que conversava com a diretora… e Dona Lúcia, sentada sozinha, com a bolsa no colo.
— Professor Kairon? — ela disse, levantando-se.
Hesitei por um segundo. Meu coração disparou. Finalmente. Chamei-a para a sala ao lado. O ar estava denso, o clima era sufocante.
— A senhora deve imaginar por que pedi para conversar — comecei.
Ela sentou, olhando para baixo, com os dedos entrelaçados.
— O Marcos… Ele tem se calado demais. Os olhos dele, Dona Lúcia… não são de uma criança que só está com dificuldades. Ele parece com medo.
Ela demorou a responder. E quando falou, sua voz veio baixa, quebrada:
— Professor, eu também tenho medo… há coisas acontecendo lá em casa que eu não sei mais como esconder.
O silêncio entre nós se tornou um grito.
Demoramos mais de uma hora conversando. Quando Dona Lúcia saiu da sala, ela deixou para trás não só a preocupação, mas a promessa de buscar ajuda. E eu fiquei ali, ainda molhado, com a sensação de que todo o esforço, a chuva, a espera, o caminho impossível, tinha valido a pena.
Naquele dia, compreendi que, às vezes, a maior lição não está no conteúdo que ensinamos, mas na coragem de chegar — mesmo que tarde — quando mais se precisa.
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