sexta-feira, 4 de julho de 2025

LOUISE & LUA - Larisse Sousa

Naquela tarde de quarta-feira, saí de casa com minha filha, Louise, de sete anos, como em qualquer outro dia. Ela estuda no 2º ano do Ensino Fundamental, na Escola Alba Frota. Mas, ao chegar na escola, fui surpreendida por um convite da professora para permanecer um pouco mais. Era o dia da culminância de um projeto que as crianças haviam desenvolvido nas últimas semanas. Como eu estava com o turno livre no trabalho, resolvi ficar. Confesso que, no início, achei que seria algo simples, mais voltado para os adultos mesmo, mas fui completamente surpreendida pelo que vi e vivi lá.



O projeto da turma da Louise se chamava "O Meu Alfabeto". Cada criança escolheu uma letra e, a partir dela, criou algo — uma palavra, uma imagem, uma ideia. Quando a professora chamou a Louise para apresentar, meu coração se encheu. Ela escolheu a letra L, de Louise, e também de lua. Subiu com segurança e mostrou um desenho lindo que tinha feito: um céu escuro com uma lua grande sorrindo, e disse que a lua representava ela mesma, "porque gosta de iluminar os outros".



Me emocionei com o cuidado das educadoras, com o espaço que foi dado às crianças para se expressarem, e com a maneira como cada família foi acolhida. Eu não imaginava que uma simples tarde na escola poderia me fazer sentir tão próxima do universo da minha filha dentro da sala de aula. Ali, vendo a Louise falar com tanto orgulho, entendi melhor os avanços que ela teve e o quanto ela se sente segura e pertencente àquele espaço.



Saí de lá com uma certeza: esse tipo de evento aproxima a família da escola de um jeito que nenhuma reunião formal consegue fazer. A culminância me mostrou que a educação vai muito além de aprender letras — é também sobre se reconhecer, se expressar, se sentir capaz. E como mãe, percebi o quanto é importante participar, escutar e caminhar junto com a escola nesse processo de formação.

Porque o amor não dá para delegar (Hanna Caroline)

Era uma quarta-feira comum, daquelas em que a gente já acorda cansada só de pensar em tudo que precisa fazer. Saí de casa no automático: criança vestida, lanche na mochila, beijo rápido na testa e lá fui eu encarar mais um dia puxado no trabalho, daqueles com prazos apertados e chefe de mau humor.
No meio da tarde, no auge da correria, o celular vibrou. Número conhecido: escola Alba Frota.
 "Seu filho está com febre, pode vir buscá-lo?"
 
Na hora, meu coração apertou, mas junto veio a frustração. Respirei fundo, pedi pra sair, mesmo sabendo o peso que aquilo traria depois. O chefe não escondeu o olhar atravessado, veio o julgamento de brinde. Peguei minhas coisas e fui, porque não existe relatório, meta ou prazo mais urgente do que um filho doente.
Quando cheguei na escola, Olhei em volta e vi outras crianças na escola, visivelmente doentes, e pensei: Por que sempre eu? Por que outras mães não vêm? Por que eu tenho que largar tudo e sair mais cedo, justo hoje, com tanto trabalho acumulado e o chefe já me olhando torto?

Ao chegar à coordenação, lá estava ele, deitadinho, rosto quente, olhos marejados. Me olhou como quem diz: "Até que enfim, mãe", mas sem cobrança, só alívio. Peguei no colo, mesmo com ele pesando mais do que meu braço aguenta, e fomos embora.
No caminho, ele encostou em mim, meio grogue de febre e sono, e disse baixinho:
 "Eu só queria você aqui, mamãe."
E foi ali, naquele instante simples, que tudo desacelerou.
Sim, foi difícil sair do trabalho. Sim, foi péssimo não ter com quem dividir. Mas naquele momento, ficou claro: o lugar certo para ele era em casa, e o meu lugar era ali, com ele.

Às vezes a gente reclama da escola ligar, de ter que sair correndo, de o mundo não entender o que é não ter rede de apoio. Mas a verdade é que escola não é hospital, e colo de mãe não dá pra terceirizar. Eles cuidaram até onde podiam. Depois, me chamaram, como deve ser.

Naquele dia, eu entendi, mais uma vez, que estar presente, mesmo atropelando tudo, também é uma forma de amar e proteger.
Nem sempre vou dar conta de tudo. Nem sempre vou conseguir evitar os olhares tortos, nem as perdas no trabalho. Mas meu filho precisa saber e sentir que ele é prioridade. Mesmo quando o mundo inteiro tenta dizer o contrário.

Porque, no fim das contas, não é sobre o que a gente deixa para trás, e sim sobre para quem a gente corre quando mais importa.

ATÉ UMA CRIANÇA DO INFANTIL FARIA! (Gabriel Costa da Silva)


Na última quarta-feira, meu filho Gabriel, de 10 anos, aluno do 5º ano da Escola Alba Frota, chegou em casa visivelmente abalado. Ele não quis lanchar, como costumava fazer, e ficou mais quieto do que o normal. Depois de algum tempo, acabou contando para mim e para a avó o que havia acontecido na escola naquele dia.

Durante uma atividade em sala, ele errou uma questão da atividade de matemática. A professora, em vez de orientar com paciência, gritou na frente de todos os colegas: "Isso até uma criança do infantil sabe fazer!" — palavras duras, que deixaram meu filho envergonhado, constrangido e, acima de tudo, magoado.

Quando ele terminou de contar, confesso que meu coração se apertou. A dor dele bateu em mim. Minha primeira reação foi de indignação, mas também de dúvida. Será que eu deveria ir até a escola? Será que valia a pena "comprar briga"? Decidi então conversar com meu irmão, que tem mais conhecimento na área da educação, e pedi sua opinião sobre o que fazer.

Ele me ouviu com atenção, e foi firme ao dizer que aquilo não era apenas um deslize. Era algo sério, que não poderia passar em branco. Explicou que atitudes como essa, se normalizadas, deixam marcas profundas nas crianças e acabam contribuindo para a perpetuação de práticas desrespeitosas dentro da escola. Concordei com ele. Não era só pelo meu filho — era por todas as crianças que poderiam ser tratadas daquela forma.

No dia seguinte, fui até a escola e pedi para conversar com a coordenação pedagógica. Fui recebido com respeito e, para minha surpresa, a coordenadora ficou tão constrangida quanto eu. Disse que se envergonhava do ocorrido, que aquela não era a conduta esperada de um professor da escola, e até sugeriu que chamássemos a professora para conversar juntas. Mas, naquele momento, preferi não. Meu objetivo ali não era constranger ninguém, e sim deixar claro que, como pai, não aceitaria que meu filho fosse humilhado.

No dia seguinte, a professora chamou meu filho e pediu desculpas. Disse que não percebeu o tom em que falou, que não teve a intenção de ofendê-lo. Ele me contou isso com um alívio tímido, mas eu percebi que aquela ferida ainda estava ali, mesmo que mais discreta.

Essa situação me fez pensar sobre o peso das palavras na infância. Um comentário feito de forma impensada pode parecer pequeno para quem fala, mas imenso para quem escuta. A sala de aula deve ser um espaço de acolhimento, onde o erro seja entendido como parte do processo de aprendizagem — e nunca como motivo de humilhação.

É importante que os profissionais da educação reconheçam que sua postura tem um impacto emocional duradouro sobre os alunos. Não basta ensinar conteúdos; é preciso ensinar com respeito, empatia e escuta. Fico grato  pela postura da coordenação, que acolheu minha queixa com seriedade. Mas também fico atento: é preciso que as escolas estejam dispostas a rever práticas, a formar continuamente seus professores e a construir um ambiente mais humano.

Meu filho continua gostando de estudar, mas eu, como pai, fiquei com a sensação de que preciso estar ainda mais presente, mais atento. Porque, às vezes, o maior aprendizado que uma criança precisa é o de que ela tem o direito de ser respeitada — e que, se isso não acontecer, alguém estará lá por ela.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

NO COMPASSO DE TEREZA (Milena)

Na última quarta-feira fui levar minha filha Tereza, de 7 anos, à escola. Ela é uma criança autista e tem dificuldade de acompanhar o ritmo da turma, então precisa de uma acompanhante terapêutica (AT) para ajudar no processo. O problema é que a escola está cheia de demandas e não tem nenhuma AT disponível para ela. Por isso, Tereza tem faltado bastante às aulas, mas recebi um aviso da escola sobre o limite de faltas, então resolvi levá-la.


Acontece que naquela quarta, eu tomei coragem e decidi tomar uma iniciativa. Fui conversar com a diretora e disse que eu mesma ficaria com a Tereza durante a aula, pois não ia mais negar a ela o direito de estudar, pretendia acompanhá-la de pertinho e não aceitaria um não como resposta.


Entrei em sala com ela e a rotina das crianças começou com uma acolhida que a Tereza não quis participar. Ela preferiu ficar no meu colo. Enquanto a professora realizava a acolhida com as outras 20 crianças, fui tentando tirar minha filha do colo. A acolhida acabou e a professora passou uma atividade no quadro e todas as crianças começaram a copiar. 


A Tereza sabe escrever, mas demora muito pra passar do quadro pro caderno, então eu mesma fui copiando por ela. Pra distrair um pouco enquanto eu escrevia, dei o meu celular para ela. Pois, é assim que costumo fazer em casa quando preciso que ela fique mais quietinha. 


Em certo momento, a professora se aproximou e sugeriu que eu ajudasse minha filha em uma atividade com sílabas e imagens. Pediu que eu mostrasse, por exemplo, a imagem de uma bola, dissesse a palavra devagarinho e ajudasse a Tereza a identificar a sílaba inicial. 


Eu achei bem simples e resolvi tentar, mas ela não queria saber da bola, nem da sílaba, nem de mim. Queria o celular! Quando tentei tomar o celular da mão dela, ela me arranhou, jogou tudo no chão e começou a gritar e chorar. Eu sei que devia ter reagido, mas segui sentada na cadeirinha minúscula, pensando no que fazer quanto a toda aquela situação enquanto me sentia sendo devorada pela frustração tal qual um castelo de areia é engolido pela onda do mar.


Senti uma frustração que não cabia no peito por não conseguir ajudar minha filha do jeito que ela precisava, por não saber o que fazer e por não poder desistir. E, confesso também que estava um pouco envergonhada pela situação toda, pelos olhares assustados das crianças, pelo olhar da professora que tentava acalmar minha filha enquanto eu só aceitava a situação e envergonhada, principalmente, por ter achado que era uma boa ideia dar o celular para ela.


A professora até tentou acolher a Tereza, mas aquela altura ela estava muito irritada, agitada e sem conseguir se acalmar. Então sem conseguir pensar numa resolução, eu resolvi levá-la de volta para casa me sentindo completamente impotente. 


Antes de ir embora, a professora me chamou no cantinho e me falou que apesar da Tereza não ficar até o fim da tarde, ela tinha ficado feliz por ela ter ido e pela minha presença também, que compreendia a minha dificuldade e esperava que em breve a escola tivesse mais AT'S a disposição. Além disso, ela me perguntou se eu podia escrever um relato contando a minha percepção sobre a tarde para que ela utilizasse como "documento" para a solicitação de uma acompanhante terapêutica para a Tereza. 


Senti a frustração dando lugar à esperança. No caminho de volta ela já estava bem mais calma e consegui tranquilizar meu coração também, ainda não sei qual será a solução do problema, mas vou seguir dando um passo de cada vez, pois desistir não é uma opção.

MAIS UMA REUNIÃO (Renata Feitosa)


Essa manhã eu acordei aflita. Mais uma reunião de responsáveis e professores. Mais um dia de reclamações sem fundamento e cobranças fora da realidade. 


Chegando na escola lá estava ela, a professora do meu filho, me encarando como se estivesse com o discurso todo pronto. Deixei meu filho em sala e já fui para a fila que eles organizam no pátio para que cada pai seja "atendido".


Na minha vez a professora mostrou as notas das últimas avaliações, e estava lá como eu havia previsto, notas abaixo da média, mau comportamento em sala de aula e algumas brigas fora dela. — Meu filho só é assim porque ele é influenciado! Ele é um anjo em casa, a culpa é desses outros alunos e falta de pulso dessa professora que só sabe jogar a responsabilidade nas minhas costas. 


Deixei ela falar sobre o desempenho em sala e tendendo a falar que eu deveria ajudá-lo. — Mas como? Eu trabalho o dia todo, isso é trabalho dela! Se meu filho não está aprendendo a culpa é desses professores meia boca.


Nesse dia eu não queria confusão, já estava por aqui com essa escola que só reclama do meu filho, que tenho certeza que não dá trabalho algum, eles que não querem trabalhar. Então, acenei com a cabeça com o sorriso que consegui e não falei muita coisa.


Por fim, fui me despedir do meu filho e fui até a sala de aula, mas não atrapalhei nada, só fui até a porta e dei tchau, sorrindo, mandei beijos e  falei com uns coleguinhas dele enquanto a outra professora estava resolvendo umas questões foi bem rapidinho. E logo vi que meu filho estava quieto… não sei de que criança essa escola tanto fala, definitivamente não é o meu filho!


ENTREGA DE RESULTADOS (Levi)

O céu de Fortaleza amanheceu chuvoso, e diante de um clima tão ameno recebo uma ligação do meu irmão, Joel, que relatou por telefone que estava muito doente e não poderia receber os resultados do boletim escolar de seu filho, que se chama José. Diante da situação, ele solicitou a minha presença como responsável dele na escola para o recebimento dos resultados. Coincidentemente eu não tinha marcado nenhum compromisso no dia e eu estava livre, então topei e fui para a Escola Alba Frota.


Joel estava em processo de separação da sua esposa, a Maria. E este processo tem sido muito doloroso para o José, que tem muito apego ao pai mas que o pai não tem sido muito presente nos estudos da criança. A criação do Joel foi dificil, sempre trabalhou desde criança e ele nunca valorizou os estudos. Diante de uma criação difícil, ele considera que a escola não é um aspecto importante na formação do sujeito e que o caminho a ser seguido desde sempre é o de trabalhar.


Estacionei meu carro numa rua próxima da escola e fui andando até a escola. Chegando lá fui orientado pela secretária o local de entrega dos boletins, que seria na sala do 4A. A professora estava entregando para os pais que estavam chegando e havia uma fila de 3 pessoas na minha frente, aguardei e logo já chegou na minha vez.


A professora Roberta que estava entregando foi ágil com os atendimentos dos pais, então quando chegou a minha vez e me apresentei como o tio de José e ela  me entregou o boletim indicando os pontos fortes e pontos fracos do José. José é uma criança muito extrovertida, gosta de brincar com todos, é uma criança alegre, bastante hiperativa e não deixa ninguém quieto. No entanto, diante do processo de separação dos pais José tem se tornado uma criança indisciplinada e agressiva. Passou a contrariar os comandos da professora e deixou de participar das atividades propostas em sala.


A docente também relatou que José é uma criança que tem sérias dificuldades de leitura e de escrita. Na escrita o José troca os números e as letras, erra na leitura de sílabas e não reconhece ainda certas letras do alfabeto. Diante da situação, a professora fez severas críticas aos pais de José pois eles não estavam instigando José para estudar e isso faria dele uma criança fraca e analfabeta no 4° ano. Por conta de suas sérias dificuldades de leitura e escrita, suas notas eram baixas e ele não alcançou a média da escola. Também criticou o comportamento de José dentro da escola e que ele tem sido uma criança muito difícil e a sua convivência tem sido desafiadora dentro de sala de aula.


A professora em nenhum momento tocou no assunto sobre a possibilidade de José possuir algum transtorno de aprendizagem ou estar em um processo contínuo de sofrimento diante da situação familiar, e por conta disso, não concordei com as críticas da professora Roberta. De fato, os pais de José são ausentes na escola por serem trabalhadores e não possuem disponibilidade de estarem o tempo todo próximo do filho gerenciando o aspecto pedagógico, mas não posso afirmar que são negligentes. Perguntei a professora se ela achava que o José poderia ser um aluno com dificuldades de aprendizagem e ela retruca: "ele somente não escuta o que a gente fala, é um menino muito indisciplinado e muito difícil"


Foi algo duro de escutar, pois José é apenas uma criança que está brincando e vivendo a sua infância. Os seus problemas de aprendizagem não podem ser minimizados ou tratados como frescura por conta de seu comportamento. Diante da problemática, conversei com Joel, não com a intenção de brigar com a professora, mas com o intuito de buscar apoio para José. Levamos José no psicólogo e logo fomos ao psiquiatra para descobrir qual era a dificuldade de José. Logo tivemos o diagnóstico: José possui dislexia. O diagnóstico não foi uma surpresa, pois era perceptível as dificuldades de aprendizagem, então o nosso próximo passo foi buscar apoio na escola para tratar o aspecto pedagógico de José.


A coordenadora pedagógica foi muito solícita e nos atendeu, mostramos o diagnóstico de dislexia e solicitamos um maior apoio pedagógico da professora. Apoio no sentido de suporte pedagógico dentro de sala de aula, propondo atividades e intervenções para José. Após a reunião com a coordenação, conversamos com a professora e explicamos o diagnóstico de dislexia do José. Inicialmente ela se mostrou resistente, pois o aluno é completamente diferente dentro de sala de aula e isto muda a percepção da docente. No entanto, explicamos que não podemos deixar de lado os fatores externos da escola de lado quando se trata de aprendizagem. A professora se prontificou de prestar apoio ao Aluno e pediu desculpas pelo o que havia dito no dia da entrega de boletins


DIA DE FESTA NA MINHA CABEÇA (Thalita D.)

Fui convidada a acompanhar a minha afilhada Liz, de 4 anos, durante o turno da manhã na escola Alba Frota, era dia de festa junina. Ela estava animada há dias, ensaiando a música da quadrilha pela casa. Então aceitei com alegria o convite para passar esse momento ao lado dela.
Cheguei na escola por volta das 8h e fui surpreendida pela decoração feita com muito cuidado, bandeirinhas coloridas por toda parte, tecidos xadrez, fogueiras cenográficas e um painel lindo com o nome das turmas. As crianças estavam eufóricas, dançando, tirando fotos e mostrando os trajes com orgulho. O momento mais marcante foi a quadrilha. Mesmo com alguns passos trocados e olhares tímidos, as crianças estavam radiantes. Depois da apresentação, tivemos uma mesa com comidas típicas, tudo organizado com cuidado.
Enquanto as crianças comiam, conversavam e riam, me peguei observando o quanto esses eventos fortalecem os vínculos entre alunos, professores e famílias. Vi mães, avós, tios, pais, todos participando, fotografando, sorrindo, formando uma rede de afeto ao redor das crianças.
Ao final da festa, saí da escola com o coração feliz. A Festa Junina, mais do que uma comemoração, foi um espaço de expressão cultural e construção de memórias afetivas. Vi crianças se divertindo, sendo felizes. Refleti sobre como esses momentos lúdicos também educam, e ensinam a celebrar em grupo. E percebi, mais uma vez, que a escola é muito mais do que paredes e horários, é onde se aprende a viver em sociedade.

CACOS DE VIDRO (Ana Letícya)

Quarta-feira era pra ser só mais uma quarta-feira. 

Na minha rotina de mãe solo, vivo no modo hard core: pega toalha, acorda criança, manda pro banho, faz lanche, coloca lancheira. A manhã parece uma maratona com tempo curto e tarefas infinitas. Mas no meio da correria, algo me parou.

Meu filho, cabisbaixo na hora do lanche. Um silêncio diferente. Um olhar que pedia ajuda. Às vezes, a pressa do dia a dia nos cega e só percebemos tarde demais.

Sentei, acolhi, respirei com ele. Perguntei o que havia, e ele respondeu com lágrimas. Depois de um tempo, conseguiu dizer entre soluços:

"Mãe, você precisa ir na escola, tão me zoando, me chamando de coisas. E hoje quebraram a janela com a bola e colocaram a culpa em mim."

Foi como um soco. Peguei o celular e vi a mensagem da coordenadora:

"Boa tarde, mãezinha. Estou mandando essa mensagem para que você venha até a escola, pois o seu filho quebrou a janela da secretaria."

Na hora, o sangue ferveu. Mas ninguém conhece um filho melhor do que a própria mãe. E ali, diante do choro dele, eu sabia: ele não mentia.

Fui até a escola com o coração apertado, mas com o olhar firme.

Cheguei na escola Alba Frota, conversei com a coordenação, ouvi o que tinham a dizer, e com calma contei o que meu filho havia me relatado. Aos poucos, os fatos foram se clareando, outras crianças confirmaram o ocorrido e a verdade encontrou o caminho certo. Fiquei pensando o motivo de não terem feito isso antes do meu filho ser acusado injustamente.

A escola ouviu. Dialogou. Se comprometeu a acompanhar mais de perto e isso não só esclareceu os fatos, como fortaleceu ainda mais o elo entre família e instituição. Porque educar uma criança é, antes de tudo, caminhar juntos. E naquele dia, caminhamos na mesma direção.

Voltei pra casa com meu filho, sabendo que naquele dia ele aprendeu algo importante:

Nem todo mundo vai te enxergar de primeira,

mas quando você tem alguém que acredita em você e está disposto a escutar de verdade, a justiça se constrói com diálogo, presença e coragem.

E eu também aprendi:

No meio do caos das manhãs corridas, vale sempre a pena parar… olhar… e escutar. Porque às vezes, a forma mais poderosa de proteger é simplesmente estar ali, inteira.

EU NEM SABIA QUE ERA ASSIM (Nalígia Holanda)

Era para ser um dia comum, daqueles que a gente acorda cedo, faz almoço, limpa a casa e arruma a filha para deixar na escola. E justo nesse dia que eu estava sonhando em fazer a unha, uma hidratação no cabelo, enfim, cuidar um pouquinho de mim.


Pois bem, cheguei na escola da Branca e fui com ela até a sala de aula como de costume.  Quando eu já estava saindo aconteceu algo que de início não levei muito a sério, mas depois me vi presa em uma situação que me custou a tarde inteira. Aconteceu que naquele exato momento, a professora de Branca me chamou para dar um comunicado, e de repente a professora auxiliar recebeu uma ligação e precisou sair às pressas. Quando a  professora auxiliar saiu, bateu a porta e… parecia mentira, mas a porta emperrou e não abria mais. Eu disse para a professora regente: - E agora? Eu preciso ir, tenho um compromisso!!. E ela me respondeu: - Infelizmente a senhora vai ter que esperar, pois preciso falar com alguém que possa resolver essa situação. Fiz uma cara feia e me sentei em uma cadeira. A professora ligou para a diretora explicando o ocorrido e a diretora prontamente começou a  ligar para alguns chaveiros, a fim de solucionar o problema.


Enquanto eu estava sentada comecei a observar. A professora mesmo diante daquela situação conversava com as crianças para acalmá-las. Ela propôs uma roda de conversa com o seguinte tema: Vamos observar a nossa sala de aula, o que você acha que poderia fazer para  torná-la mais bonita e aconchegante? E assim, uma por uma, foram falando seus desejos. Pintar cada parede de uma cor, fazer um pequeno cantinho da natureza, com vasos de plantas e flores, desenhar uma amarelinha no chão, foram alguns palpites dados pelas crianças, que já estavam ficando empolgadas com aquela conversa e imaginando como a sala poderia ficar mais alegre e mais parecida com cada um. A professora anotava cada desejo, e mesmo sem ter planejado aquele momento ela começou a perceber que a situação de enclausuramento apesar de ruim estava se tornando um projeto.


 Eu achei tão interessante a forma como ela conduzia tudo e digo que até esqueci que não ia mais fazer minha unha. A gente ria de alguns desejos mirabolantes, se admirava com outros bem interessantes e na hora que todos falavam de uma só vez gerando aquela confusão, a professora aumentava o tom de voz e pedia que se organizassem, levantando a mão para falar um de cada vez. Para as crianças com TEA que normalmente não ficavam sentadas, a professora os convidava para participar mas não os obrigava, respeitava seus tempos. Ao final, todos desenharam como queriam que a sua sala de aula fosse, explicando sua produção. A professora fez um varal para expor os desenhos. 


Durante esta tarde, eu aprendi muito sobre o papel da educadora. Ao ver sua atuação pude vivenciar a sua rotina, que é atravessada por muitas coisas, como: uma sala de aula pequena para muitos alunos, poucos materiais didáticos e pedagógicos, poucos profissionais de apoio. 


Com isso, me senti incomodada em ficar parada só olhando e como eu já estava lá mesmo, resolvi ajudá-la. E logo, lá estava eu, auxiliando os atípicos com suas criações, estimulando outros que disseram que não tinham ideias dando dicas, como: Pense em desenhar algo que você gosta muito e que poderia trazer para a sala de aula.


Assim, as horas passaram e eu nem senti. O chaveiro veio consertar a porta e como já estava na hora da aula terminar, chamei Branca e me despedi da professora e das outras crianças. Quando cheguei em casa me peguei rindo desse dia que começou com uma raiva e terminou com uma vivência diferente, a de saber como é ser professora. Pois é, eu nem sabia que era assim. 

                          


O TEMPO (Kairon)

RELÓGIO NÃO PARA


04:25 — Ainda é bem cedo. Levantei da minha rede com um pulo, o coração batendo rápido, quase como se já soubesse que o dia de hoje ia ser diferente. Finalmente chegou o grande dia. Esperei a semana inteira por este momento — o tipo de espera que parece arrastar o tempo, como se cada minuto tivesse mais de sessenta segundos.


04:30 — A casa ainda está mergulhada no silêncio. Minha mãe não acordou. O quarto dela está escuro, a porta entreaberta. Meu pai… não voltou ontem. De novo. Mas hoje ele vai chegar. Dessa vez, eu sinto. Dessa vez, ele não vai mentir.


04:35 — Me aproximo da janela devagar. As frestas da madeira deixam escapar um filete de luz laranja do poste lá fora. A rua está vazia, quieta. A luz ainda acesa parece sussurrar que ainda é noite. Me deito de novo, tentando enganar a ansiedade. Mas o pensamento não dorme comigo.


06:00 — Agora levantei de verdade. Minha avó me acordou com um pão quentinho, embrulhado num pano de prato florido, e um café com bastante leite, do jeito que eu amo…gosto de casa. Era afeto. Era meu momento preferido da manhã — e talvez o único que me fazia esquecer por alguns instantes o que viria depois.


12:00 — Ainda ansioso. Sinto como se o tempo estivesse me provocando, escorrendo devagar só de teimosia.


13:00 — Quarta-feira. O melhor dia da semana. Os tios estagiários vêm hoje. A sala fica mais animada, mais viva. Queria que eles também viessem na quinta. Quinta é o segundo melhor dia: tem educação física. Eu queria ver se os tios são bons no racha. Queria ver o tio Kairon driblando alguém. Ia ser engraçado.


13:50 — A primeira aula é do tio Levi. Ele chegou com uma caixa enorme — dessas que dá vontade de abrir antes mesmo de saber o que tem dentro. Quando ele tirou as pirâmides lá de dentro, meus olhos brilharam. Pareciam brinquedos de um outro tempo. Ele explicou sobre arestas, vértices e faces. Eu nem piscava. Tudo parecia mais interessante quando ele falava.


14:30 — Tio Kairon se abaixou do meu lado, com aquele jeito de quem presta atenção de verdade, e perguntou por que eu estava tão animado hoje. Contei pra ele. Mas fiz ele prometer que não contaria pra ninguém o que ia acontecer depois da aula. Ele sorriu daquele jeito que deixa a gente mais leve e disse que queria saber tudo… mas só na próxima semana. "Me dá o relatório completo, fechado?", ele brincou. Fechado.


15:30 — Finalmente chegou a aula do tio Kairon. Ele explicou umas questões de matemática que a gente errou na prova da semana passada. Eu nem me importei com os erros. Minha cabeça estava em outro lugar, contando os minutos como quem conta moedas raras.


16:00 — Olhei pro relógio. Quase na hora de ir embora. Meu peito ficou apertado, como se o ar tivesse ficado mais pesado. Depois de tanto tempo, eu ia viver o que sonhei por anos. Fechei os olhos e tentei imaginar como seria.


16:21 — A aula de artes estava especialmente boa hoje. Fizemos um cartaz com recortes de revistas e jornais. Tio Kairon deixou a gente usar a criatividade à vontade. Eu colei um céu azul recortado de um comercial de férias e uma mão segurando um relógio. Achei que combinava com o dia.


17:00 — Me despedi dos meus amigos e da professora. Dei um tchau demorado pro tio Levi e pro tio Kairon. Eles sorriram, mas eu vi nos olhos deles que estavam curiosos. Ninguém perguntou nada. Ainda bem.


17:00 — Hora de ir pra casa. 

quarta-feira, 2 de julho de 2025

BRINCANDO COM O MEDO, DESCOBRI A CORAGEM (Ana Beatriz)

Na última quarta-feira, fui chamada pela escola Alba Frota para comparecer a uma reunião emergencial com a professora do 1º ano, turma da minha sobrinha Maria Clara, de seis anos, que está passando por um processo de adaptação na nova escola. A diretora havia solicitado a presença das famílias de algumas crianças que estavam apresentando dificuldades na socialização e no processo de alfabetização. Como a mãe da Clarinha, minha irmã, trabalha o dia inteiro, fui eu, tia e responsável afetiva, quem a levou e permaneceu na escola durante o turno da tarde.

Ao chegar, fui muito bem recepcionada pela coordenação e encaminhada à sala onde aconteceria a reunião. Estavam presentes outras famílias, a professora, a coordenadora pedagógica e uma psicóloga da rede. A professora iniciou falando de forma bastante sensível sobre como cada criança vinha se desenvolvendo e logo mencionou Maria Clara, explicando que ela tem se mostrado tímida, evita interações com colegas e professores, se comunicando muito pouco e também demonstra insegurança ao tentar ler ou escrever.

Fiquei surpresa, porque em casa a Clarinha é uma menina muito comunicativa, inventa histórias, canta, dança e tem uma curiosidade imensa sobre o mundo ao seu redor. Fiquei me perguntando o que acontece quando ela cruza os portões da escola. 

"Será que ela tem medo? Será que alguém está a machucando? Será que nós como família estamos ignorando alguns sinais disso todo esse tempo?" 

Contudo, durante a reunião, percebi que outras famílias compartilhavam preocupações parecidas: crianças que mudam de comportamento ao entrar na sala de aula, que se fecham ou expressam agitação.

Após esse momento coletivo, fomos convidadas a visitar a sala das crianças durante uma atividade pedagógica proposta pela psicóloga da rede municipal. Sentei no fundo da sala e vi a Clarinha com os olhos baixos, olhando para o caderno em sua mesa e mordendo o lápis. Quando a professora chamou os alunos para escrever uma cartinha para alguém da família que estava ali presente, notei que ela hesitou, olhou ao redor, e depois de alguns minutos veio até mim e perguntou se podia escrever pra mim. Eu disse que sim, e ela sorriu, um sorriso que me desarmou.

No papel, ela escreveu: "Tia eu te amo. Gosto quando a gente lê junto." Com algumas letras trocadas, mas com tanto sentimento que precisei disfarçar as lágrimas. Ao irmos para casa juntas paramos para tomar um sorvete e puxei uma conversa sobre o assunto, perguntei o motivo de ela estar se comunicando tão pouco com os coleguinhas e os professores, e o receio em escrever e ler. E ela respondeu: 

"Tia, eu tenho medo porque eu não conheço eles, quando a gente lê junto e eu erro alguma coisa, você não briga comigo, só me diz o que está errado, mas e se com eles não for assim? E se eles rirem de mim?"

Na hora, meu coração apertou. A Clarinha, tão pequena, já carregava um medo tão grande de errar. Medo de ser julgada, de não ser acolhida. Aquele momento me fez perceber o quanto a escola pode parecer um lugar inseguro quando os vínculos ainda não foram construídos. Segurei sua mão, olhei bem nos seus olhos e disse: 

"Todo mundo erra, Clarinha. A gente vai aprendendo junto. E a professora está lá pra te ajudar, assim como eu."

Durante a noite, resolvi ler com ela um livro que abordasse justamente o que ela estava sentindo no momento, o livro "E foi assim que eu e a Escuridão ficamos amigas" do Emicida, que aborda justamente essa questão do medo na infância. E uma frase do livro me chamou atenção: 

"O senhor medo vai embora contente, quando vê a coragem triunfar lindamente"

Expliquei pra ela que coragem é justamente isso, ir com medo mesmo. Não existe uma pessoa corajosa nessa vida que não tenha sentido medo antes de fazer algo. O medo faz parte do processo e da vida o tempo todo, mas o que não podemos deixar é ele nos paralisar.

Mas ainda assim, nos dias seguintes, não parei de pensar nisso. Quantas crianças vivem esse mesmo medo em silêncio? Quantas, como a minha sobrinha, escondem sua potência por trás da timidez, do receio de não serem compreendidas?

Como alguém da comunidade, percebi o quanto a presença da família dentro da escola é essencial. Não apenas para acompanhar o desempenho escolar, mas para estreitar laços, construir confiança e mostrar às crianças que a escola é um espaço de segurança e afeto.

Como futura pedagoga, compreendi ainda mais a importância de práticas pedagógicas que considerem o emocional da criança como parte do processo de aprendizagem. Não basta ensinar letras e números — é preciso ensinar coragem, escuta e empatia. E isso só é possível quando a escola se abre para o afeto, para o diálogo com as famílias, e para a escuta verdadeira das crianças.


DAS "MINHAS CRIANÇAS" À MINHA CRIANÇA (Eduardo)

Faz tempo que não sou professor de Estágio, mas me vêm à mente estudantes daqueles tempos quando venho deixar minha filha Maria na escola e passo toda a tarde de quarta-feira na Alba Frota. 

Fonte: Google Maps

Toda quarta, arranjo algo diferente pra fazer na escola. Hoje a professora da Maria, que conheço desde os tempos de Estágio, pediu para eu ler um de meus livros e cantar uma de minhas canções para a turma, o que eu fiz com alegria, embora Maria tenha ficado um pouco desconfortável com isso. Na hora do almoço, farei uma "roda de sentimentos" com ela pra descobrir o que ela estava sentindo. Outras duas professoras queridas, sabendo que eu levaria o ukulele hoje, pediram para eu também fazer uma pequena apresentação em suas salas. Essas crianças fazem eu me sentir um artista! E minhas antigas estudantes de Estágio ficariam felizes de saber que as salas agora têm ar-condicionado (sim, o prefeito cumpriu a promessa), o que alivia tanto o barulho quanto o mau cheiro. Mas nós da Associação de Pais e Amigos da Escola Alba Frota, que ajudei a fundar, já estamos tratando da recuperação do Riacho Pajeú. 

Fonte: Cecília Andrade

Depois das pequenas apresentações nas salas de aula, fui descansar um pouco na sala das professoras, e uma delas, desde sempre muito brincalhona, falou:

— Eduardo, a UFC tá pagando tão mal assim pra tu trazer a tua filha pra Alba Frota?

Todas as pessoas que estavam na sala riram, eu inclusive, mas ficaram atentas quando perceberam que eu iria responder a sério, e não de brincadeira.

— Como todo pai, apenas estou querendo o melhor pra educação da minha filha, e sinto que conviver com crianças as mais variadas será muito melhor pra ela tanto agora como no futuro. Eu também me sentiria incoerente se defendesse a escola pública como professor da Faculdade de Educação da UFC e matriculasse minha filha numa escola particular.

— Eu não teria essa coragem, Eduardo — comentou outra professora.

— Foi aqui que ganhei essa coragem. Acompanhando vocês durante tantos semestres, diretamente e pelos relatos de minhas estudantes, passei a admirar o esforço de vocês diante das dificuldades. Então resolvi me juntar a vocês na luta por melhores condições em vez de pagar uma fortuna pra gente que eu nem conheço.

A conversa seguiu animada, com as professoras falando das dores e delícias de matricularem suas próprias filhas em escolas privadas.

Quando estava chegando perto das 11h, me levantei e disse uma frase que repito desde os tempos de Estágio:

— Já vou, gente. Tá na hora das "minhas crianças" saírem.

As professoras mais antigas riram. Saí da sala e me posicionei perto da grade. Enquanto esperava, fiquei revendo os rostos de tantas duplas que já passaram por ali com um sorriso e um "até sexta, professor". Foi quando Maria interrompeu meu devaneio, correndo até mim com sua alegria em me ver. Me ajoelhei, lhe dei um abraço e um beijo. Demos tchau à diretora e ao porteiro, caminhamos até nossa bicicleta e voltamos pedalando para casa.


UM NEGÓCIO MEIO FANFIC (Loriene Ribeiro)

Na última sexta-feira fui até a Escola Municipal Alba Frota para realizar a matrícula do meu filho Rafael. Ele irá ingressar no mês de agosto, especificamente no 3° ano B. Enquanto aguardava a coordenadora retornar de uma reunião, fui caminhar pela escola e conhecer melhor a estrutura. Chegando próximo a futura sala de Rafael, percebi duas meninas que se colocavam entre um pé de jambo e alguém da coordenação. Elas pareciam discutir algo sério e eu, com uma curiosidade estritamente pedagógica, me aproximei para ouvir o que se passava. Bom, alguém da diretoria sugeriu que àquela árvore fosse cortada sob o argumento de que o pé de jambo está começando a florescer e logo o pátio ficaria "sujo" com as folhas e frutos podres. O que mais me chamou atenção nisso tudo foi o contra argumento de uma das garotas:
"Olha aí, um ser humano querendo falar de sujeira para uma árvore. Quem é que produz mais lixo aqui?"

Nesse momento, eu não consegui disfarçar e fiz exatamente essa expressão:






A outra continuou:
"E outra, jambo é comida, é um desperdício não aproveitar as frutas. É só a gente colher." 

Eu estava quase aplaudindo, mas fui chamada para a secretaria, então perdi a réplica daquele debate acalorado. Quando terminei tudo, as crianças já estavam sendo liberadas, eu aproveitei para comentar o ocorrido e dar minha opinião não solicitada que, naquele momento, era totalmente dispensável, pois as coisas estavam quase resolvidas. A coordenadora combinou com algumas professoras e professores de pensar num projeto que busque a utilização dos elementos naturais como recurso pedagógico e a colheita dos frutos para degustação mesmo, com uma escala por turma ou algo do tipo. Saí de lá feliz e reflexiva sobre a importância de ouvir as crianças, valorizar a natureza e pôr em prática ideias novas. Acho que conviver com crianças traz muito frescor para a mente quando a gente tem humildade pra ouvir o que elas têm a dizer.

Se a proposta der certo, Rafael vai amar essa escola. Ele adora jambo.

MUITO ALÉM DO ERRO (Emily Karoline Freire Gomes)

Hoje fui chamada para ir até a Escola Alba Frota, onde estuda meu sobrinho Lucas. Ao atender a ligação da coordenação, fui informada de que ele havia se envolvido em um incidente: teria ferido um colega com um lápis durante uma atividade. Lucas sempre foi uma criança doce, reservada e muito curiosa. Receber essa notícia foi, no mínimo, desconcertante, pois não condizia com o comportamento que sempre observei nele.

Ao chegar à escola, fui acolhida pela coordenadora, que explicou que o episódio ocorreu durante uma atividade em grupo. O colega envolvido era Pedro, um aluno que, segundo relatos, costuma provocar os outros com certa frequência. Apesar disso, a coordenação disse não saber ao certo o que teria levado Lucas a agir daquela forma. Relataram que ele também demonstrou surpresa com o ocorrido.

Enquanto aguardava para conversar com a professora, observei a sala. Lucas estava quieto, visivelmente desconfortável. Pedro, por outro lado, interagia normalmente com os colegas. Era perceptível que havia algo além do incidente pontual. A professora me recebeu com atenção, mas revelou que não sabia como lidar completamente com a situação. Ao mencionar que Pedro "às vezes exagera nas brincadeiras", percebi que o comportamento dele já vinha sendo notado, mas talvez não devidamente acompanhado.

Esse momento me tocou profundamente. Senti um misto de tristeza e preocupação. Lucas nunca foi de reagir com agressividade, o que me levou a refletir: será que aquele gesto foi um desabafo silencioso? Quantas vezes ele pode ter tentado lidar com provocações sozinho, sem saber como se expressar?

Saí da escola com sentimentos complexos. É evidente que ferir alguém não é aceitável, mas também entendo que, por trás de atitudes inesperadas, podem existir dores não verbalizadas. É preciso cuidado ao interpretar o silêncio das crianças, nem sempre é timidez; às vezes, é tentativa de suportar algo que elas não sabem como nomear.

Do ponto de vista pedagógico, acredito que este episódio aponta para a importância de uma escuta mais atenta e de estratégias de acolhimento emocional dentro do ambiente escolar. A professora, mesmo dedicada, parecia não estar totalmente preparada para lidar com esse tipo de conflito, e isso é compreensível, afinal, são muitos desafios no cotidiano docente.

Situações como essa mostram a necessidade de investir em formação continuada, de criar espaços para o diálogo e de promover ações preventivas que envolvam toda a comunidade escolar. O bullying, quando não identificado e cuidado, pode gerar impactos emocionais profundos, tanto em quem o sofre quanto em quem o reproduz.

Como tia, também compreendi que nossa escuta em casa é tão importante quanto a da escola. Precisamos estar atentos aos pequenos sinais, às mudanças sutis de comportamento, aos silêncios prolongados. Talvez, se Lucas tivesse sido ouvido antes, esse dia teria sido apenas mais um capítulo tranquilo de sua rotina escolar, e não um marco de desconforto e questionamento.

terça-feira, 1 de julho de 2025

O DIREITO DE PAUSAR (Sadrak Alves)

Na véspera das férias escolares, meu irmão recebeu um comunicado da escola Alba Frota convidando os responsáveis para uma reunião e entrega do boletim das crianças. Meu irmão e sua esposa não iriam conseguir ir para a reunião devido seu trabalho, porém como tio e alguém que acompanha o desenvolvimento da minha sobrinha, decidi participar.    A reunião aconteceria no turno da tarde e naquele dia, levei minha sobrinha para escola e permaneci enquanto aguardava a reunião. 

Logo ao chegar percebi um movimento diferente, uma alegria muito grande por parte das professoras, cheguei até presenciar uma brincadeira entre duas professoras:   — Hoje é o último dia, partiu descanso merecido!

— E que ninguém me chame de tia por pelo menos duas semanas! — respondeu a outra, rindo.

Naquele momento, confesso que senti um misto de felicidade e de frustração. Felicidade por vê-lá satisfeita por encerrar mais um semestre e por saber que teriam esse tempo de pausa. Mas também triste porque na escola onde trabalho, como professor, o recesso não será exatamente um descanso, pois teremos colônia de férias durante todos os dias. É importante deixar claro que não se trata de não gostar das crianças, mas entender que professores não são incansáveis.

Com um tempo os pais, mães, avós e outros responsáveis começaram a chegar, esses estavam com semblante tenso. Fomos acolhidos pela equipe escolar que nos conduziu ao espaço onde a reunião aconteceria.

A diretora logo iniciou a fala e agradeceu a presença de todos. Durante a reunião, um tema ganhou força e causou certo incômodo entre alguns responsáveis, que seria a respeito das férias escolares. Muitos ficaram inconformados com o fato da escola entrar em recesso e não oferecer uma colônia de férias ou atividades nesse período para as crianças. O argumento utilizado foi que prejudicaria, especialmente os que trabalhavam o dia inteiro e não teriam com quem deixar seus filhos.

Enquanto ouvia as falas, confesso que me senti dividido. Como tio, compreendia a dificuldade de muitos responsáveis em conciliar as férias das crianças e o trabalho, de fato não é fácil. Mas, como pedagogo fiquei refletindo sobre o papel da escola, direitos dos professores e até mesmo das próprias crianças. 

Assim como os outros trabalhos, os professores e demais funcionários também têm direito a descansar, a pausa e a renovação. As crianças também necessitam desse tempo longe das obrigações escolares, para brincar livremente, conviver com a família, viajar ou só descansar mesmo. 

Naquele momento, resolvi me posicionar. Pedi a palavra e compartilhei uma reflexão. Disse que entendo a preocupação das famílias, principalmente de quem não tem com quem deixar os filhos durante o recesso. Mas que também precisamos refletir sobre a função social da escola. A escola não é, e não deveria ser um lugar apenas para deixar as crianças. Ela é um espaço de aprendizagem e desenvolvimento integral. Quando a vemos apenas como depósito ou solução para a ausência de políticas públicas de apoio às famílias, estamos distorcendo sua função. 

Além disso, falei sobre os limites que devem existir entre a escola e as demais instituições sociais. Que o papel do Estado é oferecer esses espaços e políticas que acolham crianças quando a escola está em recesso.  E que os professores também são trabalhadores, com direito e negar esse direito a eles é por fim comprometer o próprio processo educativo. 

Alguns responsáveis concordaram, outros ficaram em silêncio. Mas senti que a fala gerou um certo impacto, pelo menos um desconforto reflexivo. A sociedade, ainda precisa aprender a valorizar a escola como espaço de formação, não como um depósito de crianças.

Saí da escola naquele dia com o coração cheio de pensamentos. Parte de mim se sentia aliviado por ter conseguido expressar algo tão importante, por ter defendido o direito ao descanso de quem educa e aprende. Mas, ao mesmo tempo, carregava um certo peso, de saber que, na minha realidade como professor de escola privada, esse descanso ainda não é possível.