domingo, 6 de julho de 2025

PROFESSORAS TAMBÉM CHORAM (Nalígia Holanda)

O despertador toca às 05:30 da manhã. Nossa, parece que eu acabei de me deitar e já vou ter que começar tudo de novo. Como professora da Escola Alba Frota já há alguns anos, tenho que dar o bom exemplo e não posso me atrasar. Pois bem, me levantei e fui tomar um banho para espantar o cansaço do dia anterior que ainda insistia em não sair de mim. Tomei café e segui para pegar o ônibus lotado de todo santo dia. 


Durante o trajeto, observei algumas nuvens se formando no céu, e pensei: uma chuvinha agora até que não seria ruim, está fazendo tanto calor! 


Pois bem, cheguei na escola e apesar da correria, acabei me atrasando. Pedi à professora auxiliar para ir levando as crianças para a sala de aula e fui direto para o 1º ano B, ao qual sou professora. 


Era para ser um dia comum, como todos os outros, mas não foi bem assim. Um dos alunos, o Daniel (nome fictício), estava mais agitado que o normal. Por ser portador do transtorno do espectro autista com nível de suporte 3, essa criança requer muita atenção, pois geralmente costuma ser agressivo, tendendo a machucar os colegas e se machucar também. Mesmo com a ajuda da professora auxiliar fica difícil prosseguir com o andamento da aula. No entanto, procuro incluí-lo nas atividades.  Ocorreu que enquanto eu copiava a agenda, Daniel foi de súbito em minha direção e me furou com a ponta de seu lápis, atingindo minhas costas. Apesar de ter apenas 7 anos, ele é grande e tem muita força.     


Naquela hora senti um misto de dor e de impotência. Com o meu choro engasgado na garganta tentei conter Daniel. Conversei com ele em um tom não grosseiro mas firme, para ele entender que o que tinha feito foi sério e que isso não se faz. Assim,  eu e a professora auxiliar conseguimos que Daniel sentasse e se acalmasse.  


Por conseguinte, eu tive que sair da sala, pois estava sentindo muita dor e as lágrimas caíram pelo meu rosto inevitavelmente. Nesse instante veio aquela vontade enorme de desistir, de jogar anos de estudos para o alto e não estar mais sujeita àquela situação. Relatei o ocorrido para a diretora mas sabendo que pouco poderia ser feito. Não tenho raiva da criança, ela provavelmente não entende o que fez, mas não consigo compreender até que ponto situações como essa são consideradas inclusivas.


Não recebi nenhum suporte psicológico,  e ainda tive que ouvir que é assim mesmo, que isso é normal acontecer. A solução encontrada foi mudar a criança para a turma de outra professora que estará sujeita às mesmas agressões assim como eu. 


Depois desse ocorrido passei um algodão com água no ferimento e retornei para a sala de aula, continuando o que havia planejado para o dia. 


Ao chegar em casa fui dormir pensativa e decepcionada com um sistema que não colabora para uma verdadeira política de inclusão. Penso que a convivência com as outras crianças é fundamental, mas a existência de momentos em que a criança atípica pudesse estar em espaços mais direcionados ao seu aprendizado com profissionais dedicados e especializados, seria de grande valia para o seu desenvolvimento. Isso não é excluir, mas atender de forma equitativa o direito que todos têm de aprender. 


Enquanto isso, pude refletir que chorar não me fez inferior naquele momento, ao contrário, entendi que a minha dor precisava ser ao menos vista, já que sentida ela seria apenas por mim. Vou seguindo meus dias de educadora, tentando mesmo com as adversidades, cumprir a minha missão de alfabetizar para a vida. 


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