quinta-feira, 5 de junho de 2025

ENTRE DUAS TRILHAS (Sadrak Alves)

Geralmente, começo a me preparar bem cedo para mais uma jornada na trilha. Mas hoje o caminho foi diferente. Antes de seguir para o mundo encantado da escola, o destino me levou para um momento de cuidado, acompanhar minha mãe até o local que iria realizar uma cirurgia, o tempo ali corri desacelerado, parecia que os ponteiros não passavam.

Quando enfim estava indo para a estação do reabastecimento (RU) parecia que tudo está pronto para continuar… estava indo em uma carruagem reluzente (Uber carro), na hora de pagar algo aconteceu… meu satélite de dados que faz minha conexão com o universo (Dados móveis) resolveu acabar, fiquei desesperado pois não tinha como realizar o pagamento de outra maneira.

E foi aí que a travessia quase virou meme:  como realizar o pagamento sem ter conexão? Pensei: - Pronto, vou virar aqueles protagonistas dos vídeos em que o motorista expõe alguém que tenta dar o calote. Mas graças a Deus não. Com um pouco de conversa, o motorista colocou para a próxima. E eu respirei aliviado.

Depois do susto, consegui almoçar, peguei a nave da trilha e segui viagem. Logo ao chegar, percebi que estava presente todos os vinte guardiões dos tesouros. É justo hoje, a minha companheira guardiã dos passos sábios não pôde está presente.

Hoje acompanhei duas guardiãs que ainda estão aprendendo a desvendar os segredos das letras. Uma delas estava com uma jujuba na mão, rapidamente falei: ainda não está no momento de comer, mas depois você pode comer. Ela não demorou muito e logo estendeu o braço e me ofereceu uma. Eu deveria ter recusado, né? E foi exatamente o que eu… não fiz. Ou melhor: o que eu deveria ter feito. Mas acabei aceitando. Comi a jujuba. E ainda agradeci. No fundo, me senti parte de uma aliança misteriosa e açucarada. Mas logo falei, guarda viu, depois você come. 

Enquanto a professora organizava a sala, uma cadeira faltou. Vinte guardiões, dezenove lugares. A guardiã dos cachos escondidos, sempre esperta, sentou-se na cadeira da professora e falou: - Hoje eu sou a professora! Abram o livro na página 28 de geografia! 

No mesmo instante, um guardião perguntou: -O que é que ela é? 

E, em um coro, todos responderam  entre risos: - mentiroso.

Riram tanto que os risos quase preencheram o espaço da cadeira que faltava. 

Hoje foi um dia especial, duas guardiãs estavam completando ano, as guardiãs gêmeas. Uma delas perguntou: - Que trouxe presente para mim? 

A irmã, sem hesitar, completou: - Pra mim também! 

Como ninguém respondeu, ela disse, num tom de tristeza. - Nossa, ninguém nesta sala me deu presente… 

Doeu um pouco ouvir isso. Mais tarde, uma das crianças que acompanhei olhou para mim, observou meu cabelo com atenção e falou:  -Meu cabelo é cacheado, quando eu era pequena era igual ao seu. Mas agora cresceu e tá feio. 

A fala me entristeceu e logo corrigi com carinho, dizendo que ele só tinha mudado, mas continuava lindo. Naquele momento, não era só sobre corrigir. Era sobre reafirmar. Era sobre ser apoio, ser espelho, ser escuta. Era sobre mostrar, com palavras e com presença, que sim, seus cachos são bonitos.

No segundo momento do dia, após o intervalo, continue trabalhando com as duas crianças. Mas dessa vez mudei de estratégia, ao invés de trabalhar com elas separadamente, propus que  fizessem juntas. Disse que uma poderia ajudar a outra nas letras que não soubesse. Ideia funcionou, uma ajudava a outra com alegria, eram duas crianças se fazendo fortes e isso me deixou alegre.

Nesse dia, a professora estava mais leve, simpática, conversando mais, demonstrando mais paciência com as crianças e mais delicadeza. Confesso que fiquei feliz com isso. Estava tudo mais tranquilo, menos gritos e mais escuta.

Mas, mesmo com tudo isso, minha cabeça estava um pouco distante. Enquanto o corpo seguia na sala, minha mente vagava também na cirurgia da minha mãe. Conciliar o cuidado com os outros e a preocupação com quem a gente ama é como andar por duas trilhas ao mesmo tempo. Foi difícil equilibrar esses dois mundos, o mundo do cuidado com as crianças, que me pede atenção, carinho e paciência, e o mundo da minha própria preocupação, que apertava o peito a cada instante. E, mesmo assim, eu consegui estar ali de verdade. Porque presença não é perfeição. É fazer o melhor possível mesmo com as distrações, com as incertezas e os medos que a vida nos traz. 

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