Por algum milagre do universo (e do algoritmo do Uber), tive uma manhã tranquila. Nem parecia real: a moto chegou rápido, e, pasmem, não cheguei atrasada no estágio! Comecei o dia conversando com alguns alunos e, no meio da conversa, uma aluna solta:
"Sabia que quando Jesus soltar vai ser assim?", apontando para um cartaz do Leviatã. Confesso que por um momento fiquei pensando se ela tava falando da volta de Jesus, do Apocalipse ou de algum lançamento cinematográfico que perdi.
O sinal tocou, as turmas foram para as salas… menos a nossa. Ficamos naquele limbo pedagógico, sem saber o que fazer, até que a diretora nos mandou levá-los. Chegando lá, sem nenhuma orientação, pensamos: "bom, vamos deixar eles livres por um tempinho, o que pode dar errado?"
A resposta: tudo. Tudo pode dar errado.
A professora chegou logo depois, no mesmo clima dos alunos: energia nível "5 cafés e uma dose de caos". Resultado? Muitos gritos, muita agitação e eu ali no meio, tentando entender.
Pra apimentar o dia, três alunos foram parar na coordenação — dois por comportamento e outro porque estava com febre. Esse último me preocupou muito, principalmente porque ele não queria que a família fosse avisada. Tentei conversar, fazer aquele papel de investigadora, consegui pouco.
Nos minutos finais, decidimos propor uma brincadeira. Eles escolheram jogo da velha, mas, pra manter a ordem, tinham que jogar calados e comemorar em silêncio. Foi tipo pedir pra um trio elétrico desfilar em modo mudo: deu certo, mas sem graça nenhuma.
Ainda durante a aula, o aluno J. me encarava fixamente, até que soltou, bem sério:
"Tia, você já fez cirurgia no nariz?"
Eu, confusa: "Por quê?"
"Seu nariz é tão fino."
Achei engraçado o quanto ele me observou para isso.
A aluna L., que até então tinha uma rixa silenciosa comigo (não sei por quê, mas ela me olhava como quem lembra de uma traição passada), decidiu falar comigo nesse dia. Comentou das minhas unhas e riu de algumas coisas. Senti que, finalmente, o muro de Berlim entre nós começou a ruir.
Na aula de matemática, o caos seguiu firme e forte. Percebemos que quando um certo aluno começa a brigar, a sala inteira entra em modo hard. A professora A. tentou corrigir a tarefa de casa, mas só três alunos tinham feito — um clássico. Então ela desistiu e passou desafios pra casa. Agora é esperar pra ver se eles vão trazer na próxima quarta ou se vão alegar amnésia coletiva.
Essa quarta-feira foi tipo uma montanha-russa: começou calminha e terminou no looping do caos. Mas foi também um dia de conexões, de escuta e de pequenas vitórias (inclusive com a aluna que me perdoou sem dizer, rs). Entre perguntas inusitadas, brincadeiras silenciosas e alunos fervendo (literalmente), sigo aprendendo que a sala de aula é um universo à parte, onde nada é garantido, mas tudo é oportunidade. E que às vezes, sobreviver ao estágio já é, por si só, uma conquista digna de troféu.
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