Hoje acordei às 4 da manhã, e como dizia minha avó: "Quem cedo madruga, Deus ajuda!" (E eu sentia que hoje precisaria dessa ajuda.) Não poderia me arriscar a perder o ônibus, pois isso comprometeria todo o meu dia na escola. Após um café simples e um breve momento de silêncio, segui meu caminho. O ar ainda frio da manhã trazia um certo alívio, mas a ansiedade me acompanhava.
Sou professora no Colégio Alba Frota há pouco tempo e, mesmo já conhecendo a rotina, ainda me sinto deslocada no ambiente. Os colegas têm seus grupos formados, suas conversas fluem com naturalidade, enquanto eu, ainda novata, sigo buscando meu espaço de acolhimento.
Ao chegar, percebi o pátio já movimentado,alunos entre risos e sonolência, e o barulho típico do início das aulas. Cumprimentei alguns professores com acenos rápidos e segui para minha sala.
A primeira aula do dia foi Matemática. Propus uma atividade em grupo sobre resolução de problemas, com o objetivo de desenvolver o raciocínio lógico e o trabalho em equipe. Sabia que seria um desafio para um grupo específico, que eu já observava com atenção: Lucas, Rafael, Bruna e Tiago.
Lucas é muito inteligente, mas tem um perfil autoritário, sempre querendo impor suas ideias. Rafael, o mais extrovertido, costuma fazer piadas em momentos inadequados, provocando risos e conflitos. Bruna é uma aluna calma e dedicada, que geralmente tenta manter o equilíbrio no grupo. Tiago, mais reservado, observa tudo com atenção, preferindo falar apenas quando necessário.
Como eu temia, durante a resolução dos problemas, Lucas tentou dominar a atividade, sem abrir espaço para os outros. Rafael, impaciente, começou a zombar:
— "Se quer resolver tudo sozinho, nem precisava de grupo!", ironizou.
Lucas rebateu de imediato, já alterado:
— "Cala a boca, Rafael! Pelo menos eu tô tentando fazer alguma coisa, diferente de você que só sabe atrapalhar!"
A discussão ganhou volume, e o clima na sala ficou tenso. Bruna, aflita, tentava acalmar os dois, mas sem sucesso. Tiago, discretamente, aproximou-se de mim e disse baixinho:
— "Professora, eles estão brigando de verdade."
Intervim imediatamente, separando Lucas e Rafael, e reorientei a turma com firmeza, destacando a importância do respeito e da escuta no trabalho coletivo. No final da aula, conversei individualmente com os dois para reforçar que conflitos podem surgir, mas precisam ser resolvidos com diálogo e responsabilidade.
Durante o intervalo, sentei no pátio com meu café, ainda preocupada com o episódio. Foi quando uma colega professora mais experiente se aproximou. Com um sorriso acolhedor, ela comentou:
— "Essas situações acontecem, principalmente com turmas mais agitadas. Nem sempre conseguimos prever tudo. O importante é como conduzimos o momento e o que eles aprendem com isso."
Suas palavras me trouxeram alívio. Logo depois, Bruna também se aproximou, dizendo timidamente:
— "Professora, eu gostei muito da atividade, só queria que a gente tivesse conseguido fazer sem briga."
Isso aqueceu meu coração. Na volta do intervalo, decidi realizar uma atividade que havia planejado exatamente para fortalecer a empatia e o senso de pertencimento: uma dinâmica sobre identidade.
Iniciei explicando que nossa identidade é composta pelas nossas histórias, família, gostos, sonhos e até mesmo pelas dificuldades que enfrentamos. Pedi aos alunos que desenhassem ou escrevessem algo que representasse quem eles eram: suas famílias, lugares importantes, brincadeiras preferidas ou o que sonhavam para o futuro.
Enquanto desenhavam, o clima foi mudando, as expressões ficaram mais leves e concentradas. Após a produção, fizemos uma roda de conversa, onde quem desejasse poderia compartilhar sua produção.
Com muito respeito, alguns alunos dividiram relatos marcantes. Tiago, que quase nunca falava, surpreendeu a todos ao contar sobre o quanto sentia falta da avó, com quem aprendeu a plantar. Bruna falou sobre seu sonho de ser veterinária para cuidar dos animais da comunidade. Até Lucas e Rafael participaram, de forma mais tranquila.
Em seguida, na sala de aula, juntamos todos os desenhos para montar o Mosaico das Identidades :uma grande imagem feita com pedaços diferentes que mostram a história de cada um. Expliquei que esse mosaico nos ajuda a entender que cada pessoa é única e importante, com suas próprias histórias e sonhos. Quando unimos todas essas diferenças, criamos algo muito mais forte e bonito do que cada pedaço sozinho. Também conversamos sobre como respeitar e valorizar o que torna cada um diferente é o que faz da nossa turma um lugar mais acolhedor, onde todos podem se sentir parte e se ajudar.
Ao final da roda, perguntei:
— "O que aprendemos ao ouvir nossos colegas?"
As respostas vieram espontaneamente: "Que todo mundo tem uma história", "Que a gente tem que escutar mais", "Que é bom conhecer melhor as pessoas".
Ao encerrar o dia, saí com a certeza de que a escola precisa ser também esse espaço de escuta e acolhimento. No caminho de volta para casa, refletia: assim como eu busco meu lugar de pertencimento, meus alunos também o fazem, todos os dias.
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