O tesouro adiado
Na beira da trilha, eu já estava com a mochila apertada nas costas, o coração acelerado, cheio de ansiedade e com o mapa na mão. Eu era só um explorador aprendiz, ansioso para começar minha jornada na trilha dos tesouros, o tão formoso Mundo encantado da Escola, um lugar onde os sorrisos escondem segredos e os olhos das crianças, as falas e cada cem formas de linguagens delas brilham como uma pistas de ouro.
Ao meu lado, outros exploradores se preparavam, cada um com suas ferramentas, dúvidas e seu próprio jeito de pisar nessa grande aventura. Os guardadores do caminho nos esperava mais adiante, eles são uns guias experientes que já percorreram essa trilha inúmeras vezes e conhecem os atalhos e os obstáculos, mas também pode ser que tenha aqueles que começaram essa trilha recentemente. Também tem os guardiões dos tesouros, aqueles seres pequenos de tamanho, mas cheio de potências, curiosidades, criatividades e cheios de enigmas.
Mas antes de dar início a essa caminhada… Uma brisa inquieta começou a soprar entre os exploradores aprendizes. Boatos sussurrados, mensagens trocadas como pergaminhos mágicos no grupo secreto começaram a circular:
— Ouvi dizer que haverá paralisação em algumas escolas… o portão do Alba Frota estará mesmo aberto?
— Na escola da minha sobrinha e do meu sobrinho já anunciaram que não vai ter aula…
— Minha professora supervisora do Pibid avisou que a escola onde atuo também vai paralisar.
— Na escola que eu faço Pibid também…
— A paralisação é nacional, dizem.
A brisa cada vez mais crescia a cada mensagem, cobrindo lentamente o início da trilha, as certezas iam aos poucos desaparecendo.
Então, como uma tocha acesa na escuridão, chegou a mensagem do guardião da trilha:
— Bom dia, gente. A guardiã da Ordem confirmou agora que haverá paralisação na escola.
O silêncio tomou conta daquele lugar. Os portões do mundo encantado da escola não se abriram naquele dia. O primeiro passo… foi adiado. A empolgação virou um eco no vazio. A trilha ficou em silêncio.
E foi aí que entendi: até o silêncio ensina.
A frustração de não começar foi também o primeiro tesouro da jornada — um aviso de que, nesta trilha, nem tudo é controle, nem tudo é agora. Às vezes, o tempo da espera é o primeiro ensinamento.
O tesouro, naquele dia, foi invisível. Mas ele estava lá.
Após esse momento de silêncio e reflexão, uma nova etapa da nossa jornada começou. Não demorou muito para que o Guardião da trilha nos enviasse um novo sinal, dessa vez em forma de um encontro on-line. Nesse encontro, discutimos, em profundidade, os motivos da paralisação. Conversamos sobre o movimento que buscava mais Paulo Freire e menos Lemann. A proposta era clara: reimaginar a escola, tornando-a mais humana, mais voltada para o ser, e menos influenciada por grandes interesses de empresaas. A importância de uma educação que privilegiasse a reflexão, a autonomia e o verdadeiro aprendizado foi o foco da nossa conversa.
O encontro foi iluminador. A troca de ideias, as reflexões sobre o papel da escola na formação das novas gerações, foram todas muito enriquecedoras. E foi após esse diálogo que o Guardião da Trilha nos fez um convite final: a missão de escrever sobre a escola dos nossos sonhos.
Logo, o professor pediu para que todos nós criássemos um texto, uma carta da escola que queremos. Com base nas reflexões do encontro, fomos desafiados a colocar em um pergaminho digital compartilhado nossas esperanças, nossos desejos para uma escola que fosse, de fato, um ambiente de aprendizado, respeito e crescimento das crianças.
A paralisação, que parecia um obstáculo, se tornou a chave para uma nova visão, para uma reflexão mais profunda sobre o tipo de escola que queremos e a importância de cada gesto de transformação.
E assim, com o coração cheio de novas perspectivas, nós, exploradores, seguimos em frente, conscientes de que o verdadeiro tesouro não está apenas no fim da trilha, mas em cada passo dado, em cada troca vivida e em cada ideia compartilhada.
Abaixo, apresento o texto que surgiu desse momento, um reflexo do que discutimos e do que acreditamos:
Fortaleza, 23 de abril de 2025
Senhor prefeito, Evandro Leitão
Escrevo essa carta como estudante do último semestre do curso de pedagogia e como alguém apaixonado pela educação, pois reconheço sua importância na vida das pessoas, especialmente quando falamos da educação pública, que deve ser um direito garantido com qualidade.
Gostaria de compartilhar meu desejo de uma escola que respeita verdadeiramente os direitos das crianças, uma escola que reconheça e valorize o tempo de cada uma, que escute seus interesses, suas curiosidades e necessidades e que compreenda as crianças como sujeitos ativos, competentes, potentes, capazes e curiosos. Capazes de compreender a infância como uma fase rica, potente e que necessita de afeto e cuidados.
A escola que queremos é mais do que uma estrutura, com salas, banheiros e o mínimo necessário, queremos exigir qualidade, uma ambiente planejado para acolher, materiais acessíveis e de qualidade, espaços que convidam as crianças a brincar, aprender, se divertir, tudo ao mesmo tempo. A escola que queremos não se limita ao metro quadrado da sala de aula. Ela se expande, se abre para a quadra, para o pátio, ao jardim, a rua, se expande para o mundo.
Essa escola também deve investir em professores qualificados, que buscam constantemente formação para oferecer o melhor aos alunos. Professores que têm tempo de planejar, refletir e se aprimorar e não ficam sobrecarregados com 40 horas semanais dentro da sala de aula. Precisamos de um modelo em que o professor possa trabalhar em um turno e ter tempo suficiente para preparar as atividades, planejar as práticas e cuidar de seu desenvolvimento profissional e também pessoal. Além disso, que haja mais de um profissional em cada sala de aula, garantindo uma atenção mais individualizada. E claro, que o professor receba o que é justo, um salário digno e condizente com o poder transformador de sua profissão.
Queremos uma escola em que as crianças sejam vistas como protagonistas, em que o brincar seja essencial do aprender e que o currículo dialogue com a vida real, com cultura local e com sonhos. Uma escola que além de educar, inspire, que seja um lugar de construção de futuros e de transformação para todos. Uma escola que seja acima de tudo, um espaço para que as crianças se expressem, compartilhem suas ideias e sentimentos. Um lugar onde a diversidade seja respeitada e a educação além dos conteúdos formais, tornando uma ferramenta de transformação social, capaz de mudar realidades e abrir portas.
Dessa maneira, finalizo dizendo que a escola que sonho acredita nas crianças, nos educadores e na potência da educação pública como caminho para um futuro mais justo, sensível e transformador. Que esse sonho possa se concretizar um dia.
Com esperança,
Sadrak Alves.
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