sexta-feira, 5 de abril de 2024

JOANINHA SEM PINTINHA (Helena Rios)

Mais um dia de estágio e novamente o desânimo me fazia companhia durante o trajeto, juntamente com uma leve frustração de ter chegado um pouquinho atrasada. As crianças já se encaminhavam para a sala e eu não vi nenhum dos meus colegas naquele enorme pátio. Com a chegada da professora, me encaminhei para a sala e meu coração estremeceu quando recebo um abraço surpresa de Sol (nosso elo são os doramas e ela ficou super animada ao saber que eu também já havia assistido Descendentes do Sol). Ela me apertou e disse "estava com saudade". Naquela hora o desânimo foi se esvaindo de mim, dando lugar para uma certa expectativa de que talvez o dia ainda me traria algo bom. Fiquei no meu cantinho apenas observando enquanto a professora Irma andava pra lá e pra cá se organizando para dar início a aula. Do seu armário retirou alguns gibis da Turma da Mônica e meus olhos se encheram de alegria. Fui e sou uma grande fã desses quadrinhos, tenho a memória de sempre implorar para mamãe comprar um pra mim quando passávamos numa banca de revistas. Devorava em algumas horas as revistinhas que vinham com histórias interessantíssimas e engraçadas. A professora distribuiu um gibi para cada criança dizendo "hora da leitura!". Todos concentrados e curiosos, folheavam a revista fazendo uma leitura das imagens, dos balões de diálogo, das expressões tão bem desenhadas dos personagens... Tive minha atenção voltada para uma criança que não sabia ler. Irma sempre direcionava suas perguntas para ele, na intenção de saber se ele estava apreendendo o conteúdo. Ele tinha um olhar igualmente atento ao das crianças que estavam lendo os diálogos da revista. Um de seus colegas, que chamarei de Nico, se levantava algumas vezes para ler algumas frases marcantes no gibi do amigo, explicando porque o Cebolinha parecia assustado, porque a Mônica tinha uma expressão de ira em seu rosto... Achei muito bonito, principalmente porque os dois riam bastante observando as cenas. Passada a hora do gibi, a professora retirou do seu armário um livro de história. Sendo sincera, não lembro do título exato do livro mas sei exatamente do que a história se trata pois, assim como as crianças, estava atenta a leitura. A professora Irma começou mostrando que naquela historinha tínhamos uma joaninha diferente, sem bolinhas. Por isso ela era excluída e as outras joaninhas não gostavam muito dela, a achavam muito estranha. Joaninha fazia de tudo para der incluída, até comprou uma capa com bolinhas para ser reconhecida pelas outras mas nada resolveu. Ela tinha convicção de que era uma joaninha de verdade, apesar de não ter pintinhas. Mas toda aquela exclusão a deixava chateada. Pediu ajuda de seu amigo besouro preto, que prontamente teve a ideia de contatar seu outro amigo, o pássaro pintor. Se você achou que o pássaro pintaria a joaninha com bolinhas pretas, achou errado! Quem foi pintado foi o besouro, se disfarçando de joaninha. Indo de encontro com as outras joaninhas, o besouro disfarçado se integrou a elas facilmente e a joaninha sem pintinhas revelou que ele era um impostor. E fim. Professora Irma deu um belo discurso sobre o respeito as diferenças. As crianças ouviam atentas e até participavam dizendo que todo mundo gosta de ser bem tratado. E é verdade. Pensei um pouco nas minhas vivências na escola e não lembro de ter contado com uma história assim. Acredito que se alguns colegas tivessem ouvido ela eu não teria tantos problemas com o bullying, por exemplo. Diferente da joaninha, eu não tinha convicção alguma do que eu era já que aquilo que eu apresentava ser era de um desgosto tamanho para as outras pessoas. Fui me adaptando ao que eles gostariam que eu fosse, alisando o cabelo, fazendo maquiagem para esconder as espinhas que surgiam na adolescência, ocultando meus gostos "esquisitos" para não desagradar ninguém... Quando encontrei pessoas ditas como estranhas pela maioria da turma e percebia que estar com elas era não precisar fingir ou me diminuir, pensei que a estranheza era do meu agrado. E até hoje sou amiga dessas pessoas, que participaram do meu processo de construção de identidade e personalidade. Todos nós temos a palavra "estranha/o" tatuada no braço já que foi basicamente isso que nos uniu. Fiquei feliz que aquelas crianças estavam aprendendo para além das famílias silábicas naquele dia. Fizeram incríveis desenhos sobre a história e foram pro recreio. Na volta, professora Irma solicitou minha ajuda para auxiliar Sabichona numa atividade que havia preparado no caderno. Nico até chegou junto pra tentar ajudar também mas logo foi chamado atenção então sentou. Sentada ao lado de Sabichona, percebi algumas dificuldades e fiz notas mentais para usar futuramente no planejamento da regência. Lembrei de um dia em que ela disse que não gostava de brincadeiras com palavras pois não sabia ler. Em seguida, fizemos uma atividade no livro e eu pude ajudar algumas crianças que manifestavam que não sabiam ler. Meu pensamento ia para algumas aulas de ensino de língua portuguesa, tentando entender o que aquelas crianças já sabiam, como eu poderia trabalhar esse conhecimento e usar de estímulo para que pudesse chegar no que elas não sabiam e auxiliar nesse aprendizado. Infelizmente, Vygotsky, não tive muito tempo para isso e peço desculpas. As mães foram chegando, as crianças agitadas pois perceberam que era hora de ir embora e ficou para uma próxima. Saí de lá com uma sensação de que estava aprendendo cada vez mais sobre eles e com três livros que havia ganhado da professora Irma "para me ajudar no planejamento", segundo ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário